Para diminuir filas do SUS, governo propõe abater dívidas do setor privado com a União

A ideia prevê que hospitais privados e filantrópicos possam prestar serviços médicos e especialidades determinadas pelo governo em troca de abatimento de dívidas tributárias junto à União.

23 de Julho de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil.

No dia 24 de julho, os ministros Alexandre Padilha, da Saúde, e Fernando Haddad, da Fazenda, anunciaram projeto para diminuir filas do SUS. A ideia prevê que hospitais privados e filantrópicos possam prestar serviços médicos e especialidades determinadas pelo governo em troca de abatimento de dívidas tributárias junto à União.

Segundo o ministro Fernando Haddad, as instituições privadas e filantrópicas de saúde acumulam atualmente cerca de R$34 bilhões em dívidas tributárias com a União – valores que, segundo ele próprio admite, em boa parte são de difícil recuperação pelo Estado. Diante desse cenário, a proposta cria uma espécie de “moeda de troca social”, permitindo que essas entidades abatam parte de suas dívidas por meio da oferta de atendimentos médicos especializados à população.

O critério proposto segue uma lógica regressiva: quanto menor a dívida, maior a parcela que pode ser convertida em serviços. Hospitais com débitos de até R$5 milhões poderão abater até 50% do valor por meio de atendimentos ao SUS. Já aqueles com dívidas entre R$5 e R$10 milhões poderão converter 40%. Para dívidas acima disso, a proporção tende a ser ainda menor – embora os detalhes para os grandes devedores não tenham sido integralmente divulgados até o momento.

Embora esse escalonamento busque uma certa “equidade fiscal”, o modelo proposto levanta sérias questões de justiça tributária e transparência pública, além do debate acerca do sucateamento do SUS em prol da saúde privada, demonstrando ainda mais o caráter regressivo da política econômica, em especial a tributária, do governo Lula.

Afinal, dessa maneira, estaria provendo ainda mais a iniciativa privada, provendo créditos em torno de R$ 2 bilhões ao ano para a medida. Trata-se de um valor significativo que, ao invés de beneficiar instituições já consolidadas no setor privado, poderia – e deveria – estar sendo investido diretamente no fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), ampliando o acesso da população aos serviços públicos de saúde e promovendo maior equidade no atendimento. Cabe salientar, nesse contexto, que devido às reiteradas políticas de austeridade fiscal continuadas pelo governo, o SUS tem recebido ainda menos investimento, resultando em menor capacidade de atenção à classe trabalhadora e em um sistema de saúde universal podado de sua plena capacidade.

Paradoxalmente, observamos um Estado que, ao mesmo tempo em que considera o investimento em áreas sociais essenciais – como a saúde, a educação e a assistência social – como meros gastos públicos passíveis de cortes sob a justificativa da política de ajuste fiscal, não hesita em propor medidas que favorecem diretamente o setor privado, rotulando-as como soluções inovadoras e estratégicas. Enquanto o financiamento adequado do SUS é continuamente tratado como inviável ou excessivo, iniciativas que envolvem a renúncia fiscal em benefício de empresas privadas, muitas vezes endividadas e ineficientes, são apresentadas como alternativas “modernas” para a gestão da saúde pública. Trata-se de uma inversão de prioridades que expõe a seletividade do Estado, refém da racionalidade do mercado financeiro.