PF investiga invasão de pistoleiros do agro que assassinou indígena Guarani-Kaiowá em Iguatemi (MS)
Enquanto burgueses, latifundiários e chefes de Estado negociam a natureza em espaços como a COP 30, o agronegócio brasileiro segue invadindo territórios e assassinando indígenas de todo país.

Retomada da Fazenda Cachoeira, sobreposta à TI Iguatemipeguá I, em Iguatemi – MS. Reprodução/Foto: Gabriela Moncau/O Joio e O Trigo.
Em novembro, enquanto chefes de Estado se reuniam no Pará para a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP 30), onde se discutiam soluções neoliberais de financeirização da natureza, mais um indígena foi assassinado por pistoleiros em sua própria terra.
A invasão ocorreu na madrugada do dia 16 daquele mês, desta vez no tekoha Pyelito Kue, em Iguatemi (MS), Território Indígena (TI) denominado Iguatemipeguá I, juntamente com o Mbaraka'y, e delimitado com 41,5 mil hectares via Relatório Circunstanciado de Identificação e Delimitação (RCID) publicado pela Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) em 2013. Apesar disso, hoje a comunidade reside em uma área de cerca de 100 hectares, com o processo de demarcação estagnado desde então.
Consequentemente, quando se vendia o ideal de capitalismo verde na COP 30, vinte homens fortemente armados, pistoleiros da milícia do agronegócio, invadiram a aldeia e assassinaram um homem Guarani-Kaiowá de 36 anos, Vicente Fernandes Vilhalva, com um tiro na testa. Por meio de nota em rede social, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) informou também que ao menos três outras pessoas foram atingidas, sendo dois adolescentes e uma mulher.
Os Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue frente ao latifúndio
De acordo com os próprios Guarani-Kaiowá, é possível que PMs e policiais do Departamento de Operações de Fronteira (DOF) estejam entre os atiradores, uma vez que, em outubro, a comunidade iniciou o processo de retomada de uma parte de seu território e, desde então, segue sofrendo ataques promovidos pelos ruralistas. Este, apontado pelos indígenas como o quarto episódio de violência, foi o mais brutal.
Os indígenas da comunidade se voltaram mais uma vez à Fazenda Cachoeira, não só identificada como também delimitada enquanto TI pela Funai há mais de uma década, mesmo após constantes ameaças, para garantir a devida demarcação, visando combater a fome de seu povo.
A área correspondente aos tekohas Pyelito Kue e Mbaraka’y, hoje é arrendada por duas empresas de produção e exportação de carne, como destaca a matéria de Gabriela Moncau publicada no site “O Joio e O Trigo”. São elas a Agropecuária Santa Cruz, da família Grapeggia, fundada em 1977 na cidade de Cascavel (PR), e a Agropecuária Guaxuma, de Marcos Alexandre Domingues e Mauro Sérgio Domingues, fundada em 2018.
No início do ano, Vander Masson (União Brasil-MT), prefeito de Tangará da Serra (MT), anunciou Alceu Grapeggia para assumir a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Abastecimento do município. Mauro Sérgio Domingues, sócio da Agropecuária Guaxuma, da Agroindustrial Iguatemi e da empresa Floteca (comércio atacadista de madeira e exportação) esteve, também no início de 2025, com o prefeito do município de Iguatemi, Lídio Ledesma (PSDB), para oficializar a assinatura do termo de posse da área doada pelo município à Iguatemi Foods. Em postagem nas redes sociais, a prefeitura afirma que a aquisição da chácara foi viabilizada por meio de uma parceria entre a Prefeitura de Iguatemi e o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul.
Além disso, por ser presidente do conselho fiscal da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec), Mauro Sérgio Domingues esteve presente na COP 30, em Belém (PA). A Associação, com empresas em áreas sobrepostas a terras indígenas, participou de mesas que abordavam temas como sustentabilidade da pecuária e inovação tecnológica.
Enquanto ruralistas roubam, matam e ganham mais terras do Estado para expandir o latifúndio, cerca de 120 famílias Guarani-Kaiowá vivem em 97 hectares de terra traçados a partir de um acordo judicial de 2014. Essas pessoas denunciam estar entre eucaliptos e pastagens das fazendas Cachoeira e Cambará e, portanto, passando fome por não conseguirem plantar nem pescar por risco de serem alvejadas. Hoje, sobrevivem dos poucos alimentos, por vezes industrializados, vindos da cesta básica mensal. Os custos de ida à cidade para a compra de alimentos impõem uma restrição material a mais aos indígenas.
Em nota oficial, o Ministério dos Povos Indígenas (MPI) afirma que “as retomadas dos indígenas Guarani-Kaiowá na região se intensificaram nos últimos meses com o objetivo de frear a pulverização de agrotóxicos, que vem causando adoecimento e gerando insegurança hídrica e alimentar”.
A investigação do assassinato
Na cidade de Naviraí (MS), a PF iniciou a Operação Teko Porã no final de novembro. Com o mandado de busca e apreensão, apreenderam seis dispositivos eletrônicos no endereço dos investigados. Enquanto isso, outra equipe ficou responsável por investigar o local do assassinato, examinando vestígios e coletando elementos que comprovem a posição dos atiradores e como se deu o crime.
O MPI e a Funai, em nota conjunta, afirmaram que acionaram órgãos de segurança pública e acompanham as ações federais na região.
A luta pela terra, para além da COP 30
Um ano marcado por contínuos auxílios às milícias rurais, como o Movimento Invasão Zero e o próprio Projeto de Lei 2.159/2021 (PL da Devastação), não merece ser celebrado em Conferência. Não é possível tratar de questões ambientais sem discutir sobre a demarcação de terras tradicionais.
Quando se trata da manutenção das vegetações nativas das TIs no Brasil, nos últimos 30 anos foram perdidas apenas 1,2%, enquanto nas áreas privadas, 19,9%. Ainda sobre a pesquisa do MapBiomas, sabe-se que apenas 0,6 milhão de hectares desmatados recaem sobre as áreas ocupadas pelos povos originários, equivalente a 0,9% de toda a perda de vegetação nativa nos últimos 30 anos, sendo que nas áreas privadas a perda chegou a 44,8 milhões de hectares.
O assassinato de Vicente não foi um crime avulso, mas a consequência da plena disposição das terras aos latifundiários e suas agromilícias por parte do Estado. É em Mato Grosso do Sul, responsável por concentrar 341 grandes latifúndios e possuir a maior proporção de área dedicada à agricultura (81,6%), onde acontece o verdadeiro conflito entre onde acontece o verdadeiro conflito entre os grupos armados por grandes proprietários de terras e as formas de viver dos Guarani-Kaiowá.
Com isso em mente, milhares de indígenas marcharam ao som do lema “A Resposta Somos Nós”, durante a COP 30 em Belém, exigindo a demarcação urgente de suas terras ancestrais. Assim, além de viverem em harmonia com suas devidas culturas asseguradas, seriam capazes de proteger de fato os ecossistemas dos quais o mundo depende para enfrentar a crise climática.
Não é possível sustentar a imagem de COP das COPs, por sermos um país diverso em cultura, ao mesmo tempo que o Estado brasileiro corrobora com a desapropriação de terras e, portanto, com a perseguição e morte de povos tradicionais de Norte a Sul do país. Não há segurança no campo quando o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fomenta ainda mais o agronegócio brasileiro ao lançar o Plano Safra 2025/2026 com recursos na ordem de R$516,2 bilhões destinados à agricultura empresarial. Ou seja, um acréscimo de R$8 bilhões em relação à safra anterior.
Fundos, incentivos e o apoio a créditos de carbono não irão interromper o colapso que o planeta sofre. Não há possibilidade de se alcançar uma sustentabilidade real no sistema capitalista, um modo de produção no qual o lucro se coloca à frente da própria finitude da Terra. Nele, “as soluções” serão sempre mascaradas e articuladas pelas burguesias imperialistas com apoio de suas “sócias menores” nos países dependentes, que lucram com o petróleo, mineração e demais formas de exploração predatória da natureza. No Brasil, poucas famílias detentoras de terras continuarão lucrando com o agronegócio e com o garimpo, com a apropriação da terra e o envenenamento do solo.