Governo Lula corta benefícios sociais, mas luta para manter benefícios fiscais para grandes empresas

O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) ajudou os grandes conglomerados já consolidados, como o iFood e Azul Linhas Aéreas, que receberam R$ 336,2 milhões e R$ 303,7 milhões, respectivamente, em benefícios fiscais.

19 de Junho de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: Joédson Alves/Agência Brasil.

No esforço de atingir a meta de resultado primário em 2025, imposta pelo próprio Governo Lula-Alckmin no Novo Teto de Gastos, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), tem negociado com diversos congressistas um pacote fiscal capaz de cumprir a meta.

Em reunião com parlamentares no início de junho, Haddad apresentou a necessidade de controlar despesas da saúde e  da educação pública. Segundo o ministro, houve uma “explosão” nos últimos anos com os repasses do Fundeb pela União aos estados e municípios. Na proposta, o ministro quer impedir aumentos no Fundeb, cujo valor executado no orçamento primário em 2024 é na ordem de R$ 49,8 bilhões. Ressalta-se que o Fundeb é um fundo público essencial para a garantia do financiamento das escolas públicas no ensino fundamental e no ensino médio. Assim, cortes em seu orçamento terão um impacto na vida de milhões de crianças e adolescentes que utilizam esses serviços.

Na mesma reunião, Haddad revelou que um dos objetivos do Governo Federal é reduzir as despesas com o Benefício de Prestação Continuada (BPC), o qual é uma política pública essencial para assegurar a dignidade de idosos e pessoas com deficiência, com um valor individual de apenas um salário-mínimo para cada beneficiário.

Em paralelo, ao longo das negociações com o Congresso sobre o orçamento, o presidente Lula (PT) também orientou seus ministros a apresentarem formas de rever diversos benefícios e renúncias fiscais do Governo Federal. Ressalta-se que a grande maioria dessas medidas não entram no orçamento tradicional das contas públicas, assim, apresentam menor transparência para sua consulta pelo público, uma vez que não são contabilizadas para o cálculo do resultado primário da União. A falta de visibilidade de tais gastos é tamanha que o ministro Haddad comentou sobre uma “caixa-preta” em renúncias fiscais que podem chegar a R$ 800 bilhões.

Enquanto os principais alvos de cortes orçamentários são gastos importantes para os trabalhadores, como seguro-desemprego, previdência social, saúde e educação públicas etc., as renúncias tributárias – cujo beneficiários são grandes empresários – são esquecidas nos debates sobre o orçamento no Congresso.

Ainda no ano passado, a população viu uma enorme campanha do Governo Federal em controlar “fraudes” no BPC, o que, na verdade, era um esforço de controlar o aumento dos gastos com esse benefício. Portanto, enquanto programas relevantes aos trabalhadores recebem todo tipo de fiscalização, inclusive com o objetivo de impedir sua concessão, gastos que beneficiam bilionários mal aparecem no orçamento.

Alguns números revelam como grandes empresas, que em tese não precisam de ajuda do Estado, recebem o maior volume desses benefícios fiscais. O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), criado durante a pandemia para dar suporte ao setor na retomada de suas atividades, na verdade, ajudou os grandes conglomerados já consolidados, como o iFood e Azul Linhas Aéreas, que receberam R$ 336,2 milhões e R$ 303,7 milhões, respectivamente, em benefícios fiscais.

O caso do iFood é emblemático e demonstra como agem os ricos e bilionários no país. Submetem seus empregados a uma escala de trabalho exaustiva, muitas vezes em regime que são piores que a 6x1, sabotam esforços de organização dos entregadores de aplicativo, agem com coação contra lideranças sindicais, enquanto isso, ao mesmo tempo, exigem tratamento diferenciado do Estado, sendo os maiores beneficiários de isenções de impostos.

Não é apenas o setor de eventos que atua dessa forma. Segundo dados do Governo Federal, a Stellantis, um dos maiores conglomerados no mundo do setor automobilístico, recebeu em 2024 uma cifra de R$ 1,69 bilhão em benefícios tributários. Há dezenas de exemplos nesse sentido, como a General Motors, outra empresa multinacional no mesmo setor, com R$ 1,07 bilhão. A Samsung, uma das maiores fabricantes de eletrônicos no mundo, também recebeu benefícios na ordem de R$ 1,29 bilhão.

O cenário é mais cristalino assim, todos os dias os empresários, bilionários e seus aliados congressistas atuam para enfraquecer e cortar gastos importantes para os trabalhadores, querem piorar os benefícios previdenciários, reduzir os valores do seguro-desemprego e até congelar o salário-mínimo. Entretanto, esse discurso hipócrita de “responsabilidade fiscal” cai por terra quando defendem seus próprios interesses, principalmente quando a discussão envolve a retirada dessas isenções para empresas bilionárias. A partir daí, é observado uma mudança no discurso, repentinamente, palavras como “proteger e gerar empregos” retorna ao vocabulário desses congressistas, interessados apenas em defender seus patrões enquanto oferecem o rigor da austeridade fiscal aos trabalhadores.

O debate ocorrido sobre o fim do Perse é bem esclarecedor nesse sentido. Deputados que representam os interesses de grandes empresas, como o iFood, destacaram a necessidade de continuar o programa, como o deputado Gilson Daniel (Podemos-ES) que declarou “Se nada for feito, correremos o risco de que já no mês de abril milhares de empregos fiquem desamparados, comprometendo a recuperação do setor”.

Enquanto o BPC sofre um ataque do governo sobre supostas fraudes no benefício, congressistas como o deputado Felipe Carreras (PSB-PE) simplesmente entraram em acordo com o Governo Federal que a utilização indevida do Perse deve ser retornada aos seus fins originais (ao invés de cancelar um programa que beneficia bilionários sem contrapartida nenhuma): “O que foi acordado hoje, com o ministro Haddad e com a presença do secretário nacional da Receita Federal, Robson Barreirinhas, é que, caso haja o uso indevido, esse recurso vai voltar ao programa”.

Há ainda outras diversas medidas proporcionadas pelo Estado brasileiro aos grandes empresários enquanto estes cobram austeridade para os trabalhadores. Outro caso emblemático é o do Plano Safra, que é um grande programa de empréstimo ao agronegócio, cujos recursos são majoritariamente utilizados por grandes produtores para exportação. Enquanto programas importantes como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) recebeu de financiamento apenas R$ 76 bilhões, os recursos destinados aos grandes produtores ficaram na casa de R$ 335,4 bilhões.

Portanto, fica claro como será conduzido o ajuste fiscal do Governo Lula-Alckmin: a corda irá estourar para o lado mais fraco ao penalizar principalmente os trabalhadores e os mais necessitados e protegerá os grandes empresários com isenções fiscais bilionárias.