Mobilização popular barra cortes no MEC, mas Arcabouço Fiscal ainda ameaça universidades federais
Sem dinheiro para manutenção de despesas básicas, instituições de ensino não conseguem garantir a permanência estudantil e correm o risco de diminuição no piso constitucional de investimento.

Estudantes da UFRJ protestam contra os cortes orçamentários durante reunião do Conselho Universitário. Reprodução/Foto: Sintufrj.
No fim do mês de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o decreto nº 12.448, que estabeleceu a programação orçamentária e o cronograma mensal de desembolso do Poder Executivo para o ano de 2025. A medida determinou que os recursos destinados às universidades e institutos federais fossem pagos em 18 parcelas, das quais apenas 11 seriam efetivamente liberadas até novembro, enquanto o restante seria disponibilizado somente em dezembro.
O decreto de Lula faz parte de uma série de medidas de austeridade e corte de gastos, previstas pelo Arcabouço Fiscal, do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e diminuía em cerca de 39% o orçamento anual para as instituições de ensino.
O cenário de desinvestimento na educação superior não é novo no terceiro mandato de Lula. De acordo com nota divulgada pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) para 2024 “já continha um orçamento menor, em valores nominais, do que o montante conquistado em 2023 com a chamada Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da transição”, e a Lei Orçamentária Anual (LOA) foi aprovada com corte de mais de R$ 310 milhões.
Mobilização popular conquistou recomposição orçamentária, mas valor ainda é insuficiente
Diante do novo golpe no orçamento das universidades e institutos federais, o movimento estudantil, trabalhadores da educação e pesquisadores iniciaram manifestações em defesa das instituições. Em nota, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) lembraram que 90% da pesquisa científica brasileira é feita em universidades públicas e que os cortes comprometem “a formação de profissionais altamente qualificados, essenciais para o desenvolvimento econômico, social e tecnológico do país”.
Já para Clarissa Rodrigues, coordenadora do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES-SN), “essa manobra do governo Lula-Alckmin criará dificuldades para execução do orçamento, já cortado, das Instituições Federais de Ensino (IFES) que terão poucos dias em dezembro para acelerar as tramitações internas de gasto. O quadro se agrava diante de um longo período que temos vivenciado com a lógica do Teto de Gasto, que afetou diretamente o dia a dia das universidades, institutos federais e cefets”.
O movimento estudantil, por sua vez, recebeu chamados da União Nacional dos Estudantes (UNE) e da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), para assembleias e plenárias de organização do “Dia Nacional de Luta pela Educação: Nenhum Centavo a Menos! Recomposição Orçamentária Já!”, que ocorreu em 29 de maio.
A mobilização popular conjunta entre trabalhadores e estudantes fez efeito, e o governo recuou nos cortes orçamentários. Em 27 de maio, o Ministro da Educação, Camilo Santana (PT), se reuniu com os reitores das universidades e institutos federais para anunciar uma recomposição orçamentária de R$ 400 milhões para cobrir os R$ 340 milhões que eram previstos, mas foram cortados na aprovação da LOA para 2025.
O decreto de Lula também foi barrado, e o governo prometeu liberar R$ 300 milhões referentes ao valor que estava bloqueado pela medida. Mesmo com uma vitória para o campo da Educação, o repasse não é o suficiente, e de acordo com José Daniel Diniz Melo, presidente da Andifes e reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), a Associação esperava um acréscimo de R$ 1,3 bilhão.
“[...] Mesmo com a recomposição daquilo que foi cortado, o orçamento ainda não é suficiente para que as instituições possam honrar com seus compromissos neste ano”, explica Melo.
Colapso no funcionamento das instituições federais de ensino
Em 2024, a educação superior federal recebeu recomposições orçamentárias no valor de R$ 638 milhões, montante que corresponde apenas a 25% das perdas de orçamento desde 2015, calculadas em R$ 2,5 bilhões, pela Andifes. Com desinvestimento contínuo, as universidades e institutos federais não conseguem sequer arcar com despesas básicas.
Em novembro do ano passado, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) teve o fornecimento de energia elétrica interrompido em 15 instalações diferentes, incluindo o Museu Nacional, devido a uma dívida de R$ 31,8 milhões, referente à faturas vencidas entre os meses de março e novembro.
Já na Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), a reitoria implementou o Plano de Equilíbrio Orçamentário (PEO), que entre diversos cortes, reduziu em 50% as bolsas de estágio e de de 10% a 50% os contratos de terceirizados – categoria que inclui serviços essenciais como limpeza, segurança, manutenção predial e funcionamento do restaurante universitário.
“As universidades federais vêm operando no limite, comprometendo atividades essenciais de ensino, pesquisa, extensão e manutenção. Isso é resultado de um acúmulo de quase dez anos, que impacta severamente nossas capacidades estruturais e operacionais”, explica Suzane Gonçalves, reitora da Universidade do Rio Grande (FURG), que também enfrenta medidas restritivas para a manutenção de despesas básicas, em entrevista ao Jornal Tradição.
Alunos da permanência estudantil são os mais prejudicados pelos cortes
No cenário em que as universidades não têm dinheiro suficiente para custear o pagamento de bolsas, auxílios, manutenção de moradias estudantis, restaurantes e creches, os estudantes que dependem das políticas de permanência estudantil são os primeiros a precisar largar suas graduações e pesquisas.
Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), divulgada em outubro do ano passado, avaliou o Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) nas 69 universidades federais brasileiras e revelou uma redução no orçamento da política pública nos últimos anos. Em comparação com 2016, o orçamento foi limitado em 23,76% em 2022, 23,44% em 2023 e 16,69% em 2024.
O TCU identificou um déficit de R$ 470 milhões no orçamento do Pnaes, valor estimado, principalmente, com base em solicitações de auxílios não atendidas, ou seja, aquelas nas quais os alunos se inscreveram e não foram beneficiados.
Após a conclusão do relatório da auditoria, a Lei 14.914/2024 que criou a Política Nacional de Assistência Estudantil foi sancionada. Entretanto, o ministro-relator do TCU, Jhonatan de Jesus, afirmou que “embora aprovada depois da conclusão do relatório, a lei foi, em boa medida, considerada na fiscalização, pois o projeto de lei que lhe deu origem foi analisado pela equipe”.
É preciso derrubar o Arcabouço Fiscal
De autoria do Ministro da Fazenda Fernando Haddad, e criado através da Lei Complementar 200/23, o Novo Arcabouço Fiscal limita o crescimento do investimento público em 70% da receita nos últimos 12 meses, e estabelece investimentos mínimo de 0,6% e máximo de 2,5% ao ano, acima da inflação.
Ou seja, se há, por exemplo, um crescimento de 6% na receita (que é todo dinheiro recebido pelo governo), o investimento em áreas como a educação deveria ser de 4,2%, mas fica limitado ao máximo de 2,5% imposto pelo Arcabouço Fiscal. Além disso, o piso constitucional da educação, que é a porcentagem de investimento em educação que a Constituição Federal obriga o Estado a fazer, que hoje é de, no mínimo, 18% da arrecadação de impostos, corre risco.
A proposta do governo Lula-Alckimin é que o investimento constitucional mínimo em educação deixe de ser atrelado ao valor arrecadado por tributação e passe a funcionar com base no Arcabouço Fiscal. Sendo, assim, também limitado a 2,5% acima da inflação anualmente.
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