Governo Lula esmaga a educação pública e favorece as instituições privadas
Essa limitação dos gastos públicos ocorre porque o Arcabouço Fiscal estabelece que o crescimento dos gastos podem corresponder apenas a 70% do crescimento da receita do governo, caso consiga atingir as metas de superávit. A meta, para 2026, é de R$ 34,3 bilhões (0,25% do PIB).

Foto: Ricardo Stuckert/PR.
Por Gabriel Tavares
Ao longo dos mandatos petistas, algumas políticas educacionais representaram um verdadeiro marco. Como exemplo, podemos lembrar do REUNI, o ProUni, e o FIES. Passados dois anos e meio do terceiro mandato de Lula, cabe fazermos uma avaliação do que foi a política educacional deste novo governo, observando suas principais realizações.
Arcabouço Fiscal: Uma velha novidade
A principal mudança estrutural que o governo realizou desde o início do seu mandato foi a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal, que, em nosso entendimento, nada mais é do que um Novo Teto de Gastos, dando continuidade à lógica de limitação nos gastos públicos implementada durante o governo de Michel Temer.
Essa limitação dos gastos públicos ocorre porque a lei estabelece que o crescimento dos gastos podem corresponder apenas a 70% do crescimento da receita do governo, caso consiga atingir as metas de superávit. A meta, para 2026, é de R$ 34,3 bilhões (0,25% do PIB). Ou seja, se o governo conseguir fazer “sobrar dinheiro”, ou seja, cortar gastos, lhe será permitido aumentar seu investimento, no ano seguinte, em 70% daquilo que aumentou na arrecadação. Se tivesse um aumento de 10%, aumentaria 7% nos gastos. Se não conseguir a meta, só pode aumentar em 50% seus gastos, o que seria 5%. No entanto, além desse teto, há um teto máximo de aumento, de 2,5%. Ou seja, mesmo que se tenha um aumento grande nas receitas, as despesas não podem acompanhar o mesmo ritmo. A título de comparação, o aumento de gastos no primeiro ano de Bolsonaro foi de 2,9%.
Estas regras do Novo Arcabouço Fiscal impõe um risco direto aos pisos mínimos constitucionais para saúde e educação. A Constituição Federal diz que 18% da receita proveniente de impostos deve obrigatoriamente ser direcionada aos gastos com educação e 15% da receita corrente líquida para a saúde. Só que os tetos criados são contraditórios com os pisos constitucionais. Se tivermos uma arrecadação alta, duas opções se colocam: ou o piso não vai ser cumprido, já que os gastos obrigatórios ultrapassariam a barreira de 2,5%; ou outras áreas sofrerão redução nos gastos discricionários para que os pisos sejam cumpridos.
Desse ponto, uma conclusão fundamental para se tirar é de que o aumento da arrecadação não representa, necessariamente, a ampliação dos investimentos públicos. Por conta do teto de gastos, medidas como a taxação de grandes fortunas e aumento de impostos, permitem, no máximo, a garantia de superávits, isto é, mais dinheiro disponível para financiar os juros da dívida pública.
Mesmo assim, visando cumprir com as regras fiscais e reduzir gastos ao máximo, a ideia de uma Emenda Constitucional que retirasse as obrigações de investimento mínimo em saúde e educação segue de pé nos bastidores do governo.
A verdade é que os pisos constitucionais são, há muitos anos, um entrave aos interesses privatistas que rondam as instituições políticas do Brasil. Observamos, nos últimos anos, uma tendência de redução proporcional nos gastos com saúde e educação. Na saúde, o gasto acima do piso foi de 44,6% em 2021, caiu para 8,6% em 2022, reduziu para 4,1% em 2023 e chegou ao seu menor patamar desde 2011 em 2024, com 0,7% acima do mínimo constitucional. Na educação, a tendência de queda é similar: 33,8% em 2022, 31,3% em 2023 e apenas 2% acima do piso em 2024.
Para os próximos anos, a tendência é dos pisos constitucionais não serem cumpridos. O Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2026 disponibilizou apenas R$ 122 bilhões para os gastos discricionários. Deste valor, R$ 56,5 bilhões estariam garantidos para a realização de emendas parlamentares, sobrando apenas R$ 65,7 bilhões para o investimento direto do governo. Esses recursos normalmente complementam os gastos necessários para atingir os pisos constitucionais. O problema é que a estimativa dos gastos mínimos constitucionais estaria na casa dos R$ 76,6 bilhões, faltando quase R$ 11 bilhões para chegar no mínimo. Em 2028, a estimativa é de déficit de R$ 87,3 bilhões.
Impactos diretos do Arcabouço na Educação
Diante do objetivo permanente de cumprimento das metas fiscais, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, no final de 2024, anunciou a opção do governo Lula em realizar um pacote de medidas de austeridade, como a revisão no Benefício de Prestação Continuada (BPC), redução do abono salarial, o fim do aumento real do salário mínimo e mudanças no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB).
A mudança no FUNDEB previa a inclusão dos custos para o incentivo à educação em tempo integral e compra de alimentação escolar dentro do Fundo, ou seja, mais funções e compromissos a honrar, que antes eram custeados por outras fontes de financiamento. A aprovação na Câmara retirou a merenda do fundo escolar e houve redução no valor do FUNDEB destinado à escola em tempo integral. Mesmo assim, houve um enfraquecimento do Fundo, que complementa os recursos dos estados e municípios com a educação básica.
Além dos cortes, o Arcabouço Fiscal obriga o governo a segurar gastos ao longo do ano, até que a receita proveniente de impostos garanta a meta do resultado primário. Só então que as verbas são liberadas. Era o que propunha o Decreto 12.448, que impôs uma redução de quase 40% no orçamento das universidades disponível até novembro. A medida atrapalhava no planejamento e cumprimento de seus gastos com contratos de empresas terceirizadas, pagamentos de contas de água, luz e das bolsas de permanência estudantil. Diante da repercussão negativa, o governo Lula recuou da medida.
Para além dos cortes e ajustes, o Teto de Gastos de Haddad impede o necessário financiamento das políticas educacionais. A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES) defende que, corrigindo a inflação, o repasse necessário para as Instituições de Ensino Superior, em valores discricionários fosse de R$ 8,5 bilhões. No entanto, o valor aprovado em 2024 foi de apenas R$ 5,95 bilhões. O próprio Camilo Santana, ministro da Educação de Lula, reconhece: “Realmente, se você for olhar o discricionário, corrigir pela inflação, ele está, ainda, abaixo do que era em 2014. Então, essa é a grande reclamação, apesar do esforço que o governo federal fez para fazer essa recomposição”.
Uma meta histórica das lutas em defesa da educação pública é o uso de um montante correspondente a 10% do PIB para a educação, algo ainda bastante distante. O novo Plano Nacional de Educação (PNE) (2025-2035) estipula que apenas em 2031 chegaríamos a 7%, com os 10% sendo atingido somente ao final da vigência do plano. Hoje, no entanto, os recursos executados em relação ao PIB, na primeira metade do mandato de Lula, aumentaram (1,17%), mas ainda não atingiram os valores do primeiro ano de Bolsonaro (1,28%).