Governo Lula esmaga a educação pública e favorece as instituições privadas

Essa limitação dos gastos públicos ocorre porque o Arcabouço Fiscal estabelece que o crescimento dos gastos podem corresponder apenas a 70% do crescimento da receita do governo, caso consiga atingir as metas de superávit. A meta, para 2026, é de R$ 34,3 bilhões (0,25% do PIB).

17 de Junho de 2025 às 15h00

Foto: Ricardo Stuckert/PR.

Por Gabriel Tavares

Ao longo dos mandatos petistas, algumas políticas educacionais representaram um verdadeiro marco. Como exemplo, podemos lembrar do REUNI, o ProUni, e o FIES. Passados dois anos e meio do terceiro mandato de Lula, cabe fazermos uma avaliação do que foi a política educacional deste novo governo, observando suas principais realizações.

Arcabouço Fiscal: Uma velha novidade

A principal mudança estrutural que o governo realizou desde o início do seu mandato foi a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal, que, em nosso entendimento, nada mais é do que um Novo Teto de Gastos, dando continuidade à lógica de limitação nos gastos públicos implementada durante o governo de Michel Temer.

Essa limitação dos gastos públicos ocorre porque a lei estabelece que o crescimento dos gastos podem corresponder apenas a 70% do crescimento da receita do governo, caso consiga atingir as metas de superávit. A meta, para 2026, é de R$ 34,3 bilhões (0,25% do PIB). Ou seja, se o governo conseguir fazer “sobrar dinheiro”, ou seja, cortar gastos, lhe será permitido aumentar seu investimento, no ano seguinte, em 70% daquilo que aumentou na arrecadação. Se tivesse um aumento de 10%, aumentaria 7% nos gastos. Se não conseguir a meta, só pode aumentar em 50% seus gastos, o que seria 5%. No entanto, além desse teto, há um teto máximo de aumento, de 2,5%. Ou seja, mesmo que se tenha um aumento grande nas receitas, as despesas não podem acompanhar o mesmo ritmo. A título de comparação, o aumento de gastos no primeiro ano de Bolsonaro foi de 2,9%.

Estas regras do Novo Arcabouço Fiscal impõe um risco direto aos pisos mínimos constitucionais para saúde e educação. A Constituição Federal diz que 18% da receita proveniente de impostos deve obrigatoriamente ser direcionada aos gastos com educação e 15% da receita corrente líquida para a saúde. Só que os tetos criados são contraditórios com os pisos constitucionais. Se tivermos uma arrecadação alta, duas opções se colocam: ou o piso não vai ser cumprido, já que os gastos obrigatórios ultrapassariam a barreira de 2,5%; ou outras áreas sofrerão redução nos gastos discricionários para que os pisos sejam cumpridos.

Desse ponto, uma conclusão fundamental para se tirar é de que o aumento da arrecadação não representa, necessariamente, a ampliação dos investimentos públicos. Por conta do teto de gastos, medidas como a taxação de grandes fortunas e aumento de impostos, permitem, no máximo, a garantia de superávits, isto é, mais dinheiro disponível para financiar os juros da dívida pública.

Mesmo assim, visando cumprir com as regras fiscais e reduzir gastos ao máximo, a ideia de uma Emenda Constitucional que retirasse as obrigações de investimento mínimo em saúde e educação segue de pé nos bastidores do governo.

A verdade é que os pisos constitucionais são, há muitos anos, um entrave aos interesses privatistas que rondam as instituições políticas do Brasil. Observamos, nos últimos anos, uma tendência de redução proporcional nos gastos com saúde e educação. Na saúde, o gasto acima do piso foi de 44,6% em 2021, caiu para 8,6% em 2022, reduziu para 4,1% em 2023 e chegou ao seu menor patamar desde 2011 em 2024, com 0,7% acima do mínimo constitucional. Na educação, a tendência de queda é similar: 33,8% em 2022, 31,3% em 2023 e apenas 2% acima do piso em 2024.

Para os próximos anos, a tendência é dos pisos constitucionais não serem cumpridos. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026 disponibilizou apenas R$ 122 bilhões para os gastos discricionários. Deste valor, R$ 56,5 bilhões estariam garantidos para a realização de emendas parlamentares, sobrando apenas R$ 65,7 bilhões para o investimento direto do governo. Esses recursos normalmente complementam os gastos necessários para atingir os pisos constitucionais. O problema é que a estimativa dos gastos mínimos constitucionais estaria na casa dos R$ 76,6 bilhões, faltando quase R$ 11 bilhões para chegar no mínimo. Em 2028, a estimativa é de déficit de R$ 87,3 bilhões.

Impactos diretos do Arcabouço na Educação

Diante do objetivo permanente de cumprimento das metas fiscais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final de 2024, anunciou a opção do governo Lula em realizar um pacote de medidas de austeridade, como a revisão no Benefício de Prestação Continuada (BPC), redução do abono salarial, o fim do aumento real do salário mínimo e mudanças no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).

A mudança no FUNDEB previa a inclusão dos custos para o incentivo à educação em tempo integral e compra de alimentação escolar dentro do Fundo, ou seja, mais funções e compromissos a honrar, que antes eram custeados por outras fontes de financiamento. A aprovação na Câmara retirou a merenda do fundo escolar e houve redução no valor do FUNDEB destinado à escola em tempo integral. Mesmo assim, houve um enfraquecimento do Fundo, que complementa os recursos dos estados e municípios com a educação básica.

Além dos cortes, o Arcabouço Fiscal obriga o governo a segurar gastos ao longo do ano, até que a receita proveniente de impostos garanta a meta do resultado primário. Só então que as verbas são liberadas. Era o que propunha o Decreto 12.448, que impôs uma redução de quase 40% no orçamento das universidades disponível até novembro. A medida atrapalhava no planejamento e cumprimento de seus gastos com contratos de empresas terceirizadas, pagamentos de contas de água, luz e das bolsas de permanência estudantil. Diante da repercussão negativa, o governo Lula recuou da medida.

Para além dos cortes e ajustes, o Teto de Gastos de Haddad impede o necessário financiamento das políticas educacionais. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) defende que, corrigindo a inflação, o repasse necessário para as Instituições de Ensino Superior, em valores discricionários fosse de R$ 8,5 bilhões. No entanto, o valor aprovado em 2024 foi de apenas R$ 5,95 bilhões. O próprio Camilo Santana, ministro da Educação de Lula, reconhece: “Realmente, se você for olhar o discricionário, corrigir pela inflação, ele está, ainda, abaixo do que era em 2014. Então, essa é a grande reclamação, apesar do esforço que o governo federal fez para fazer essa recomposição”.

Uma meta histórica das lutas em defesa da educação pública é o uso de um montante correspondente a 10% do PIB para a educação, algo ainda bastante distante. O novo Plano Nacional de Educação (PNE) (2025-2035) estipula que apenas em 2031 chegaríamos a 7%, com os 10% sendo atingido somente ao final da vigência do plano. Hoje, no entanto, os recursos executados em relação ao PIB, na primeira metade do mandato de Lula, aumentaram (1,17%), mas ainda não atingiram os valores do primeiro ano de Bolsonaro (1,28%).

Referência: Orçamento & Direitos: Balanço Da Execução De Políticas Públicas, INESC (2025).

De 2023 para 2024, há um pequeno aumento dos gastos com educação, de 3,01%. Isso se dá, exclusivamente, pelos gastos obrigatórios, automaticamente vinculados com a arrecadação de impostos e mais difíceis de cortar, por se enquadrarem em leis federais. No entanto, os recursos discricionários estão, a cada ano, achatados pelo arcabouço fiscal, diminuindo.

É o que aponta o relatório do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), Orçamento & Direitos: Balanço Da Execução De Políticas Públicas. Em 2023, conforme pode ser observado no gráfico, a execução financeira foi de R$ 50,74 bilhões e, em 2024, de R$ 43,71 bilhões. Uma redução de 13,68%.

Referência: Orçamento & Direitos: Balanço Da Execução De Políticas Públicas, INESC (2025).

Os gastos discricionários são todos os gastos não-obrigatórios, isto é, não estipulados por alguma lei específica, como salários, benefícios e transferências. Eles servem para custear obras, veículos, materiais, contratos, bolsas e programas sociais, e correspondem a menos de 10% dos gastos do governo, uma vez que a maior parte dos recursos já está legalmente comprometida.

Nesse movimento, o montante dos recursos discricionários estão, cada vez mais, entrando em maior conflito com os recursos disponíveis para as emendas parlamentares. Em 2023, a execução financeira das despesas discricionárias foi de R$ 170 bilhões, com R$36,6 bilhões (22%) destinados a emendas parlamentares. Em 2024, houve redução dos recursos discricionários para R$154,22 bilhões, com R$40,89 bilhões para emendas (27%).

A tendência é que, ano após ano, os recursos discricionários diminuam, enquanto as emendas aumentam. Os ministérios vão perdendo sua autonomia executiva e buscam convencer o Legislativo a financiar suas políticas, fortalecendo-os politicamente em suas bases eleitorais.

Já vemos os impactos dessas medidas em muitas universidades. Diante da ausência de recursos suficientes e garantidos, as reitorias buscam, por um lado, articular com parlamentares de seus estados e municípios, o direcionamento de verbas públicas através de emendas. Por outro, promovem medidas de cortes de gastos. É o caso da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que reduziu seu orçamento em 46% ao longo dos últimos 12 anos, enquanto aumentou o número de alunos e a demanda por políticas de assistência estudantil. Refletem sobre realizar um aumento nos valores do Restaurante Universitário, ao mesmo tempo que buscam emendas parlamentares.

O caminho é o mesmo da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), (com R$23,06 milhões em emendas), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL) (com R$2,48 milhões em 2024), e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (com R$33,9 milhões entre 2020 e 2023).

As emendas, ao contrário do que poderiam servir, não complementam os recursos das universidades para projetos específicos e novas iniciativas, mas acabam servindo como recursos para o funcionamento básico das instituições. Há uma incerteza deflagrada, pois há dependência de articulações políticas, dos programas dos parlamentares eleitos e da disponibilidade de recursos.

O legado de Lula-Alckmin na educação

Até aqui, vimos como a política econômica implementada pelo governo afeta a capacidade de investimento na educação. A seguir, analisaremos as propostas que a gestão trouxe para a pasta nesse mandato, mesmo em um contexto de cortes e restrição orçamentária.

No Ensino Médio, em 2023, o Ministério da Educação apresentou o programa Pé de Meia, projeto de vitrine da área educacional dessa administração, destinado a combater a evasão de alunos de baixa renda do ensino médio, através de um incentivo financeiro à permanência destes na escola.

No entanto, em janeiro deste ano, o programa passou por uma suspensão do pagamento por parte do Tribunal de Contas da União (TCU), que identificou que não estavam sendo seguidas as regras do Arcabouço Fiscal, pela previsão de gastos não estar dentro do orçamento. O pagamento era feito através de um fundo privado gerido pela União. Em fevereiro, através de um recurso junto ao TCU, o governo teve a liberação de que se utilizasse os recursos congelados, provenientes dos fundos, mas com a obrigação de incluir os gastos com o Pé de Meia no orçamento.

Foi assim, que na noite do último dia 11, o Governo Lula-Alckmin editou uma Medida Provisória que incluiu dentro do piso mínimo constitucional os compromissos com o Pé de Meia. Ou seja, para além dos limitados recursos em disputa do orçamento da educação, uma nova demanda, na casa dos R$ 12 bilhões chegou, para cumprir com as regras do Novo Teto de Gastos. Com os mínimos preenchidos, não existem mais garantias de que outras necessidades serão atendidas.

No ensino superior, o ensino privado possui lugar de destaque. Através do Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), programa de financiamento público para pagamento de mensalidades nas instituições particulares, o governo garantiu, em 2025, 112.168 vagas em universidades privadas. Aqui, encontramos algumas limitações: Em 2024, pelo menos metade dos contratos do FIES estavam em inadimplência, colocando um alto contingente de estudantes em dívidas. Outra questão é que, diante do cenário de esfacelamento do mercado de trabalho e o serviço precário oferecido pelas instituições de ensino superior privadas (79% não atingiram resultados satisfatórios no INEP), as pessoas, já endividadas, não conseguem vagas em suas áreas de formação e se submetem a trabalhos precários. Mesmo assim, o repasse de 2025 para o FIES foi maior que a recomposição orçamentária de 2024 para as universidades federais, com R$774 milhões contra os R$638 milhões anunciados naquele ano, valor que corresponde a apenas 25% das perdas de orçamento desde 2015.


Leia mais sobre o assunto na matéria: Com expansão do Fies, governo federal prioriza o setor privado em detrimento do ensino público


Em nossa análise, é notável como os recursos da educação são insuficientes para as demandas e necessidades do ensino no Brasil e, sob a política econômica do governo, estão sob ameaça. Ao mesmo tempo que medidas de aumento de arrecadação são anunciadas, sob a celebração da esquerda social-liberal brasileira, os tetos estabelecidos no regime fiscal em vigor, impedem que esse possível aumento se transforme em aumento de investimento nas áreas sociais. A recente inclusão do Pé-de-Meia dentro dos gastos mínimos em educação previstos na Constituição sugere uma contínua e profunda redução no orçamento educacional, uma vez que a tendência é de inexistência desses mínimos.

O setor privado, mais uma vez sairá beneficiado. Diante do enfraquecimento das instituições públicas, que dependem cada vez mais de articulações com parlamentares ou de “outras formas” de financiamento, o mercado da educação encontra um espaço aberto para investir, construindo seu império a partir dos escombros de um projeto educacional brasileiro que nunca conseguiu se levantar inteiramente.

Os recursos discricionários, cada vez mais limitados pelo arcabouço fiscal e pelas emendas parlamentares são presas fáceis no contexto de aprofundamento do programa econômico burguês de redução dos gastos a qualquer custo. Mas é através desses recursos que as escolas e universidades recebem manutenções; adquirem materiais didáticos; custeiam contratos de luz, água, jardinagem, limpeza; financiam políticas de assistência estudantil. Estes recursos não podem mais continuar em uma instabilidade ao sabor da conjuntura e sempre sujeitos a contingenciamentos e cortes. O caminho poderia ser o estabelecimento de valores mínimos para serem investidos na educação brasileira. Mesmo assim, é visível que, de imediato, a derrubada do arcabouço fiscal - a continuidade do teto de gastos de Temer, agora por Lula - é a solução urgente para a situação da educação e dos serviços públicos no Brasil.