Novo Arcabouço Fiscal ameaça manutenção dos Institutos Federais

Por trás do discurso de avanço, vemos cortes orçamentários ameaçando a instituição. A construção de novos campi nos leva a perguntar: como seu funcionamento será garantido?

4 de Setembro de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert / PR.

Por Daimar Stein

A promessa de 100 novos Institutos Federais até o ano que vem, feita em março de 2024, é extremamente tentadora. Com cada campus novo empregando em torno de 150 a 200 funcionários e atendendo até 1.200 estudantes, com um potencial de mais de 140 mil novas vagas de educação profissional e tecnológica, o projeto foi promovido pelo Governo Lula como uma conquista gigantesca para garantir educação pública de qualidade para mais regiões do interior do país. Porém, a política fiscal promovida pelo próprio governo coloca em risco seu cumprimento.

Os Institutos Federais são um modelo de educação criado no Brasil, funcionando efetivamente como uma mistura de escola com universidade, oferecendo tanto ensino médio, educação de jovens e adultos (EJA) e cursos técnicos quanto graduação, especialização, mestrado e doutorado. O modelo começou a ser implementado em 2008, no final do segundo Governo Lula, tanto através da construção de espaços dedicados para o projeto quanto com a transformação de escolas técnicas já existentes, e atualmente atende mais de 1,5 milhão de pessoas, seja em um de seus 686 campi, ou através dos cursos rápidos oferecidos de forma virtual.

No seminário feito no final de julho, em conjunto com o lançamento da pedra fundamental que marcou o início das obras do campus de Itabuna, no sul da Bahia, Elís Lopes, Pró-reitora de Desenvolvimento Institucional do IFBA, em entrevista para o jornal O Futuro, confirmou que cada unidade terá um orçamento mínimo anual de R$ 700 mil, entrando no escopo da Lei Orçamentária Anual (LOA) para garantir os recursos para seu funcionamento. Porém, neste ano, uma recomposição orçamentária foi necessária para manter os Institutos funcionando após os cortes aprovados na LOA de 2025. A construção de novos campi nos leva a perguntar: como seu funcionamento será garantido enquanto vemos diversos problemas e limitações para manter os campi já existentes?

Segundo o Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (CONIF), há dez anos os Institutos Federais vêm sofrendo com uma compressão lenta e silenciosa de seu orçamento, mais precisamente a partir da implementação da “nova matriz econômica” pelo banqueiro Joaquim Levy, então Ministro da Fazenda no Governo Dilma, e aprofundada após a criação do Teto de Gastos (Emenda Constitucional n.º 95) após o golpe de 2016, durante o Governo Temer. Após inúmeras promessas de campanha de Lula de que o Teto de Gastos seria revogado, o que foi entregue ao governo foi apenas um pequeno afrouxamento da corda que enforca o orçamento brasileiro: o Novo Arcabouço Fiscal (Lei Complementar nº 200/2023), que foi vendido como a solução para o congelamento de recursos do Teto de Gastos, mas que mantém sua principal contradição.

A contradição entre um limite de crescimento da verba para investimento público de 70% da variação da receita ou até 2,5% acima da inflação e a constante crescente do Piso Constitucional da Educação de 100% com a receita constrói uma bomba orçamentária cada vez mais próxima de explodir e que lentamente corrói a infraestrutura da educação pública brasileira, que o Governo Lula insiste em tentar defusar com programas assistenciais, como o Pé de Meia, programas esses que atacam o sintoma ao invés da causa do problema: a falta generalizada de investimento na educação pública brasileira e o incentivo estatal para o avanço das instituições de educação privadas em seu lugar.

Uma das consequências diretas disso: o orçamento anual para funcionamento dos IFs se encontra atualmente em torno de R$ 2,5 bilhões, 1 bilhão a menos que seu orçamento de 10 anos atrás, ao mesmo tempo em que mais de 100 novas unidades foram construídas e o número de matrículas saltou em quase 70%. Ou seja, esse valor é ainda mais reduzido para cada campus e para cada aluno. Segundo o CONIF, seria necessário que o orçamento anual dobrasse para garantir o pleno funcionamento e consolidação das unidades já existentes, sem contar os novos campi.

Cortes de verbas violentos foram tentados contra o MEC e barrados a partir da mobilização popular, mas, para piorar o problema, o próprio Pé de Meia foi usado como ferramenta de ataque contra o Piso da Educação, cortando em torno de R$ 12 bilhões que deveriam ser utilizados em investimento na educação pública para garantir o funcionamento de um programa assistencial, ao ser incluído como parte do Piso a partir da alteração do artigo 70 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). O estrangulamento da verba para educação pública leva inevitavelmente a situações como a recente greve estudantil do campus Restinga do IFRS, iniciada por conta da falta de alimentação acessível para os estudantes, problema consistente nos institutos de boa parte do país.

Em meio a tudo isso, a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES), que deveria representar e defender os estudantes dos IFs, se mantém aquém na discussão e se limita a uma defesa abstrata que serve apenas como propaganda para o governo petista, jogando a culpa dos cortes no Congresso e deixando de exigir do Governo Lula o cumprimento de suas promessas de campanha. Por trás do discurso de avanço com o projeto dos IFs, vemos casos como o corte no orçamento do IFBA em 2024, que vinha em recuperação orçamentária depois de beirar a inviabilidade do funcionamento de alguns campi no Governo Bolsonaro, em 2022. Além disso, o descumprimento do Governo Federal do Acordo de Greve de 2024 levou servidores técnico-administrativos à paralisação em maio deste ano no Rio Grande do Sul e em junho deste ano em Minas Gerais e no Mato Grosso, mostrando que o descaso com as demandas dos servidores públicos não se limita às universidades.

Apesar de tudo, a construção de novos Institutos Federais não pode nem deve ser vista como problema. Seu funcionamento, caso garantido, será sem dúvida um grande avanço para a política de interiorização de um ensino público de qualidade, especialmente considerando que o número de estudantes atendidos pelos IFs são pouco mais da metade dos 2,8 milhões inscritos nos seus processos seletivos. O que fazemos aqui é nada mais do que a exigência do cumprimento das promessas. E para isso, precisamos atacar a raíz do problema: a política neoliberal de austeridade fiscal criada com o Teto de Gastos e mantida no Novo Arcabouço Fiscal que, em busca de garantir os lucros bilionários dos rentistas ao não impor nenhum limite para os gastos do governo com o pagamento da dívida pública, coloca em risco a manutenção de toda a educação pública e abre ainda mais espaço para os conglomerados de educação privada.

É necessário mais do que nunca uma discussão real sobre a importância dos IFs enquanto um modelo de educação pública contra os retrocessos do Novo Ensino Médio e seu potencial como ferramenta para uma educação pública popular, que funcione como agente de desenvolvimento regional, redutor de desigualdades e formador de cidadãos com consciência crítica e especializados para um desenvolvimento técnico-científico nacional voltados para reduzir nossa dependência estrangeira, sendo peça chave para um verdadeiro projeto de soberania nacional. Porém, para sequer podermos iniciar essa discussão, o primeiro passo é combater o neoliberalismo, tanto o progressista quanto o reacionário, que, sob a lógica da “gestão técnica mais eficiente”, sufoca o investimento público e avança com o projeto da elite brasileira de sucateamento, privatização e fascistização da educação pública.