Ilhéus (BA) cria Dia Municipal do Hip Hop e transforma cultura hip hop em patrimônio cultural imaterial

Indo na contramão de retrocessos como a Lei Anti-Oruam, a conquista da mobilização organizada da cena hip hop na região grapiúna facilita a garantia de recursos de editais de fomento cultural para projetos vindos da periferia ilheense.

2 de Agosto de 2025 às 21h00

Foto/Reprodução: ASCOM da Câmara Municipal de Ilhéus/Franklin Deluzio.

Por Daimar Stein

No dia 30 de julho, após mobilização de artistas da cena regional, foi aprovado na Câmara de Vereadores de Ilhéus o PL 29/2025, que reconhece a cultura hip hop como patrimônio cultural imaterial da cidade de Ilhéus e define a data de 12 de novembro como Dia Municipal do Hip Hop. Essa aprovação, para além da valorização simbólica, abre possibilidades de captação de recursos para festivais regionais e para que artistas da cena consigam financiar seus projetos. A proposta foi apresentada pelo vereador Maurício Galvão (PSB), e, com sua aprovação durante a 40ª Sessão Ordinária da Câmara, vai para a sanção do prefeito Valderico Júnior (UNIÃO), que, até o momento de escrita dessa matéria, não vetou o projeto.

Essa iniciativa surgiu a partir da pesquisa de Laíza Gama de Bulhões (conhecida na cena como Lazila), aprovada no Programa de Pós Graduação em História da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e orientada pelo professor Carlos Gustavo Nóbrega de Jesus, que busca construir a conexão histórico-cultural entre o processo de diáspora africana e o surgimento e crescimento da cultura hip hop no sul da Bahia, trazendo o diálogo entre elementos transculturais da cultura brasileira, especialmente da cultura grapiúna, surgida em torno da construção sócio-econômica agroexportadora de cacau da região, com as influências africanas da população negra que se expandiu na região durante o período de ouro do cacau, como uma forma de construção de memória coletiva.

Lazila também atua desde 2023 como organizadora de diversos projetos dentro da cena regional, como a Batalha da Margem e os slams de poesia do Projeto Oríki, e a partir de sua atuação e seu contato com diversos dos nomes da cena local, como Billy Fat e Vianna Flow, ela conheceu mais do legado da cultura hip hop regional e suas raízes nas periferias grapiúnas. Segundo ela, em entrevista para O Futuro:

“Em algumas regiões, como São Paulo e Belo Horizonte, o hip hop já era considerado patrimônio, a própria constituição federal no artigo 216 já informa que patrimônio imaterial é toda cultura viva reconhecida e manifestada por toda uma comunidade, então a partir disso, quando saiu o edital da [Política Nacional] Aldir Blanc em Ilhéus, eu decidi propor um festival justamente para materializar essa luta.”

O projeto do Festival Quilhombo reuniria mestres da cultura hip hop, jovens e pesquisadores de toda a região, como, para além de Ilhéus, Itabuna, Itacaré, Teixeira de Freitas, Vitória da Conquista e Gandu, e teria ações de formação, apresentações artísticas e documentação histórica. Inscrito na categoria Patrimônio Cultural, apesar de receber nota máxima em todos os critérios da PNAB, foi reprovado pela comissão avaliadora devido “ao conteúdo da proposta não se enquadrar plenamente no objeto específico da categoria à qual foi inscrito”, mesmo atendendo às definições do edital para a categoria. Após recurso e repercussão nas redes, a resposta final da banca (através do Diário Oficial nº 184/2025), manteve o indeferimento e acrescentou uma nova justificativa, alegando sem nenhuma base material que o orçamento “extrapola o valor da categoria”.

A falta de reconhecimento da cultura periférica pela Secretaria de Cultura de Ilhéus vem de décadas, com a constante reprovação de projetos relacionados ao rap em editais culturais e supervalorização de grandes artistas mainstream para eventos na cidade, de forma muito similar ao descaso com a cultura que acontece em Itabuna. Na virada do ano, artistas ilheenses sofreram com o total descaso no escândalo que envolveu os repasses dos valores da PNAB. Com a atual gestão, ainda mais reacionária, de Valderico Júnior, conexões com artistas relacionados ao agronegócio têm tomado cada vez mais espaço sobre outros gêneros musicais, devido à sua relação direta com ruralistas.

A partir disso, Lazila e diversos outros artistas da região, como Helena Radler, fotógrafa, produtora do documentário Visão 73 e organizadora do projeto Hip Hop Salobres; Natigresa, artista e produtora do Pedra Preta Produções; os produtores da label Digital Apparatus, além da ajuda de outros produtores culturais para além da cultura hip hop, construíram a Frente Quilhombo, mobilizando de forma organizada esses artistas em busca de conquistar o reconhecimento da cultura hip hop enquanto cultura regional, tão válida quanto qualquer outra forma de produção artística.

Ao mesmo tempo, houve a aproximação do cantor e compositor Cijay com o vereador Maurício Galvão, que, depois de diálogo com outros representantes da cena, transformou a iniciativa no Projeto de Lei nº 29/2025, apresentado para a Câmara Municipal no dia 24, que que define a data de 12 de novembro como Dia Municipal do Hip Hop e reconhece a cultura hip hop como patrimônio cultural imaterial da cidade de Ilhéus, abarcando seus cinco elementos: o rap, o grafitti, o break dance, o DJing, além do conhecimento. Esse reconhecimento estabelece em lei a autorização para a produção de eventos, oficinas e outras atividades culturais, além da produção e difusão em parceria com coletivos e artistas do município pela Prefeitura de Ilhéus. Menos de uma semana depois, no dia 30, o PL foi aprovado de forma unânime na Câmara. Segundo o já mencionado Billy Fat:

“Eu posso falar com orgulho que fiz parte da geração que transformou o hip hop em patrimônio imaterial da minha cidade, eu estava lá quando a história foi escrita, e lutarei para que meu legado seja não deixar ela ser apagada”.

A organização cada vez mais integrada dos artistas na região grapiúna, vem garantindo, pouco a pouco, mais espaço para a produção local não só da cultura hip hop, em eventos como o Julho das Pretas, em Itacaré, e o Rock BA, em Itabuna, sendo exemplos só no mês de julho. A aprovação do PL 29/2025 é uma grande vitória, indo na contramão dos retrocessos que vemos em outros locais do país, com a aprovação de projetos como a “Lei Anti-Oruam” e outras tentativas de criminalizar a cultura periférica. Ele abre espaço para uma gama de novos eventos, shows, álbuns, e outras produções culturais e é prova viva das conquistas que podem ser alcançadas através da luta organizada. Nas palavras do rapper Eduardo Taddeo, durante assembleia na Câmara Municipal de São Paulo: “a gente não é pedinte, a gente tem que buscar o que é nosso”.