Ao defenderem o direito à greve, sindicatos da educação sofrem judicialização

Atacando o direito à paralisação por via judicial, governos e secretarias aplicam multas diárias e pedem o retorno imediato às atividades.

24 de Julho de 2025 às 21h00

Greve dos trabalhadores da educação da Rede Municipal de Belo Horizonte (MG). Foto: Jornal O Futuro.

A crescente judicialização das greves na Educação tem se intensificado em todo o Brasil, com decisões que impõem pesadas sanções aos trabalhadores e seus sindicatos. Enquanto governos alegam "abusividade" e "prejuízos sociais" por parte dos grevistas, educadores defendem a greve como um direito constitucional, historicamente conquistado pela classe trabalhadora no século XX.

A judicialização dessas paralisações não apenas restringe o direito de greve, mas também enfraquece os sindicatos como instrumentos de luta das categorias. Em um contexto de austeridade fiscal e flexibilização das relações trabalhistas, a precarização e a privatização do serviço público educacional têm sido enfrentadas com resistência e, por isso, combatidas por meio do Judiciário.

A Constituição Federal de 1988 garante, em seu Art. 9º, o direito de greve como um instrumento legítimo de reivindicação dos trabalhadores. A Lei nº 7.783/1989 regulamenta esse direito, estabelecendo que, em serviços não essenciais (como a Educação), a greve não pode ser simplesmente proibida.

No entanto, o Judiciário tem sido acionado sistematicamente para intervir em paralisações, especialmente na Educação. Um exemplo recente ocorreu no Distrito Federal, onde a greve dos professores motivou a Justiça local a impor uma multa de R$ 1 milhão por dia e cortes de ponto, sob o argumento de ilegalidade e prejuízos sociais, mesmo antes de esgotadas as negociações. O governador Ibaneis Rocha (MDB) defendeu a medida, mas sindicatos acusam o governo de criminalizar a greve.

De maneira análoga, em Caxias do Sul (RS), a Justiça buscou barrar a paralisação de profissionais da Educação Infantil em creches conveniadas, determinando um percentual mínimo de atendimento. As motivações da paralisação incluíam, dentre outras, o quadro de empregados incompleto e a redução do custeio do vale-alimentação de 10% para 5% por parte do empregador. Por fim, a intervenção judicial pressionou por um acordo desfavorável, reduzindo o custeio do vale-alimentação para 8% e mantendo o quadro de empregados inalterado.

Já em São Paulo, o Tribunal de Justiça exigiu a presença de 70% dos professores por unidade escolar, sob pena de multa diária de R$10 mil aos sindicatos, diante dos “graves prejuízos que podem ser causados à população pela paralisação e considerando a proximidade da data da audiência de conciliação”, isto é, infligindo duro golpe ao movimento grevista às vésperas da reunião de acordo e minando judicialmente a capacidade de reivindicação dos trabalhadores. A Educação, que não é considerada “serviço essencial” de acordo com a lei, tem seu caráter de direito fundamental utilizado como uma premissa dos governos para realizar medidas que, na prática, cerceiam e impossibilitam os sindicatos de atuarem nas lutas de suas categorias.

A greve não é apenas um dispositivo legal, mas uma conquista histórica da classe trabalhadora, consolidada após décadas de lutas no século XX. No Brasil, sua regulamentação só veio com a redemocratização, após anos de repressão durante a ditadura militar. Entretanto, a mera defesa da greve como um direito constitucional não basta para garantir as condições de paralisação da categoria.

Basta ver que a Lei 7.783/1989, que regulamenta também o que são os serviços essenciais, descreve como serviços inadiáveis à população os que “coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população”, e nada mais. Estabelece ainda que, em serviços não essenciais como a educação, a greve deve ser precedida de negociação. No entanto, governos têm ignorado essa etapa, judicializando os conflitos antes mesmo de esgotar o diálogo, utilizando-se do seu caráter de direito fundamental (Art. 208 da Constituição Federal) para justificar intervenções judiciais.

O fundamento das decisões avessas à classe trabalhadora está no poder político concentrado no Estado, que tem no Poder Judiciário um subterfúgio para garantir os interesses da classe burguesa sob a Educação em seu conjunto. Esse movimento afeta sobretudo os profissionais da área, mas evoca consequências em todo processo de formação de crianças, adolescentes e famílias que, na impossibilidade de buscar uma escola de qualidade (e portanto privada), acessam esse direito fundamental sucateado.

A judicialização das greves na Educação produz ainda efeitos profundos tanto na organização sindical quanto nas condições de trabalho dos professores. Por um lado, as multas milionárias e os cortes de ponto impõem uma pressão financeira insustentável sobre os sindicatos, enfraquecendo um dos poucos instrumentos de resistência coletiva que restam aos trabalhadores. Por outro, a criminalização das paralisações abre caminho para que governos avancem com políticas de austeridade, terceirização e privatização do ensino público, como ocorre atualmente no Distrito Federal, onde o governo Ibaneis Rocha é acusado de promover um sistemático sucateamento da rede pública como preâmbulo para sua privatização.

Apesar do discurso oficial que justifica a judicialização como forma de "proteger os alunos", essa estratégia não apenas falha em resolver os problemas estruturais da Educação como ainda os agrava. O impacto das greves prolongadas no calendário escolar é resultado da intransigência governamental, enquanto a raiz do problema reside na crônica falta de investimentos em salários dignos e infraestrutura adequada. Como demonstrado nos casos de judicializações de movimentos grevistas, governos que se recusam a negociar com professores alegando "prejuízos à aprendizagem" são os mesmos que buscam convênios com iniciativa privada para gestão de escolas, que recentemente resultaram na diminuição da quantidade de merenda escolar por aluno, penalizando duplamente os estudantes mais vulneráveis. Essa contradição expõe o caráter seletivo do argumento da "defesa do direito à educação", usado apenas quando convém ao poder público.

A crescente judicialização das greves na Educação revela-se como um componente central de um projeto político mais amplo que visa desmobilizar a resistência trabalhista em meio ao avanço de agendas de precarização e privatização dos serviços públicos. Defender o direito de greve transcende, portanto, uma mera discussão jurídica: trata-se de preservar um mecanismo histórico de luta contra a erosão das conquistas sociais.

Enquanto governos insistem em transformar o Judiciário em instrumento de repressão às paralisações, os educadores reafirmam uma máxima: greve não é crime, mas uma ferramenta legítima de defesa contra a degradação do ensino público. O desafio que se coloca é se o sistema de Justiça continuará a servir como braço punitivo do Estado burguês ou se a própria força de organização dos trabalhadores em torno de condições dignas poderá suplantar os abusos do terceiro poder.