Senado aprova PEC da Morte, minando demarcações de Terras Indígenas de todo o país

A PEC 48/2023, que estabelece o Marco Temporal, coloca em risco os Territórios Indígenas já demarcados e inviabiliza novas demarcações, abrindo as portas para novos casos de violência por milícias rurais.

11 de Dezembro de 2025 às 15h00

Reprodução//Foto: Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB).

Por Daimar Stein

Em resposta à bem-sucedida campanha tocada por povos indígenas de todo o país através da APIB, que buscava pressionar o governo a aprovar as demarcações de terras que já estavam prontas para homologação, o que foi conquistado durante a COP30, a bancada ruralista do Congresso articulou com suas bases, incluindo o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (UNIÃO) para, se adiantando ao julgamento do tema pelo Supremo Tribunal Federal (STF), aprovar a tese do Marco Temporal.

A PEC 48/2023, conhecida como PEC da Morte, foi aprovada por 52 votos favoráveis nos dois turnos, depois de anos circulando e sendo barrada. A matéria segue agora para análise da Câmara dos Deputados. A PEC é de autoria do senador Dr. Hiran (PP) e tem como relator o senador Esperidião Amin (PP), aliados abertos do agronegócio, e limita o direito à demarcação de terras aos povos indígenas que já estavam ocupando seus territórios em 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição.

O debate sobre a definição de um Marco Temporal para o direito à demarcação existe desde 2009, com a conclusão do julgamento da demarcação da TI Raposa Serra do Sol, em Roraima. Até dois anos atrás, era discutida tanto no STF quanto no Congresso. Após anos de mobilizações e luta contra a sua aprovação pelos movimentos indígenas, o STF finalmente rejeitou a tese do Marco Temporal em setembro de 2023, considerando-a inconstitucional. No entanto, poucos dias após sua inconstitucionalidade ser garantida, foi apresentada pela bancada ruralista a PEC 48, que tenta modificar a Constituição brasileira para tornar possível esse ataque.

Já a defesa dos povos indígenas é de que seu direito à terra vem desde antes da colonização do território brasileiro, em 1500, a partir da qual os mesmos foram perseguidos, mortos, expulsos de seus territórios e em diversos momentos, escravizados. Em entrevista para a TV UESC, Álvaro de Azevedo Gonzaga, do povo Guarani Kaiowá, e professor de direto da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), questiona:

"Por que não se marca então em 1640, na época da Carta Régia? Por que não se marca, portanto, em 1530, período em que as terras indígenas eram de muito maior quantidade? Por que não se discute as terras devolutas que existem em nosso país? Isso é um absurdo, querer marcar no tempo exatamente na data em que a menor população indígena brasileira existia."

Na prática, caso a PEC seja aprovada pelo Congresso, se as comunidades não comprovarem que estavam nas terras nesta data, poderão ser expulsas, desconsiderando completamente tanto a existência de povos nômades quanto o genocídio e as expulsões forçadas sofridas por diversos povos durante toda a história do Brasil e o processo de retomada de terras necessário pelos mesmos para ocupar os territórios que hoje habitam. A intenção é justamente entregar esses territórios aos latifundiários, à mineração, ao garimpo e aos madeireiros.

Se atualmente os índices de violência contra indígenas representam pouco menos da metade de todos os casos de violência no campo, a aprovação da PEC da Morte e de medidas para garantir a mineração em terras indígenas, em conjunto com a derrubada dos vetos ao PL da Devastação, que já eram poucos e insuficientes, o número de conflitos tende a explodir, especialmente os casos de pistolagem vindo de milícias rurais como o grupo Invasão Zero, abertamente apoiado por membros da bancada BBB.

Embora a demarcação de terras, por si só, sem o investimento devido nos órgãos protetores, não garante condições de vida justas e sem violência para os povos daquele território, dentro do direito burguês, é o primeiro passo para assegurar o direito básico à terra em que vivem. Segundo Casé Angatu Xukuru Tupinambá, do povo Tupinambá de Olivença e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC), em entrevista para o documentário Îandê Yby:

"O sul da Bahia não é pacífico em relação aos índios. Essa classe média alta, essa elite local sul baiana, ela não gosta dos índios necessariamente porque nós estamos lutando pelo direito ao território. [...] É um direito que precede a propriedade privada, não podemos vender, não podemos alugar, não podemos arrendar, nem podemos usar agrotóxicos no território indígena porque é relacional, ele precede o direito até do estado brasileiro."

Os povos indígenas foram impedidos de acompanhar a sessão da galeria do plenário do Senado, que é reservada a visitantes, escancarando a completa falta de perspectiva de escuta dos mesmos sobre uma decisão que pode acabar com seu modo de vida. Com a estratégia de blitzkrieg tomada pelo Congresso, aprovando no mesmo dia tanto a anistia aos golpistas do 8 de janeiro e a redução de pena para o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), quanto o avanço na cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL), com direito à violência e censura generalizados, vai ser extremamente difícil mobilizar a população contra esse ataque, mas não podemos nos calar e, seguindo a mídia hegemônica, apagar a luta dos povos indígenas.

Não podemos enxugar gelo: a aprovação do Marco Temporal é o pior ataque aos povos indígenas desde o período da ditadura empresarial-militar. É abrir as portas ainda para o "passar da boiada", trazendo consigo o genocídio e o avanço desenfreado do capital sobre o pouco que ainda resta de áreas preservadas por esses povos, apagando sua cultura, seu modo de vida e sua relação com a natureza, com a qual temos muito o que aprender.