GT da Reforma Administrativa retoma propostas de Bolsonaro
Os trabalhadores do serviço público devem se preparar para o enfrentamento a esses novos ataques em curso.

Reunião do GT da Reforma Administrativa. Reprodução/Foto: Renato Araújo/Câmara dos Deputados.
Por Caio Andrade
O presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (REPUBLICANOS/PB), resolveu instituir, no dia 28 de maio, um Grupo de Trabalho (GT) para discutir a Reforma Administrativa. De acordo com Motta, o GT tem a “finalidade de discutir e elaborar proposição legislativa que vise ao aperfeiçoamento da Administração Pública”. O calendário aprovado pelo colegiado, que é coordenado pelo deputado Pedro Paulo (PSD/RJ), prevê a entrega de um relatório final até o dia 14 de julho.
Porém, na prática, o GT em questão visa ressuscitar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 32/2020, apresentada ao Congresso Nacional pelo governo Bolsonaro. A PEC 32, como ficou conhecida, partia da premissa de que o Estado brasileiro é grande demais e gasta muitos recursos com funcionários públicos, defendendo, assim, alterações na sua estrutura administrativa e nas regras de ingresso, estabilidade e vínculos dos servidores.
A realidade, contudo, é que a quantidade de servidores públicos em relação ao total de trabalhadores empregados no Brasil fica abaixo dos próprios países tidos como modelos no ideário neoliberal que inspirou os formuladores da Reforma Administrativa. No momento em que PEC 32 foi elaborada, apenas 12,5% dos trabalhadores brasileiros integravam o setor público, bem abaixo da média da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), onde os servidores públicos representavam cerca de 18% da força de trabalho empregada.
Além disso, de acordo com o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), a despesa com a remuneração de trabalhadores do setor público em relação ao PIB no Brasil se manteve estável ao longo das duas últimas décadas, aproximadamente 9%, confirmando o caráter falacioso dos discursos sobre o risco de “desequilíbrio fiscal” provocado pelo “excesso de gastos com servidores”.
Quanto ao mito de que os servidores em geral são uma casta com benesses e supersalários, a República em Dados calcula que 50% das pessoas que trabalham no setor público ganham até R$3.567,29. Na mesma plataforma, verifica-se que 70% dos trabalhadores do setor público ganham até 5 mil reais. Enquanto isso, só 1% ganha mais de R$ 27.000,00.
Os dados acima expressam a situação vivenciada pela classe trabalhadora que depende dos serviços públicos e, no seu dia a dia, se depara com diversos problemas decorrentes tanto da falta de profissionais quanto da má remuneração de categorias fundamentais. Afinal, diante das filas de espera para atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS), como sustentar que há excesso de médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem nos hospitais públicos do Brasil? Ou ainda, diante da necessidade constante de fazer greves para reivindicar reajustes, como em Salvador, Recife, Distrito Federal e Belo Horizonte, como afirmar que os professores brasileiros são marajás?
Encaminhada ao Congresso em setembro de 2020, a PEC 32 foi muito criticada por diversas entidades sindicais por atacar direitos essenciais dos trabalhadores do setor público. Apesar do ex-ministro Paulo Guedes e seus apoiadores propalarem discursos de combate aos privilégios, sua proposta de reforma administrativa não tocava nos setores de fato privilegiados, como juízes e oficiais das forças armadas. Ou seja, mais uma farsa para ocultar as verdadeiras intenções em jogo: fim da estabilidade para inúmeras categorias, arrocho salarial, desmonte da previdência, restrições à organização sindical, ampliação de contratos temporários, terceirizações, em suma, precarização e privatização dos serviços públicos.
Quanto à questão da estabilidade dos servidores, inúmeras entidades de representação dos trabalhadores alertaram para o risco do aumento de casos de assédio moral, demissões por perseguição política e maior uso da máquina pública para empregar cabos eleitorais em caso de aprovação da PEC 32. Em nome de uma suposta modernização, tentam abrir caminho para retrocessos que colocariam o país em um patamar mais atrasado do que aquele estabelecido desde o final da década de 1980, quando foi promulgada a atual Constituição Federal.
A pressão das organizações dos trabalhadores do setor público e a relevância inquestionável dos servidores públicos durante a pandemia, em especial as profissionais da área da saúde, que salvaram milhares de vidas, enfraqueceram a reforma administrativa de Guedes e Bolsonaro e, desde então, a PEC ficou parada no Congresso. Entretanto, desde que foi instalado pelo atual presidente da Câmara, em maio, o GT da Reforma Administrativa tem demonstrado grande alinhamento com os pressupostos neoliberais da PEC 32.
As audiências públicas promovidas por esse GT são dominadas por empresários e acadêmicos liberais, enquanto os sindicatos não têm direito de intervir. Nas raras vezes em que são ouvidas vozes críticas ao pensamento dominante, fica evidente o caráter encenado do diálogo, admitido apenas para legitimar decisões que já foram tomadas pelos representantes da burguesia no parlamento. Nesse cenário totalmente hostil aos trabalhadores, defende-se abertamente a adoção de formas precárias de contratação, mais avaliações por desempenho, redução de salários e limitações à estabilidade funcional. Mais uma vez se desenha um ataque brutal contra os servidores e contra os serviços públicos.
É importante destacar que a Reforma Administrativa não é um ataque isolado aos servidores públicos, mas faz parte de um pacote mais amplo de reformas neoliberais intimamente ligadas entre si. A retirada de direitos sociais e trabalhistas possui relação direta com as políticas de cortes no orçamento público que estão em voga no Brasil desde 2015. Depois do ajuste fiscal de Dilma e Levy, Temer e Meirelles aprofundaram e radicalizaram essa tendência com a Emenda Constitucional 95, que limitou os gastos públicos por 20 anos. O novo arcabouço fiscal de Lula e Haddad, aprovado em 2023, não rompe com essa lógica.
Portanto, diante da retomada da pauta da reforma administrativa no Congresso Nacional, é importante que os trabalhadores do serviço público se preparem para o enfrentamento unitário aos desdobramentos que virão desse GT, que certamente estarão alinhados aos interesses do capital. O único caminho para barrar novas ações de desmonte dos serviços públicos e ataques aos direitos dos trabalhadores será por meio da mobilização das bases, não apenas para conter a ofensiva dos que querem sacrificar a maioria da população em nome das vontades do “mercado”, mas também para conquistar a melhoria e a ampliação dos serviços públicos.