Fórum do Movimento Invasão Zero no sul da Bahia escancara a impunidade da violência de ruralistas contra indígenas e assentados
Em meio ao medo das comunidades indígenas e movimentos de luta pela terra, evento marca o “passar da boiada” da organização de milícias rurais na região.

Outdoor financiado pelo Movimento Invasão Zero no extremo-sul do estado. Reprodução/Foto: Repórter Brasil.
No dia 7 de junho, o Movimento Invasão Zero, movimento suspeito de atuar como milícia rural, composto por congressistas das bancadas do boi e da bala, realizou seu primeiro Fórum Nacional em Ilhéus, no sul da Bahia. O evento foi marcado pela tentativa de criminalizar movimentos de luta pela terra, de invalidar a ancestralidade e o direito à terra das populações indígenas da região e pela defesa do “desforço imediato”, retomada da posse de terra sem ordem judicial.
Gestado como União em Defesa da Propriedade em 2017, mas oficialmente transformado no Invasão Zero em 2023, o movimento é liderado pelo produtor de cacau e pecuarista Luiz Henrique Uaquim da Silva (MDB), que construiu sua fama entre os ruralistas por seu constante assédio jurídico e sua atuação contra a demarcação das terras indígenas dos Tupinambá de Olivença, em Ilhéus, e Renilda Maria Vitoria de Souza, filha do fazendeiro e ex-deputado Osvaldo Souza (PFL), ruralista e advogada do Tribunal de Contas da Bahia (TCE-BA) que, apesar de seu salário líquido de R$18 mil, acumula dívidas de mais de 25 milhões com a União. O grupo também possui relação direta com o ex-presidente Jair Bolsonaro, tendo financiado outdoors durante toda a região sul da Bahia em campanha para o mesmo nas eleições de 2022. Hoje está presente em mais de 200 municípios na Bahia e em 14 estados do país.
Com forte inspiração na União Democrática Ruralista (UDR), fundada nos anos 80 pelo atual governador de Goiás, Reinaldo Caiado (União Brasil), as atividades do Invasão Zero tem um modus-operandi consistente: os latifundiários utilizam táticas de agitação, como publicidade em outdoors e investimento em desinformação através das redes sociais, para mobilizar fazendeiros de uma determinada região, a partir dessas ações os reúnem através do WhatsApp, e, com eles, constroem comboios para retomar de forma ilegal, sem ordem judicial, fazendas recém ocupadas por sem-terra e indígenas, aparelhando a Polícia Militar da região para fazer sua “proteção”.
A mais conhecida dessas ações sendo o assassinato da liderança indígena Nega Pataxó no começo de 2024, cujo assassino, através da influência do movimento, foi solto pouco tempo depois, após servir apenas 7 meses de prisão preventiva, mas existem inúmeros outros casos recentes, como o assassinato de Vítor Braz, morto enquanto seu povo estava em Brasília lutando pela demarcação da TI Barra Velha do Monte Pascoal, que foi seguida menos de um mês depois por uma invasão da Polícia Militar na Terra Indígena, buscando prender “supostos indígenas armados que estariam atuando em ‘retomadas’ de territórios contra proprietários rurais”.

Dados sobre a atuação do Movimento Invasão Zero. Fonte: Conflitos no Campo Brasil 2024 - Comissão Pastoral da Terra.
Estiveram presentes no Fórum Nacional os deputados federais Coronel Meira (PL-PE) e Capitão Alden (PL-BA); os deputados estaduais baianos Robinho (União Brasil), Leandro de Jesus (PL) e Diego Castro (PL); além de Lucas Pollese (PL), deputado estadual pelo Espírito Santo, e de produtores rurais, vereadores, representantes municipais, de associações e sindicatos das cidades de Ilhéus, Una e Canavieiras. Entre falas como “bandido bom é bandido morto”, “eles estão invadindo tudo” e “esse governo [...] apoia invasão de propriedade”, o evento denunciou políticas governamentais que, segundo os palestrantes, estimulam ocupações ilegais, focando principalmente na atuação do MST na região, promoveu propostas institucionais para ilegalizar quaisquer formas de ocupação de terra, promoveu um curso ensinando fazendeiros a se armar de forma legal os ensinando a evitar produzir provas contra si mesmos ao fazer retomadas ilegais de terra, além de divulgar um aplicativo para que produtores rurais alertem uns aos outros sobre ocupações de terra nas proximidades, facilitando o trabalho das milícias de retomar os locais.
O evento foi recebido efetivamente sem reação dos movimentos sociais e organizações dos povos indígenas da região, com as únicas organizações que se posicionaram publicamente sendo o Conselho Indígena Tupinambá de Olivença, que lançou um vídeo de denúncia em suas redes mas o apagou pouco tempo depois por questões de segurança e a Comissão Pastoral da Terra, que lançou uma matéria em conjunto com o Centro de Estudos e Ação Social, denunciando o evento. Não houve construção geral na região para fazer alguma forma de intervenção ou protesto, apesar das tentativas do PCBR e da CPT de mobilizar as diversas entidades e partidos na região. E isso infelizmente não é de se surpreender.
O Invasão Zero tem históricas conexões com grupos armados e com a Polícia Militar. No ano passado, denunciamos ameaças de pistoleiros na Aldeia Tibá em Prado. Segundo a Funai, os Pataxó no extremo sul do estado temem até registrar boletins de ocorrência por suspeitarem da ligação entre policiais e fazendeiros. Além disso, o movimento segue sendo efetivamente ignorado pelo governo do estado, recebendo apoio de diversos deputados, vereadores e prefeitos de extrema direita, e com o atual governador Jerônimo Rodrigues (PT) se limitando a um discurso “dois-ladista”, onde nem sequer citou o nome do movimento ao falar sobre o assassinato de Nega Pataxó: “Nem um lado e nem outro, meu comportamento é de garantir a tranquilidade, equilíbrio entre as forças. Não dá para a gente ficar aguardando que movimentos ou pessoas façam justiça com as próprias mãos”.
Os Tupinambá de Olivença serão os principais afetados pelo avanço desse movimento em Ilhéus. A demarcação de suas terras está parada e atrasada, mesmo após os mais de 15 anos de luta, com o silêncio sobre essa e outras demarcações sendo parte do legado do atual Governo Lula. A TI também já foi alvo da Embratur, com um pedido de cancelamento da sua demarcação para a construção de um hotel de luxo de rede hoteleira portuguesa Vila Galé, o que sem dúvida é parte do interesse crescente do movimento em atuar na região grapiúna, especialmente quando se leva em consideração a dependência da economia de Ilhéus no turismo.
“A nossa situação é de insegurança”, diz a cacica Maria Valdelice, a Jamopoty, primeira liderança da Terra Indígena Tupinambá de Olivença, em entrevista para SUMAÚMA. “Nós temos o Invasão Zero, o tráfico de drogas. De que forma vamos nos proteger? [Vamos enfrentá-los] para morrer também?” Outra população fortemente afetada por esse avanço são os Tupinambá da Serra do Padeiro, que vivem em um conflito histórico com os moradores de Buerarema, também na região grapiúna, após a retomada de terras em 2004, em busca de sua demarcação. O Invasão Zero cresce dentro do município e incita conflitos cada vez maiores através da Associação de Pequenos Agricultores dos municípios de Ilhéus, Una e Buerarema, fundada também por Uaquim.