Decreto de Lula impõe colapso orçamentário às universidades federais
Embora apresentado como um instrumento técnico de organização fiscal, o decreto representa, na prática, um profundo estrangulamento financeiro das universidades federais, ao limitar o repasse de recursos discricionários do MEC.

Reprodução/Foto: Evaristo Sá/AFP.
Nova programação financeira retém recursos e compromete funcionamento das instituições
No último dia 30 de abril, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº 12.448, que estabelece a programação orçamentária do Poder Executivo para o exercício de 2025. Embora apresentado como um instrumento técnico de organização fiscal, o decreto representa, na prática, um profundo estrangulamento financeiro das universidades federais, ao limitar o repasse de recursos discricionários do Ministério da Educação (MEC).
Segundo a nova diretriz, os valores que seriam transferidos mensalmente até o fim do ano foram fragmentados em 18 parcelas, das quais apenas 11 serão efetivamente liberadas até novembro. O restante está condicionado à liberação em dezembro – o que impõe um cenário de grave incerteza financeira para as instituições.
61% do orçamento até novembro
Para exemplificar o impacto da medida, considere uma universidade com previsão de orçamento anual de R$ 200 milhões – cerca de R$ 16,6 milhões por mês. Até o final do ano, deveria receber R$ 133 milhões. Com esse novo arranjo, o valor fica retido e redistribuído em 18 parcelas de R$ 7,4 milhões. Como somente 11 parcelas serão pagas até novembro, a universidade receberá apenas R$ 81,4 milhões, o que representa aproximadamente apenas 61% em relação ao valor total previsto.
A situação é semelhante a um trabalhador que, ao longo do ano, recebesse apenas parte de seu salário até novembro, com a promessa de pagamento do restante no último mês do ano – cenário insustentável para quem depende de compromissos mensais como aluguel, contas e alimentação. É este o colapso que se impõe às universidades públicas brasileiras.
Assistência estudantil e funcionamento básico sob ameaça
A medida agrava um cenário já crítico. As universidades federais enfrentam, há anos, restrições orçamentárias severas, com restaurantes universitários fechados, bolsas estudantis insuficientes, residências estudantis precárias e infraestrutura em deterioração.
A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), por exemplo, já anunciou a limitação de transporte institucional, e alertou para a dificuldade de manter os pagamentos de bolsas, empresas terceirizadas e contas de energia. A universidade sofreu um corte de R$ 8,5 milhões já na aprovação da LOA (Lei Orçamentária Anual) e terá o impacto agravado pelo decreto presidencial.
Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há atrasos no pagamento de contas de água e luz, com risco real de suspensão desses serviços. A Universidade Federal da Paraíba (UFPB) interrompeu verbas de manutenção predial, enquanto universidades federais do Mato Grosso do Sul dependem de emendas parlamentares para manter suas atividades básicas. A Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) teve R$ 2 milhões cortados da previsão orçamentária, e também será profundamente afetada pela retenção dos repasses.
Arcabouço fiscal: a continuidade do Teto de Gastos
A ação do governo faz parte de uma série de medidas implementadas desde o início da gestão Lula-Alckmin, que através de políticas de austeridade buscam cumprir com as metas e expectativas do Arcabouço Fiscal, aprovado como substituto ao teto de gastos, mas que mantém a lógica de contenção dos investimentos sociais.
Em 2024, já sob a vigência do arcabouço, o governo Lula-Alckmin promoveu diversos cortes, como no caso do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e, em agosto, bloqueou R$ 1,28 bilhão do orçamento do MEC para assegurar a meta fiscal.
Entidades reagiram
A Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) também criticaram publicamente a medida, alertando para a inviabilização do funcionamento básico das universidades e institutos federais. “Mais de 90% da pesquisa científica no Brasil é realizada nessas instituições públicas”, lembram as entidades, destacando que o decreto compromete não apenas a ciência, mas o papel da universidade como mecanismo de ascensão social.
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) expressou sua preocupação com o decreto. Em nota, afirmou que “limitar a execução mensal e liberar parte do orçamento somente em dezembro inviabiliza a continuidade das atividades.” A entidade também destacou que os recursos atuais ainda estão aquém dos valores praticados no governo Temer, com um déficit de R$ 1,874 bilhão.
O ANDES-SN (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) também se posicionou de forma crítica à medida. Para o sindicato, o decreto impõe obstáculos concretos à execução orçamentária das instituições federais de ensino. Clarissa Rodrigues, coordenadora do Setor das Ifes e 2ª vice-presidenta da regional Leste do ANDES-SN, afirma que a medida “criará dificuldades para execução do orçamento, já cortado, das IFE, que terão poucos dias em dezembro para acelerar as tramitações internas de gasto”. Em resposta ao novo decreto, o ANDES-SN encaminhou, no dia 13 de maio, uma carta ao Ministério da Educação solicitando esclarecimentos sobre os impactos práticos da norma.
A resposta virá das ruas
Nessa semana, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UBES (União Brasileira de Estudantes Secundaristas) convocaram, para o dia 29 de maio, o “Dia Nacional de Luta pela Educação: Nenhum Centavo a Menos! Recomposição Orçamentária Já!”. O chamado das entidades estudantis convoca a realização de assembleias e plenárias nas universidades do Brasil para a organização de grandes manifestações simultâneas no dia 29, pautando a revogação do decreto e o fim do arcabouço fiscal.