Incêndio na antiga sede da FICC escancara abandono da cultura local de Itabuna (BA)
O abandono de prédios históricos e a falta de investimento e espaço para a classe artística da região demonstra o desrespeito da prefeitura da cidade com o passado, o presente e o futuro da cultura grapiúna.

Antiga sede da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, em estado de abandono. Reprodução: Blog do Edyy.
Por Daimar Stein
No dia 16 de junho, Itabuna (BA) acordou com a notícia de um incêndio na antiga sede da Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC), localizada no centro da cidade, na Praça Laura Conceição. A causa do incêndio não foi divulgada, mas a população culpa os moradores de rua que usam do espaço, completamente abandonado há mais de três anos. O Corpo de Bombeiros foi acionado rapidamente após o chamado das pessoas que circulavam na região e controlou o fogo antes que houvesse prejuízos estruturais graves, mas o acontecimento reacendeu uma antiga discussão sobre o abandono do espaço e a falta de investimento na cultura local pelas últimas gestões da prefeitura.
A FICC é uma entidade pública municipal, diretamente vinculada à prefeitura de Itabuna, que tem como responsabilidade principal a gestão da pasta de cultura, desenvolvendo políticas públicas, projetos e programas relacionados às manifestações culturais e artísticas, além do turismo da cidade. Através dela são geridos os projetos culturais com investimento municipal, em especial as festas, como o Ita Pedro e a Lavagem do Beco do Fuxico, e os editais culturais para incentivo de artistas da região, como os da Política Nacional Aldir Blanc e Lei Paulo Gustavo. O prédio da antiga sede, que teve sua última reforma em 2013, está desativado desde o final de 2016 e em completo abandono desde 2021. Depois de anos de luta da classe artística na cidade, foi anunciada no ano passado a reforma e ampliação do espaço, com investimento previsto em 1,8 milhão de reais:
“O processo de licitação para a requalificação do prédio, que voltará a abrigar a sede da FICC, está em fase final e vamos iniciar as obras ainda neste ano. Será um novo espaço dedicado à valorização da cultura da cidade”, afirmou Augusto Castro (PSD), atual prefeito de Itabuna, em entrevista no ano passado, onde se gabava dos feitos de sua gestão pouco após sua reeleição, vários deles, assim como esse, que até o momento não deram frutos ou sinais de vida. O edital para a licitação foi publicado em setembro de 2024 e retomado no início de 2025, porém ambas licitações fracassaram e até o momento o processo de reforma não saiu do papel.
Mesmo após o incêndio, nem o prefeito nem o presidente da FICC, Aldo Rebouças, se manifestaram sobre o ocorrido ou falaram publicamente sobre planos para avançar com a reconstrução do espaço. Enquanto isso, a prefeitura investe fundos gordos através de emendas parlamentares no Ita Pedro, principal atração das festas juninas na região, gastando mais da metade do seu orçamento anual para a cultura em cachês gordos e superfaturados de artistas famosos, especialmente em anos de eleição, como foi o caso da presença do cantor Gusttavo Lima no ano passado, figura diretamente ligada ao agronegócio e à extrema-direita.
Este caso é um sintoma a nível imediato da falta de uma política de tombamento de patrimônio histórico da cidade, similar à demolição ilegal da casa do fundador de Itabuna no ano passado, e de um abandono completo da cultura da cidade a nível geral. Outros exemplos disso são a casa do escritor Jorge Amado em Ferradas, também gerenciada pela FICC após sua recuperação na virada do milênio e em estado de completo abandono há mais de uma década; ou o caso do Centro Cultural Professor Josué Brandão, que foi tomado para o atual funcionamento da Câmara de Vereadores, reduzindo o espaço dedicado à biblioteca municipal pela metade e acabando com os espaços de funcionamento para os grupos de capoeira e de música, tudo isso sem nenhuma forma de compensação a ser revertida em fomento cultural.
A FICC, enquanto órgão, também segue em estado de paralisia e desmobilização, não produzindo políticas de fomento à cultura nem gerenciando efetivamente os editais com recursos federais. Durante a escrita dessa matéria, Itabuna ainda não havia executado os 60% mínimos exigidos do Ciclo 1 da Política Nacional Aldir Blanc (PNAB), colocando em risco seu acesso aos recursos do Ciclo 2. A atual gestão toma decisões sem consulta ao Conselho de Cultura, mesmo após sua reativação em 2023, que deveria acontecer por lei, nem fornece espaço ou orçamento para esse conselho, além de dificultar o acesso à informações sobre o funcionamento do mesmo, se mantendo em silêncio mesmo diante das manifestações contra o descaso de sua gestão.
Em meio a tudo isso, a classe artística itabunense continua sem um espaço de fácil acesso. O Centro de Cultura Adonias Filho, principal espaço atualmente utilizado por grupos como a Guilda Cacilda, já demonstra sinais da necessidade de reforma, mesmo após uma modernização que custou quase 6 milhões de reais, entregue em 2023. O Teatro Zélia Lessa não é aberto para funcionamento há anos, completamente abandonado e sem perspectiva de reforma ou uso do espaço e o Teatro Candinha Dória é um exemplo claro da falsidade e do elitismo nos investimentos em cultura da cidade, sendo praticamente inacessível para quem não tem transporte particular devido à sua localização, próxima à saída da cidade, extremamente distante do centro e das zonas residenciais, e possuindo um custo alto para ser utilizado, atualmente servindo de espaço para artistas com alto poder financeiro e para eventos como formaturas para famílias abastadas, mas ainda sendo promovido pela prefeitura como um grande investimento na arte para a toda a população.
O resultado disso é o uso das ruas e de espaços públicos pelos grupos e coletivos artísticos, seja explicitamente como forma de protesto, seja buscando maior inserção com a população, ou, para muitos, como única opção para produzir arte. Projetos como a Batalha da Margem, as rodas de capoeira do Mestre Ninja na Praça José Bastos ou as apresentações do Palhaço Girino Brejis são provas vivas da energia e criatividade que circulam em Itabuna e por toda a região grapiúna, porém, sem um espaço centralizador acessível, como a antiga sede da FICC, e com uma gerência do órgão focada apenas nos grandes eventos e esquecendo da cultura de todo dia, esses projetos tendem a se pulverizar pela região, não recebendo o devido apoio que precisam para crescer e forçando os artistas a buscar financiamento privado para seus projetos.