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  • Com expansão do Fies, governo federal prioriza o setor privado em detrimento do ensino público

    Mesmo com o endividamento e evasão dos estudantes atendidos, programa terá investimento de mais de R$ 700 milhões de reais em 2025, com base no anúncio feito no final do ano passado.

    21 de Janeiro de 2025 às 21h00

    Programa do governo federal oferece financiamento de mensalidades em instituições privadas de ensino superior - Reprodução/Foto: Marcello Casal/ Agência Brasil.

    Como última medida do ano de 2024, o Ministério da Educação (MEC) anunciou, em 31 de dezembro, a oferta de 112.168 vagas para o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) em 2025. O número faz parte do Plano Trienal do programa federal, que disponibilizará 67.301 vagas no primeiro semestre e mais 44.867 para o segundo, números semelhantes aos previstos para 2026 e 2027.

    Criado em 1999, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e expandido nos governos petistas durante os anos 2000 e 2010, o Fies é um programa federal que oferece financiamento, junto a bancos públicos, para o pagamento de mensalidades em instituições de ensino superior particulares. E, após a formatura, os estudantes precisam pagar a dívida acumulada durante toda a graduação, com condições de juros específicas.

    Em 2024, o governo Lula (PT) expandiu o programa com a criação do Fies Social, que oferece financiamento integral para estudantes pertencentes a famílias com renda per capta de até meio salário mínimo que estejam inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Para este ano, 50% das vagas disponíveis serão para o Fies Social.

    Endividamento entre os formados

    Ao longo de seus 26 anos de existência, o Fies foi a única alternativa de acesso à graduação para milhares de brasileiros, em especial aqueles de famílias mais pobres, das quais nenhum membro havia tido a oportunidade de ingressar no ensino superior antes. Em contrapartida, no entanto, o Fundo de Financiamento também foi o responsável por uma enorme taxa de endividamento entre esses estudantes.

    No primeiro semestre de 2024, 50% dos 2,6 milhões de contratos ativos do Fies estavam em inadimplência, acumulando um montante de R$ 114,2 bilhões em dívidas de beneficiários do programa. O cenário não é novo, durante a pandemia de covid-19, no ano de 2020, por exemplo, o Fies alcançou o maior índice de inadimplência de sua história, com 54.3% dos contratos sem pagamento.

    Demitida durante a pandemia, a fisioterapeuta Ilse Silva, de Recife (PE), contou sobre sua experiência de endividamento com o programa, em entrevista à BBC News Brasil: “Em 2013, a oportunidade de fazer um curso superior por meio do Fies era a realização de um sonho, de ser inserido no mercado de trabalho com nível superior. Mas hoje, sem perspectiva nenhuma de trabalho, de nada, o Fies se tornou um acúmulo de dívida". À época, seu marido, formado em Engenharia de Produção, enfrentava a mesma realidade, enquanto trabalhava como motorista para a Uber.

    Além da negativação do nome do recém formado e de seus fiadores, a dívida do financiamento também traz outras consequências mais graves, como a inclusão no Cadastro Informativo de Créditos não Quitados (Cadin) e a impossibilidade de conseguir novos financiamentos públicos, bloqueio de restituição do imposto de renda, ações judiciais e até a penhora de bens.

    Com a situação fora de controle, o governo Lula precisou criar, em novembro de 2023, um programa para a renegociação de dívidas, o “Desenrola Fies”, gerido pelo MEC e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), que até fevereiro de 2024 já havia renegociado R$ 9 bilhões em dívidas.

    Aumento das mensalidades gera evasão

    Se o endividamento após a formatura é problema para alguns dos estudantes, para outros esse obstáculo começa ainda durante a graduação. Isso ocorre porque o Fies dispõe de um teto de financiamento para as mensalidades, para o curso de Medicina, por exemplo, é de R$ 60 mil por semestre.

    Quando o valor disponibilizado pelo Fies não é o suficiente, devido aos reajustes aplicados pelas instituições privadas, o estudante precisa pagar a diferença, em um sistema de co-participação. Assim, em muitos dos casos, as dívidas começam a ser acumuladas durante ou curso, ou, em situações mais drásticas, o estudante é forçado a abandonar a graduação e pagar o que já foi financiado, mesmo sem se formar.

    Baixa qualidade da educação no setor privado e vagas ociosas em instituições públicas não diminuem lucros da educação particular

    Outro fator que contribui para a inadimplência entre os formados pelo Fies, é a falta de oportunidade de emprego na área escolhida para a graduação. E isso está ligado, para além do cenário de desindustrialização e desemprego estrutural no Brasil, à falta de compromisso de instituições privadas com um ensino e uma formação de qualidade para seus estudantes.

    De acordo com a pesquisa de qualidade do ensino superior no Brasil, divulgada pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) em 2024, apenas 21% das universidades privadas alcançaram notas satisfatórias, contra 85% das universidades federais, que são públicas.

    Ainda assim, a qualidade do serviço oferecido não é um problema para os lucros das instituições privadas. Gigantes do setor, como a Cogna Educação — dona das empresas Saber, Vasta e Kroton — e a Ânima Educação — que reúne 25 empresas de educação —, têm perspectivas de crescimento de 191% e de lucros de R$100 bilhões, respectivamente.

    O valor do investimento público direcionado para o setor privado de educação, através das vagas oferecidas pelo Fies em 2025, será de R$774.400 milhões de reais, como aponta resolução do MEC. Por outro lado, porém, as universidades federais sofrem com desinvestimento e falta de estudantes. Em 2023, o Censo do Ensino Superior revelou que quase 40% das vagas em universidades públicas estavam ociosas, enquanto as reposições orçamentárias para essas instituições bateram os R$638 milhões no último ano, valor que corresponde apenas a 25% das perdas de orçamento desde 2015, calculadas em R$2,5 bilhões, de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES).

    Leia mais sobre o assunto na nossa matéria "Com apoio do Congresso e do MEC, setor privado de educação segue com perspectivas de crescimento no Brasil".