A farsa da “soberania nacional” do governo Lula
Enquanto o mercado externo se fecha, a burguesia “nacional” não investe em industrialização soberana nem em diversificação produtiva, pois seus interesses estão intrinsecamente ligados ao sistema imperialista e à manutenção da ordem vigente.

Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert/Planalto.
Recém-eleito para seu segundo mandato como presidente dos Estados Unidos, Donald Trump inicia o seu primeiro ano de governo deflagrando uma verdadeira guerra comercial ao impor barreiras tarifárias contra praticamente todas as nações ao redor do mundo. Entretanto, o mandatário da Casa Branca escolheu alguns países que sofrerão maior impacto das tarifas. Enquanto a grande maioria da União Europeia recebeu tarifas em torno de apenas 10 a 15%, foi imposta contra a China e a África do Sul uma taxa geral de 30%. No entanto, Brasil e Índia serão afetados por uma tarifa maior, na ordem de 50%.
Assim, a imposição de tarifas pelo governo dos Estados Unidos contra produtos brasileiros é mais do que uma disputa comercial: é uma agressão imperialista. Sob o pretexto de proteger sua economia, a burguesia monopolista norte-americana busca preservar sua taxa de lucro e controlar o comércio mundial, ainda que isso signifique intensificar as contradições no sistema mundial de dominação imperialista. Nesse sentido, o objetivo é empurrar economias periféricas, como a brasileira, para uma posição que aprofunde sua dependência e submissão.
No caso do Brasil, país dependente e integrado de forma subordinada à divisão internacional do trabalho, tais tarifas expõem a fragilidade de uma economia voltada à exportação de bens primários. O agronegócio, setor diretamente afetado, é dominado por grandes latifundiários e corporações multinacionais que concentram riqueza e se apropriam do trabalho excedente de milhões de trabalhadores rurais. A redução das exportações, embora afete momentaneamente a rentabilidade desses grupos, é repassada rapidamente para o proletariado: cortes de postos de trabalho, arrocho salarial e intensificação da exploração para compensar as perdas do capital.
Neste contexto, o governo Lula respondeu com o plano “Brasil Soberano”, um pacote de R$ 30 bilhões destinado a crédito facilitado, compras públicas, adiamento de tributos e seguros para exportadores. Tais medidas, sob o pretexto de “proteger empregos”, acabam socializando prejuízos do capital enquanto mantém intocada a estrutura de propriedade e poder. Trata-se de mais uma transferência de recursos públicos para garantir a sobrevivência dos lucros privados.
A situação é emblemática uma vez que o governo federal, desde o início do mandato, vem seguindo fielmente a cartilha de “responsabilidade fiscal”. Entretanto, essa “responsabilidade fiscal” apenas existe quando se deseja destruir direitos duramente conquistados pelo proletariado, como o sucateamento das universidades públicas e o aumento nas restrições para concessão de benefícios previdenciários. Quando se trata de defender os interesses dos grandes empresários afetados pela política tarifária dos Estados Unidos, o presidente Lula alardeia aos quatro ventos uma suposta defesa da “soberania nacional”, o que, na verdade, esconde um discurso de defesa da burguesia interna.
O episódio demonstra que, dentro do marco do capitalismo dependente, as medidas chamadas de “defesa da soberania” não passam de paliativos para manter a inserção subordinada do país na economia mundial. O proletariado, no entanto, arca com os custos: os recursos destinados a este pacote sairão do fundo público, alimentado principalmente por impostos regressivos, enquanto programas sociais e investimentos em saúde, educação e infraestrutura tendem a sofrer cortes futuros em nome do equilíbrio fiscal.
Enquanto o mercado externo se fecha, a burguesia “nacional” não investe em industrialização soberana nem em diversificação produtiva, pois seus interesses estão intrinsecamente ligados ao sistema imperialista e à manutenção da ordem vigente. Assim, o “Brasil Soberano” funciona como um mecanismo de amortecimento das contradições internas do capitalismo dependente, garantindo que a crise aberta pelo protecionismo norte-americano não ameace a estabilidade do sistema.
A única soberania efetiva virá da ruptura com o sistema imperialista, da expropriação dos meios de produção da burguesia nacional e estrangeira, e da construção de uma economia socialista planificada.
Os empresários entregam os trabalhadores à própria sorte
Esse movimento repercute diretamente no custo de vida do proletariado. Alimentos básicos, como carne e café, sofrem aumento de preços em função da instabilidade comercial e da pressão inflacionária sobre cadeias de abastecimento. Mesmo produtos não diretamente tarifados acabam sendo encarecidos, seja por insumos importados mais caros, seja pela transferência de custos ao consumidor final. A classe trabalhadora, que já destina a maior parte de sua renda à alimentação, transporte e moradia, sente de forma aguda essa elevação de preços, pois não dispõe de mecanismos de proteção inflacionária como reajustes automáticos ou reservas financeiras, diferentemente dos grandes empresários.
Ao mesmo tempo, o encarecimento do custo de vida coincide com um cenário de precarização das relações de trabalho. Empresas impactadas pelas tarifas cortam postos de trabalho, congelam contratações e intensificam a exploração dos trabalhadores remanescentes. Isso significa que o proletariado sofre simultaneamente com renda estagnada ou reduzida e com despesas crescentes.
O tarifaço terá efeito generalizado entre diferentes setores da classe trabalhadora. Entretanto, o trabalhador rural é o mais diretamente afetado pela ofensiva tarifária, especialmente nos setores do agronegócio voltados à exportação. Muitos assalariados rurais têm vínculos de trabalho precários, sem estabilidade ou direitos plenos, o que facilita sua demissão imediata. Além disso, a queda da demanda externa não se traduz em preços mais baixos no mercado interno: o latifúndio prefere reduzir a oferta para manter margens, o que eleva o custo dos alimentos e impacta o próprio trabalhador rural enquanto consumidor.
O proletariado industrial brasileiro será afetado indiretamente, uma vez que diversas fábricas dependem de insumos agrícolas para a produção de alimentos processados ou de matérias-primas que agora estão mais caras devido às distorções comerciais e ao encarecimento do transporte e da energia. Os empresários industriais repassam esses custos ao trabalhador, ao mesmo tempo em que o pressiona por mais produtividade com o mesmo salário
Em paralelo a isso, trabalhadores de aplicativos, entregadores e motoristas, já submetidos a um regime de superexploração, veem seus custos diários aumentarem (combustível, alimentação), enquanto a demanda oscila. O resultado é mais horas trabalhadas para manter a mesma renda, acentuando a alienação e a precarização.
Portanto, quais medidas concretas deveriam ser tomada, impedindo que os custos dessa guerra comercial tenham efeito sobre o proletariado?
Ao invés de direcionar recursos do fundo público para defender o setor exportador, o necessário seria redistribuir terras improdutivas ou voltadas exclusivamente à exportação, formando cooperativas de produção administradas pelos trabalhadores, com garantia de assistência técnica, crédito estatal e acesso a insumos para produção de alimentos a preços acessíveis para o mercado interno.
Além disso, direcionar investimentos públicos para a produção nacional de insumos hoje dependentes de importações afetadas por tarifas ou sanções. Integrar, sob propriedade pública, os principais frigoríficos, armazéns e empresas de logística, impedindo que o mercado interno seja refém da lógica especulativa do agronegócio, para garantir preços justos, com estabilidade no emprego. Em conjunto, utilizar essas empresas como instrumentos de planejamento econômico, priorizando produção para consumo interno ao invés de exportações.
Ou seja: nacionalizar e colocar sob controle democrático da classe trabalhadora as exportações de produtos estratégicos como café, carne e minérios.