Enquanto Lula destina parte do Fundo do Pré-Sal para assistência estudantil, lucros ficam com monopólios
A mudança na distribuição de recursos não impacta o montante dos valores do Fundo Social. Na verdade, a lei faz parte de um conjunto de medidas anunciadas pelo governo, em acordo com o Congresso, que visam ajustar as contas públicas e cumprir com as metas fiscais.

Reprodução/Foto: Bruno Peres / Agência Brasil.
O último Congresso da UNE, realizado em Goiânia (GO), foi marcado pela presença do presidente Lula e seus ministros, em um comício. Neste ato, o presidente sancionou a Lei 15.169/25, que destina recursos do Fundo Social do Pré-Sal às políticas de assistência estudantil nas instituições federais de ensino superior e técnico. A medida foi celebrada por setores governistas como uma ampliação dos recursos para a assistência estudantil.
A mudança na distribuição de recursos não impacta o montante dos valores do Fundo Social. Na verdade, a lei faz parte de um conjunto de medidas anunciadas pelo governo, em acordo com o Congresso, que visam ajustar as contas públicas e cumprir com as metas fiscais. Uma vez que o aumento da arrecadação através do aumento no IOF e taxando aplicações financeiras causou muito desgaste político e não atingiu os objetivos de arrecadação iniciais, outras medidas deveriam ser tomadas para alcançar os valores esperados pelo governo. Assim, a Lei do Pré-Sal passou por uma série de mudanças. Entre elas, ficou permitido que a União fizesse leilões de sua parte nos lucros em situações de “individualização da produção” – quando diferentes petroleiras precisam atuar juntas porque uma mesma jazida de petróleo se estende por áreas exploradas por mais de uma empresa. Isso não se daria em áreas novas, mas em locais com exploração ativa, como nos campos de Tupi, Mero e Atapu, na Bacia de Santos. Essa mudança pode garantir R$ 15 bilhões em arrecadação imediata, um número potencialmente muito inferior do que uma exploração por parte de uma empresa estatal poderia gerar de recursos diretos e indiretos.
Os recursos do pré-sal
A Lei do Pré-Sal estabeleceu, em 2010, as regras para exploração privada dos recursos, bem como a distribuição dos lucros adquiridos com a extração. De forma simples e resumida, esse dinheiro chega para o orçamento público a partir de três formas:
- bônus de assinatura: o valor do leilão, quanto as empresas oferecem para explorar aquela região, após a Petrobrás não exigir seu direito de preferência;
- royalties: valores pagos mensalmente pelas empresas no montante de 15% sobre o valor da produção.
- excedente em óleo: a parte do petróleo que sobra depois de descontados os custos de operação e os royalties. Nos contratos de leilão, está definido qual porcentagem desse excedente fica com a empresa e qual vai para a União.
O fundo social
Dentro de todos os recursos arrecadados com a partilha do pré-sal, uma parcela, principalmente dos royalties e dos bônus de assinatura, é destinada ao Fundo Social. Até o ano passado, os recursos do pré-sal deveriam ser utilizados exclusivamente para financiar o desenvolvimento social e regional no combate à pobreza e investimento nas áreas de educação, cultura, esporte, saúde, ciência e tecnologia, e no meio ambiente.
O governo Lula aprovou alterações na lei que incluem uma série de novas responsabilidades ao Fundo Social, como a mitigação das mudanças climáticas e o enfrentamento às calamidades públicas; a infraestrutura social; a habitação social; a infraestrutura hídrica; a segurança alimentar e nutricional; a defesa dos direitos e dos interesses dos povos indígenas; entre outras.
O financiamento dessas áreas é necessário e urgente. Mas a acomodação dessas responsabilidades dentro do Fundo Social esconde o sistemático desinvestimento nas políticas públicas – estabelecido a partir do Novo Teto de Gastos, o Novo Arcabouço Fiscal, de Fernando Haddad –, que não conseguem se financiar com seus próprios orçamentos e dependem de outras fontes de financiamento. Tal medida é similar à inclusão do programa Pé-de-Meia nos pisos mínimos constitucionais da educação, onde a inclusão de “novas responsabilidades” achata os valores disponíveis para financiar os outros custos. Outra inclusão na Lei do Pré-Sal é a autorização de utilização de R$ 20 bilhões para disponibilizar linhas de crédito para o capital privado adquirir equipamentos danificados em decorrência de calamidades públicas.
As medidas, implementadas enquanto o governo garantia a destinação de recursos para a assistência estudantil, demonstram um enfraquecimento dos objetivos iniciais do Fundo Social, um movimento que já é observado há muitos anos.
Um balanço da lei
Até aqui, o Fundo Social vem se enfraquecendo. Antes das recentes mudanças, também não havia uma estrutura de governança pública, transparência e participação popular na definição da destinação dos recursos. Foram mais de R$ 180 bilhões arrecadados até 2023, segundo o Tribunal de Contas da União, mas sobraram apenas R$ 30 bilhões. Durante o governo Bolsonaro, em apenas dois anos, R$ 64 bilhões foram gastos (ou 35,5%) para garantir o pagamento da dívida pública. O professor Daniel Cara, coordenador honorário da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e professor na Faculdade de Educação da USP, critica à VEJA que “Não há uma distribuição transparente dos recursos, e mesmo os repasses declarados para a educação não necessariamente chegaram aonde deveriam”. Por outro lado, a previsão de arrecadação até 2032 é de mais de R$ 900 bilhões, que devem ter mais transparência e responsabilidade no uso dos recursos - algo que já era previsto na lei e foi exigido pelo TCU, e foi contemplado pelo menos no texto da nova lei.
O problema da privatização do petróleo brasileiro
Para além das questões envolvidas diretamente nas mudanças da Lei do Pré-Sal, que amplia a possibilidade de leilões e insere mais e diversas responsabilidades nos gastos do Fundo Social, vemos que a riqueza que o petróleo poderia proporcionar ao país, possibilitando investimentos profundos no desenvolvimento tecnológico e científico, na produção estatal e nos serviços públicos, está sendo drenada para os bolsos de grandes empresas petroleiras internacionais.
No início do mês de agosto, a British Petroleum (BP) anunciou a descoberta do maior reservatório de petróleo no Brasil em 25 anos, na Bacia de Santos. O bloco foi adquirido em 2022 por apenas R$8,8 milhões e com divisão do excedente em óleo em apenas 5,9% para a União. Ou seja, uma área que poderia ser explorada pela Petrobrás e gerar recursos e empregos no Brasil, mas o desmonte da empresa nas últimas gestões (e que não foi revertido pela atual gestão) impede que isso seja feito.
Embora a Petrobrás ainda seja a maior produtora de petróleo do Brasil, o capital privado vem crescendo sua participação. A alta da produção entre abril de 2024 e abril de 2025 foi de 10,5% para a estatal brasileira, enquanto a Shell, segunda maior produtora do país, teve alta de 15,7% na comparação anual, segundo a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Com os leilões e a perda contínua na capacidade produtiva da Petrobras, a tendência é que o mercado estrangeiro ganhe cada vez mais força, com repasses menores aos entes federativos e impondo a necessidade de exportação de combustível mais caro dos países centrais do capitalismo.