COP30: um balanço de promessas vazias diante de uma crise sem enfrentamento real

O encontro global amplia mecanismos de mercado, neutraliza críticas profundas e evita o debate central: a urgência de romper com um sistema ecologicamente impossível e socialmente devastador.

26 de Novembro de 2025 às 18h00

PCBR na Marcha pelo Clima em Belém. Foto: Ícaro Zacarias / Jornal O Futuro.

Por Fernanda Beatriz

A COP30, encerrada em 22 de novembro, expôs mais uma vez os limites de um sistema incapaz de enfrentar a crise climática. Embora nunca tenha prometido uma ruptura real com o modelo global de acumulação, a conferência conseguiu frustrar até os setores ambientalistas neoliberais, acostumados a celebrar acordos simbólicos, e o próprio governo Lula, que esperava transformar Belém na vitrine da "COP das COPs”. O encontro terminou reproduzindo a arquitetura de sempre: metas vagas, financiamentos incertos e a recusa absoluta de confrontar o fato elementar de que não existe saída climática em um sistema econômico que depende de expansão infinita, mercantilização da natureza e exploração permanente de energia, terra e trabalho.

Os avanços anunciados, especialmente no eixo do financiamento climático e da proteção florestal, não foram suficientes para ocultar o esvaziamento das medidas estruturais. Mesmo o governo brasileiro, que chegou pressionando por um “mapa do caminho” para abandonar os fósseis e zerar o desmatamento, reconheceu a derrota diante do lobby petroleiro, da paralisia diplomática e da ausência dos Estados Unidos nas negociações centrais. Marina Silva resumiu o tom geral ao admitir que “sonhávamos com muito mais resultados”, evocando três décadas de promessas vazias desde a Rio-92.

O eixo financeiro dominou a conferência porque, enquanto o mercado pressiona por modelos lucrativos, a adaptação essencial para proteger vidas diante dos eventos extremos que já atingem o planeta segue sem o apoio necessário. Diferente de iniciativas de “economia verde” que podem gerar retorno, adaptação significa reforçar infraestruturas contra tempestades, melhorar drenagem urbana para evitar enchentes, criar sistemas de alerta para ondas de calor ou garantir acesso à água em regiões que desertificam. São ações vitais, mas que não produzem lucro, o que afasta investidores privados. O Artigo 9.1 do Acordo de Paris obriga países ricos a financiar medidas climáticas nos países em desenvolvimento, mas o valor aprovado na COP29, US$ 300 bilhões anuais, é visto como insuficiente, e a proposta da presidência da COP30 de mobilizar até US$ 1,3 trilhão sequer define se esses recursos virão de governos ou de empréstimos e investimentos privados. Sem garantias claras, a adaptação permanece travada, deixando as populações mais vulneráveis expostas aos impactos do clima que já se intensificam.

O texto final evitou mencionar combustíveis fósseis, ignorando a promessa da COP28, e repetiu o padrão inerte das edições anteriores. Desde 2020, quase três quartos das emissões globais vêm de carvão, petróleo e gás, setores que seguem em expansão inclusive em países que discursam sobre transição. A União Europeia chegou enfraquecida, incapaz de construir consensos internos, mantendo políticas energéticas dependentes do gás fóssil. Os Estados Unidos, maior devedor climático do planeta, atuaram sobretudo para bloquear avanços em financiamento e eliminação dos fósseis, reflexo direto da captura corporativa de sua política energética.

A China, cuja presença gerou expectativas de um contrapeso aos EUA, assumiu um papel duplo e profundamente contraditório. Mesmo sendo líder global em tecnologias renováveis, o país cedeu ao lobby interno dos combustíveis fósseis e trabalhou para retirar qualquer menção clara à redução de petróleo, gás e carvão. Seu enviado, Liu Zhenmin, afirmou que “não se pode ter um roteiro para combustíveis fósseis separado dos acordos sobre petróleo”, numa postura alinhada a interesses energéticos e geopolíticos, não à urgência climática. Isso mostra que até projetos de desenvolvimento que se apresentam como alternativos seguem presos à lógica capitalista de crescimento contínuo, sustentada por energia barata e abundante ainda que isso custe empurrar a crise ecológica para níveis irreversíveis.

O resultado foi um consenso frágil, dominado por um bloco alimentado por países que lucram com o petróleo e grandes potências que preferem metas voluntárias. A governança climática internacional segue paralisada entre disputas imperiais e promessas vazias, enquanto o sistema econômico continua reproduzindo desigualdades, violência ambiental e colonialidade climática. Países historicamente responsáveis pela crise seguem empurrando obrigações para o Sul Global, transformando a transição em nova fronteira de acumulação por meio de créditos de carbono, mercados de biodiversidade e controle territorial.

Durante o evento, pesquisadores de referência internacional, como Johan Rockström, Carlos Nobre e Ricarda Winkelmann, alertaram para a situação crítica dos ecossistemas mais biodiversos e estratégicos do planeta: a floresta amazônica e os recifes de corais tropicais. Os recifes, essenciais para a vida marinha e para a subsistência de inúmeras comunidades costeiras, já ultrapassaram seu ponto de não retorno, sofrendo branqueamento severo e morte generalizada, com risco de irreversibilidade. Apesar da gravidade desse alerta, os recifes de corais não foram sequer mencionados na carta final da COP30, e muitos cientistas relataram o esvaziamento do Pavilhão da Ciência Planetária, espaço criado justamente para colocar o conhecimento científico no centro das negociações climáticas.

Enquanto isso, o Brasil continuou a transformar a maior floresta tropical do mundo em vitrine e moeda de negociação climática. O anúncio de cerca de US$ 9,5 bilhões para financiamento florestal, incluindo quase US$ 7 bilhões destinados ao Fundo Amazônia, foi apresentado como demonstração de liderança ambiental, mas sem qualquer garantia de que esses recursos não se converterão em novos mecanismos de compensação de carbono, apenas reembalados como “solução climática”. A proposta do Tropical Forests Forever Fund (TFFF) reforça esse risco: uma proposta financeira que pode, na prática, colocar a floresta à venda sob a lógica de créditos e governança privada, exatamente o modelo que historicamente expulsa comunidades, fragiliza a soberania territorial e subordina ecossistemas à rentabilidade. Povos indígenas, quilombolas e movimentos da Pan-Amazônia denunciaram sua exclusão das decisões, lembrando que não há justiça climática sem autonomia territorial e sem enfrentar o petróleo, a mineração e o agronegócio,  três eixos estruturais da crise e profundamente ligados ao modo de produção capitalista.

A COP30 também enfraqueceu o papel da ciência: pela primeira vez, o IPCC deixou de ser reconhecido como “a melhor ciência disponível”, para orientar as políticas sobre mudanças climáticas e seus impactos, abrindo espaço para negociações guiadas por interesses econômicos e relativizando alertas cruciais sobre limites ecológicos.

Reprodução/Foto: Canal Rural.

Ao mesmo tempo, a captura corporativa tornou-se explícita com a criação da Agrizone, espaço financiado por grandes empresas do agronegócio e organizado pela Embrapa, montado a poucos quilômetros da zona oficial. Patrocinada pela Nestlé e Bayer, a Agrizone funcionou como vitrine de greenwashing: oferecia “soluções climáticas” embaladas pela retórica da agricultura tropical enquanto ignorava agrotóxicos, desmatamento, conflitos territoriais e pressão por flexibilizações ambientais.

Mineradoras como Vale e Hydro também aproveitaram a conferência para promover o extrativismo como condição da transição energética, ocupando pavilhões e painéis para defender a expansão da mineração sob o rótulo de “minérios críticos”. O discurso ignorou deliberadamente os impactos socioambientais e as violações que marcam suas operações dos Xikrin no Pará aos quilombos Kalunga. A presença da Vale, responsável pelos maiores desastres ecológicos da história do país com os rompimentos das barragens de Mariana (2015) e Brumadinho (2019), simbolizou a contradição absoluta entre o marketing de sustentabilidade e a realidade de destruição sistemática. Já a Hydro, cuja refinaria Alunorte esteve envolvida em vazamentos de rejeitos e contaminação no Pará, usou a COP30 para reforçar sua narrativa corporativa de “mineração responsável”, enquanto comunidades continuam denunciando danos à saúde, à água e aos territórios.

Entre pavilhões corporativos e discursos que transformam crise em oportunidade de negócio, Belém sediou uma COP histórica não pelos resultados, mas por deixar nítido o esgotamento do multilateralismo climático. Até os ambientalistas neoliberais começam a admitir que nenhuma mudança virá enquanto o capitalismo, em sua lógica de expansão permanente, continuar ditando as regras do jogo. A crise climática não é apenas um colapso ambiental; é o colapso do próprio modelo civilizatório que o capitalismo construiu e que as COPs, ano após ano, demonstra ser incapaz de superar.

Da Rio-92 à COP30: a trajetória das COPs e a consolidação de narrativas que evitam enfrentar o sistema

A história das Conferências das Partes (COPs) é, em grande medida, a história da tentativa de preservar o capitalismo diante de seus próprios limites ecológicos. Desde a Rio-92, esses espaços produziram conceitos como “desenvolvimento sustentável” e impulsionaram uma narrativa que desloca a responsabilidade das corporações e dos Estados para o comportamento individual. Enquanto o sistema intensifica desigualdades e destruição ambiental, a população é convocada a “reduzir, reutilizar e reciclar”, enquanto empresas seguem autorizadas a lucrar com a degradação que elas próprias alimentam. Essa lógica de responsabilização individual é parte central da estratégia das COPs: manter a engrenagem econômica intacta enquanto se vende a ideia de que ajustes comportamentais ou tecnologias “verdes” serão suficientes para conter a crise climática.

A trajetória das COPs acompanha também a consolidação da mudança climática como problema político global, ao mesmo tempo em que revela tensões persistentes sobre desigualdade, imperialismo e o lugar da população no debate ambiental. Conforme analisado na tese de doutorado de Caroline Birrer (2025), Sustentabilidade em um mundo sob falha metabólica, a história desses processos mostra como a institucionalização do tema ambiental ocorreu sempre em alinhamento com a lógica do crescimento econômico, e não em ruptura com ela. A COP1, em Berlim (1995), formalizou o primeiro esforço multilateral para traduzir o consenso científico sobre o aquecimento global em compromissos políticos. O Mandato de Berlim reconheceu responsabilidades diferenciadas entre países, uma admissão importante, mas ainda limitada pela necessidade de manter intacta a lógica do crescimento econômico. Essa linha levou ao Protocolo de Kyoto (1997), que instituiu metas obrigatórias apenas para países desenvolvidos, ao mesmo tempo em que inaugurou mecanismos de mercado que transformaram o clima em ativo financeiro.

A preocupação populacional, embora não tenha aparecido de forma direta nas primeiras COPs, já estava embutida em outros espaços da ONU, e segue permeando o debate climático de maneira indireta. Documentos do IPCC, Banco Mundial e ONU-Habitat projetam pressões futuras sobre alimentos, água e energia com base em cenários de crescimento populacional no Sul Global, reproduzindo leituras herdadas do pensamento neo-malthusiano que historicamente culpou mulheres pobres, países periféricos e populações racializadas pela degradação ambiental. Sob essa perspectiva, populações maiores são apresentadas como mais vulneráveis e, paradoxalmente, como responsáveis por pressões sobre os ecossistemas, mesmo que os dados mostrem que as maiores emissões acumuladas e per capita estão concentradas nos países industrializados.

A partir de 2015, com o Acordo de Paris, a governança climática deu uma guinada: metas obrigatórias foram substituídas por contribuições voluntárias, e a financeirização do clima se tornou o eixo central da transição. Mercados de carbono, mecanismos de compensação e promessas de neutralidade climática reforçam a ideia de que é possível compatibilizar crescimento infinito, extração intensificada e justiça ambiental, uma contradição estrutural típica das COPs. Aqui, novamente, o foco recai no comportamento individual e na eficiência tecnológica, enquanto os motores reais da crise, a expansão capitalista, o extrativismo e a desigualdade, permanecem intocados.

Paralelamente às conferências oficiais, as Cúpulas dos Povos, desde a ECO-92 até as COPs recentes, tensionam essa lógica e expõem suas contradições.  No entanto, o que se viu nesta última Cúpula, explicitado na carta final, revela outra camada dessa disputa. Embora afirme a necessidade de combater falsas soluções de mercado, o texto não nomeia nenhuma delas, nem mesmo o mercado de carbono, hoje um dos mecanismos mais danosos. A omissão não é casual: parte das ONGs que financiaram a própria Cúpula, especialmente a WWF, integra e opera esse mercado, promovendo projetos como REDD+ sob o discurso de “democratização” e “participação”. O mesmo ocorre com o Tropical Forest Finance Facility (TFFF). A carta critica instrumentos financeiros, mas evita defender o fim do fundo criado pelo governo Lula, limitando-se a pedir sua “democratização”, reproduzindo o mesmo vocabulário que sustenta a financeirização da natureza. Além disso, não há qualquer análise da conjuntura nacional. Apesar de críticas gerais aos governos do mundo, o texto evita mencionar diretamente o governo brasileiro, reflexo da influência de setores governistas, como MST e MAB, na redação final. Assim, retrocessos recentes, do PL da Devastação ao avanço do petróleo, da mineração e da privatização de hidrovias, permanecem fora do documento, como se o Brasil fosse apenas vítima de pressões externas. Presa ao vocabulário da reforma e da mitigação, e não da transformação, a Cúpula termina capturada pela lógica da conciliação que pretende questionar.

Para além das falsas soluções

É impossível separar a crise climática da crise civilizatória em curso. A perda acelerada de biodiversidade, a simplificação dos ecossistemas, o aquecimento global já acima de 1°C e o colapso de recifes de corais, que, segundo diagnóstico atingiram o ponto de não retorno, escancaram a incapacidade estrutural do capitalismo de sustentar a vida. Ao mesmo tempo, a escalada da fome, da pobreza, das migrações e da precarização do trabalho revela um modelo econômico que concentra riqueza e externaliza destruição. Não são crises paralelas são expressões de um mesmo metabolismo global em colapso.

É aqui que a ecologia política marxista mostra sua força explicativa. Ao analisar a relação entre sociedade e natureza como parte de um único metabolismo, ela evidencia que a destruição ambiental não é um “erro de gestão”, mas consequência direta de relações de produção baseadas na expropriação, na extração ilimitada e na reprodução ampliada do capital. A ruptura metabólica, formulada por Marx, ilumina a quebra entre ciclos ecológicos e processos sociais causada pelo avanço do capital, ruptura que impede a regeneração dos solos, esgota territórios e ameaça a própria reprodução da vida. No campo, isso se manifesta na expansão contínua das fronteiras extrativas; nas cidades, na degradação socioambiental que atinge sobretudo trabalhadores e populações racializadas.

Mesmo países periféricos, a maioria deles vítimas históricas do colonialismo, continuam presos a formas de dependência estrutural. A exportação de petróleo permanece, ainda hoje, pilar econômico de diversas nações subdesenvolvidas, reproduzindo vulnerabilidades internas e condicionando seus projetos de desenvolvimento. Isso assume formas distintas: na Venezuela, por exemplo, a indústria petrolífera se entrelaça com a própria burguesia nacional, conformando um projeto econômico dependente da renda petroleira; já na Nigéria, essa dependência alimenta conflitos internos profundos, disputas territoriais e crises que ameaçam a unidade nacional. Em ambos os casos, a lógica extrativa perpetua dependência, instabilidade e bloqueios estruturais à autonomia dos povos, revelando como a ordem petroleira global segue aprisionando o Sul Global em um ciclo de vulnerabilidade climática, econômica e política.

Apesar disso, o debate público segue capturado por um pragmatismo conservador que só admite “soluções” tecnocráticas, respostas que administram sintomas enquanto preservam as estruturas causadoras da crise. Criticar o sistema é rotulado como “ideologia”. Defender alternativas pós-capitalistas é tratado como utopia. E, assim, o mito do “capitalismo sustentável” permanece como narrativa hegemônica, apesar de décadas de fracasso dos mercados de carbono, das compensações ambientais e do discurso do “capital natural”.

Nesses tempos de COP, torna-se ainda mais urgente resgatar o discurso histórico de Fidel Castro na Rio-92, quando ele advertiu que a humanidade não sobreviveria caso continuasse a organizar sua economia sobre as bases da exploração, do consumismo e da desigualdade entre nações. Naquele momento, Fidel já denunciava que a crise ambiental não poderia ser resolvida sem enfrentar o capitalismo global e suas estruturas de saque uma análise que, diante do colapso climático atual, revela uma lucidez extraordinária.

O exemplo cubano, forjado ao longo de décadas de resistência, demonstra que é possível construir um metabolismo socioecológico alternativo, orientado não pela acumulação, mas pela centralidade da vida. Os avanços do país em reflorestamento, agroecologia, soberania alimentar e planejamento territorial comprovam que nenhuma política ambiental consistente nasce das regras do mercado. Pelo contrário: ela exige planejamento público, soberania territorial e compromisso com a justiça social exatamente o que Fidel afirmava desde a Rio-92, quando denunciou o truque ideológico de culpar indivíduos ou países periféricos por uma crise produzida pelo Norte global.

A ecologia marxista, ao lado disso, oferece a chave teórica para compreender a profundidade dessa ruptura. Marx e Engels afirmavam que a emancipação humana exige superar a mercantilização da natureza e romper com a lógica que transforma terra, água, florestas e trabalho em mercadorias submetidas à acumulação privada. Resgatar o legado de Fidel, valorizar as práticas agroecológicas cubanas e retomar o horizonte aberto por Marx e Engels é, hoje, tarefa estratégica.

Outro mundo não é apenas possível: ele já começou a ser construído. E sua direção aponta para fora da lógica do capital e para dentro da centralidade da vida, da justiça social e da autodeterminação dos povos.