Brasil construirá corredor do Agronegócio com apoio da China
Corredor ferroviário da Bahia ao Acre, interligado ao Centro-Sul e com destino ao Pacífico, acelera o escoamento de soja, aprofunda o modelo primário-exportador e ‘rasga’ Terras Indígenas e áreas sensíveis.

Visita de Xi Jinping ao Brasil, 20 nov. 2024. Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert.
Por Kauana Niz
Em entrevista a CartaCapital, em 09 de Maio, a Ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, expôs que a China tem avançado nas tratativas envolvendo as Rotas de Integração Sul-americanas, especialmente aquelas que conectam o Brasil ao Porto de Chancay, localizado a 80 quilômetros de Lima, no Peru. Segundo a ministra, o tema será um dos principais pontos de pauta no Fórum da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que ocorrerá em Pequim. Tanto o presidente Lula quanto a própria Tebet estão participando do evento essa semana.
Desde o início do governo, Tebet realizou diversas viagens ao Peru, onde manteve diálogos com autoridades peruanas e representantes do governo chinês, além de visitar as instalações do Porto de Chancay, considerado estratégico por estar no Oceano Pacífico, principal rota comercial da China e sob sua influência. Até recentemente, a dimensão do interesse chinês na construção de ferrovias que conectem o Brasil a esse porto, que é o maior da América Latina, ainda não tinha tanta concretude.
No entanto, a visita de comitivas chinesas ao Brasil no último mês sinalizou, de forma mais clara, a disposição do país em investir capital e tecnologia nesse megaprojeto brasileiro: de facilitar o escoamento de minério de ferro e soja até o Pacífico e impulsionar as exportações para Ásia.
Representantes do governo chinês reuniram-se com membros da Casa Civil e dos Ministérios dos Transportes, do Planejamento e Orçamento, da Agricultura e Pecuária, além da Agência Infra S.A., para discutir a implementação de um corredor ferroviário Leste-oeste, que ligaria a Bahia ao Acre e ao Centro-Sul, com conexão ao Porto de Chancay.
Além disso, os chineses também se reuniram com governos estaduais de Mato Grosso, Goiás, Rondônia e Acre para debater as características econômicas, a produção, as rotas de exportação e o planejamento das redes ferroviária, rodoviária e aquaviária em cada estado. Os diálogos demonstraram que os projetos de escoamento da produção estão bem estruturados e são de pleno conhecimento da China, enquanto a capacidade produtiva do agronegócio desses estados é estratégica para os interesses chineses.
Ao mesmo tempo, uma delegação de engenheiros ferroviários do governo chinês visitou o ponto de interligação entre a Fico-Fiol e a Ferrovia Norte-Sul, em Mara Rosa (GO) e depois as obras da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), em Ilhéus (BA). O grupo analisou os trechos da Fiol e do Porto Sul, com o objetivo de estudar a viabilidade do Corredor Bioceânico que leva ao grande Porto do Pacífico. A delegação encerrou a agenda, com visitas técnicas ao Porto de Santos (SP).
A entrevista concedida por Tebet à CartaCapital também revelou elementos até então não destacados na conjuntura, como o entusiasmo demonstrado pelo país asiático em viabilizar a iniciativa desde o início do atual governo. Isso se delimita em um cenário em que o governo Lula objetiva transformar o país em celeiro do mundo e tem investido constantemente em exportações agrícolas, onde o principal destino é a China.
Em entrevista ao jornal O Futuro, o pesquisador e professor da Universidade Federal do Acre (CFCH-UFAC), Dr. Silvio Simione da Silva, traça uma linha do tempo da integração territorial brasileira, destacando que os primeiros projetos nessa direção remontam à década de 1950. No entanto, foi apenas nas últimas décadas que essas iniciativas começaram a ganhar força concreta, especialmente durante os governos de Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
Neste último, a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) ganhou corpo e apesar de ter sofrido oscilações ao longo dos anos e não se apresentar com os mesmos termos, seus objetivos, no entanto, permanecem iguais, e apresentam forte impacto na região de fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia. No território brasileiro, essa integração se conecta a projetos voltados a expansão do agronegócio, com destaque para a Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira, conhecida como Amacro, uma das áreas com maior violência no campo na Amazônia.
A redação do jornal O Futuro aponta que o escoamento de commodities – em especial a produção do agronegócio, como a soja, além de outras matérias-primas – consolida a trajetória primário-exportadora do país. Trata-se de um projeto há muito defendido pela burguesia, com apoio de setores empresariais e da mídia, que visa ampliar a infraestrutura logística para acelerar o escoamento da produção e expandir as fronteiras do agronegócio, principalmente nas regiões Centro-Oeste, Nordeste e Norte. Essa dinâmica se articula com outros projetos de infraestrutura e desenvolvimento econômico, reforçando um modelo dependente da extração desenfreada da natureza e exportação de produtos primários e semielaborados.
Ainda em meio às tensões geopolíticas da guerra comercial EUA-China, a China, maior compradora de soja e carne brasileiras, redirecionou suas importações agrícolas para a América do Sul, Europa e Ásia, em resposta às tarifas impostas aos EUA. O Brasil, por sua vez, busca ampliar as exportações e consolidar-se como fornecedor global prioritário.

Porto de Chancay (Peru). Reprodução/Foto: Mundo Marítimo.
Acre como eixo logístico nas diversas rotas para Chancay
Ainda na entrevista à CartaCapital, Tebet destaca a viabilidade geográfica da ligação ferroviária via Acre ao Porto de Chancay:
“Se você for olhar no mapa entre o Peru e o Acre, a distância é muito curta pela [rota] rodoviária. [...] Nós estamos muito próximos [...] tá muito próximo de Lima ao Acre ou ao Brasil.”
Cruzeiro do Sul (AC), principal polo do Vale do Juruá, está a cerca de 600 km de Chancay, o que representa uma rota logística significativamente mais rápida e direta para o escoamento.
A proposta da rodovia que liga Cruzeiro do Sul a Pucallpa, no Peru, conectada ao Centro-Sul do país pela BR-364, aparece com frequência nas agendas de políticos acreanos junto ao governo federal. Essa mesma rota tem sido considerada uma opção estratégica para a futura ferrovia, por reduzir o tempo de transporte de cargas até o Porto de Chancay.
Tais propostas têm um enorme destaque na política acreana. Embora a implantação de rodovias tenha sido prioridade inicial no Acre, a proposta da ferrovia também teve centralidade. A ferrovia ganha destaque durante o governo do ex senador Tião Viana (PT/AC), por volta de 2011.
Mais recentemente, políticos como os senadores Márcio Bittar (UB/AC) e Alan Rick (UB/AC) e a deputada Mara Rocha (MDB/AC) e o atual governador Gladson Cameli (PP/AC) voltaram a pautar o tema, principalmente no que diz respeito a rodovia até Pucallpa.
O pesquisador Dr. Silvio Simione da Silva, explica que, apesar de parecerem projetos independentes, rodovia e ferrovia podem se interligar, "A abertura da rodovia abre caminho para a ferrovia. São projetos que tenderão a se articular quando saírem do papel", diz.
Entre as rotas cogitadas para a ferrovia, uma alternativa envolveria o mesmo traçado da BR-317 que passa por Rio Branco e Brasiléia até Assis Brasil (AC), cruzando a fronteira por Iñapari (Peru) em direção aos portos de Ilo e Matarani.
A rota 4, chamada Quadrante Rondon, está incluída entre as cinco rotas de Integração e Desenvolvimento Sul-Americano, conforme apresentado pela ministra Simone Tebet na entrevista a CartaCapital. O trajeto rodoviário previsto nessa rota em direção ao Porto de Chancay seguiria esse trecho pela BR-317 até a divisa com o Peru e seria finalizada até 2027. Porém, essa rota enfrenta obstáculos que dificultam o escoamento ágil de cargas devido à geografia dos Andes e seu longuinho traçado até Chancay.

Imagem adaptada de: Ministério do Planejamento e Orçamento (2025). Elaboração: Jornal O Futuro.
De acordo com Silvio, outra proposta (a mesma defendida pelos políticos acreanos) prevê o avanço pela BR-364, no sentido de Cruzeiro do Sul e Rodrigues Alves (AC) até o Boqueirão da Esperança (colocação rural, AC) na divisa com o Peru, atravessando o Parque Nacional da Serra do Divisor até a cidade de Pucallpa.
No levantamento realizado por esta reportagem, um projeto de rodovia, partindo do município de Campinorte (GO) e integrando-se à Ferrovia Norte-Sul até a fronteira com o Peru, já estava em fase de execução antes dos novos projetos federais. A Ferrovia Bioceânica (GO/MT/RO/AC), segundo dados do portal da Empresa de Planejamento e Logística S.A. (EPL), facilitaria o acesso das áreas produtoras de commodities agrícolas do centro-oeste à malha ferroviária do centro-sul e também aos portos do litoral brasileiro.

Ferrovia Bioceânica (GO/MT/RO/AC). Imagem adaptada de: Portal EPL. Elaboração: Jornal O Futuro.
Essa rota pela BR-364, em território acreano, corresponde à região do Alto Juruá, que ainda não foi integrada à dinâmica do agronegócio e grilagem de terras e se mantém como a mais preservada do estado. Os projetos previstos para a área impactam diretamente Terras Indígenas (TIs) e ameaçam os direitos dos povos indígenas e de outras comunidades tradicionais, além de ferirem legislações ambientais.
Caso a estrada de Pucallpa ou Ferrovia seja construída, poderá afetar o Parque Nacional da Serra do Divisor (tanto do lado peruano quanto brasileiro) e diversas TIs, como Poyanawa, Nawa, Nukini, Jaminawa do Igarapé Preto, Arara do Rio Amônia, Kampa do Rio Amônia e Kaxinawa/Ashaninka do Rio Breu, além das comunidades da Reserva Extrativista do Alto Juruá e dos Projetos de Assentamento Havaí, São Pedro e Paraná dos Mouras.
Também seriam atravessadas áreas de grupos em isolamento voluntário na Reserva Isconahua e na Reserva Comunal Alto Tamaya Abujão, assim como comunidades nativas no Peru, incluindo San Mateo e Flor de Ucayali, segundo levantamento feito pela Comissão Pró-Indígena do Acre (CPI/AC), além disso, a região impactada abriga uma das maiores biodiversidades do planeta.

Reprodução/Foto: Ac24horas.
Em 2023, a Justiça Federal do Acre determinou a anulação do edital para a construção dessa rodovia de Cruzeiro do Sul a Pucallpa, suspendendo qualquer avanço até que seja realizado um estudo de viabilidade econômica, social e ambiental. Apesar da paralisação, autoridades e a burguesia do Acre e do Peru seguem insistindo na viabilidade do projeto.
A Rota Quadrante Rondon apresentada por Tebet, envolve pelo menos três ferrovias: a intersecção com a Ferrovia Norte-Sul, a FICO (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) — que ligaria Goiás a Assis Brasil, passando por Brasiléia — e sua interligação com a Ferrogrão no sentido do estado do Pará.

Reprodução/Imagem: Ministério do Planejamento e Orçamento.
Nesse sentido, chama atenção a insistência da ministra em destacar a preocupação ambiental que orienta o planejamento dessas rotas. Isso se deve ao fato da sua própria posição de colocar o agronegócio como sustentável e também de que o governo brasileiro pretende apresentar essas propostas, em especial a chamada “Rota Amazônica”, durante a COP30 que será realizada em Belém esse ano.
A Rota 2, ou “Rota Amazônica”, deverá ser concluída ainda este ano. Ela conecta o Brasil à Colômbia pelo estado do Amazonas e, a partir do território colombiano, se ramifica por via rodoviária até o Peru e o Equador. Do lado brasileiro, o trajeto é inteiramente hidroviário, com obras concentradas na dragagem do rio Solimões no trecho entre Manaus e Tabatinga, município que faz fronteira com Letícia, na Colômbia. Essa rota é mencionada várias vezes por Tebet como ambientalmente responsável, por não implicar em desmatamento. No lado peruano, a rota se liga às cidades de Pucallpa e Yurimaguas, que, por sua vez, acessam os portos de Chancay e Paita, respectivamente.
As rotas pela Colômbia e Peru ao grande Porto possuem grandes dificuldades logísticas, especialmente na travessia dos Andes. Assim, o governo brasileiro estuda alternativas para viabilizar uma ligação direta entre Brasil e Peru e a proposta é que a nova rota parta do Acre. A ministra detalhou os entraves logísticos e os objetivos chineses:
“O que a China quer do Brasil, pela dificuldade e pela demora de um caminhão que vai perdendo o fôlego, né? À medida que vai subindo as cordilheiras, vai faltando oxigênio na máquina. Então o carro vai andando muito devagar. É complicado passar pelas cordilheiras”
Também relatou que o governo chinês propôs cortar diretamente a Amazônia para criar uma rota mais curta até Chancay, mas que o governo brasileiro foi "muito incisivo" ao afirmar que a ferrovia não poderia cortar a Amazônia:
“Falamos: ‘Ó, isso é impossível. Aqui nós temos a floresta, nós temos povos originários.’ E eles acabaram entendendo depois de toda uma análise. Foram dois dias intensos de trabalho, foram oito horas de trabalho”
No entanto, ela não menciona, seja por omissão ou cinismo, que tanto a Ferrogrão quanto a FICO atravessam áreas sensíveis da Amazônia e estados inteiros, inclusive Terras Indígenas. Em outro trecho da entrevista, sugere-se a ligação a Chancay pelo Acre, sem considerar que o estado está inserido plenamente no bioma amazônico.
“A ideia é fazer um traçado por baixo, pegando ali a região do Acre, descendo, podendo pegar ali por Tocantins, para que essa ferrovia possa ser acessada e chegar até a Bahia, na Fiol.”
A ministra não especificou quais seriam as vias utilizadas no possível traçado pelo Acre, se seguiriam a BR 317 ou BR 364. Ela ressaltou que o estudo ainda está em fase inicial.
“É mero estudo aqui, é um estudo. Vai levar um tempo. Você pode estar falando em cinco anos, pode estar falando em oito anos para ver, de repente, uma obra dessa concluída.”
Apesar disso, Tebet garantiu que o início da nova rota logística não depende da conclusão da ferrovia.
Brasil, Peru e Bolívia: a ferrovia como eixo geopolítico da integração regional
Segundo o pesquisador Dr. Silvio Simione da Silva, as ideias de integração nacional por ferrovias não são novas. O economista paraense Armando Dias Mendes, ainda em 1954, já discutia a necessidade de conectar o Brasil de Norte a Sul e de Leste a Oeste por trilhos,
"Já se discutia uma possível integração do Brasil, Norte, Sul, Leste e Oeste através de ferrovias, como forma de deslanchar o desenvolvimento e o transporte de produtos[...] Ligando a região lá de Goiás, sul do Pará com os portos do Maranhão e também essa rodovia que ligaria o centro-sul do Brasil passando pelo Centro-oeste, vindo em direção à Rondônia e chegando até o Acre. Então isso já era previsto, já se falava nisso antes. Porém, ficou adormecido”
Segundo o geógrafo, o projeto de Integração Territorial Sul-americano começou com uma aposta na infraestrutura rodoviária. Uma das iniciativas mais importante dessa fase foi a construção da Rodovia Interoceânica que interliga Brasil-Peru-Bolívia ou Carretera Transoceânica, como é chamada no Peru. E a ideia inicial era realizar a integração por rodovias, porque são mais rápidas e baratas de construir do que ferrovias, frisa Simione.
No entanto, ele ressalta que, a longo prazo, as rodovias acabam gerando custos maiores de manutenção. Assim, esse movimento de integração terrestre por rodovias pavimentou o terreno para uma discussão mais aprofundada sobre a viabilidade de uma ligação ferroviária entre o Leste e o Oeste do país e a América Latina.
Esse debate, segundo o pesquisador, ganhou novo impulso nos governos de Fernando Henrique Cardoso e, principalmente, de Lula. No primeiro mandato de Lula, há uma retomada expressiva da ideia de integração regional sul-americana com o desenvolvimento do projeto IIRSA:
“É exatamente a partir do governo do Fernando Henrique Cardoso e sobretudo o governo do Luiz Inácio Lula da Silva, primeiro [mandato] dos dois primeiros do governo dele, é que há uma retomada dessa perspectiva, certo? [...] Então, o projeto da Amacro, embora não fosse falado ainda no governo do Lula, mas ele estava já incubado dentro dessa lógica, porque o governo Lula, ele retoma esse projeto da integração regional latino-americano muito fortemente. E ele em várias reuniões integrando com o governo peruano, com o governo boliviano, ele tem esse processo muito forte naquele momento [...] Então eu diria para você assim, que é até uma raiz lá [projetos de ferrovia] antes do período militar, antes da ditadura militar, praticamente quase no princípio do governo do JK [Juscelino Kubitscheck], um pouquinho até antes do JK, já se falava, já se pensava, projetava isso daí [projetos de integração ferroviário]. Agora ela ganha a força mesmo, principalmente no primeiro mandato do governo Lula."
No governo Lula ganha corpo a Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA), embora atualmente a sigla não tenha o mesmo protagonismo institucional, os objetivos de integração permanecem, agora pela nova proposta do governo de Rotas de Integração Sul-americana. O IIRSA já impactava profundamente a região de fronteira entre Brasil, Peru e Bolívia com seus diversos empreendimentos que iam além dos logísticos.
No lado brasileiro, esses esforços se conectam diretamente a outros projetos de desenvolvimento, como a Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira (Amacro), região estratégica para o agronegócio, marcada por tensões sociais e conflitos fundiários intensos nos últimos anos, constantemente denunciados nesse jornal.
Outras ferrovias: do Atlântico ao Pacífico
A Ferrovia de Integração Centro-Oeste (Fico) e a Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol) pretendem se interseccionar e serem concedidas à iniciativa privada no Novo PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do governo. Com cerca de 2.700 quilômetros de extensão, a malha ferroviária passará por Bahia, Goiás e Mato Grosso, com investimentos estimados em R$28,7 bilhões. Esse projeto pretende estender a Ferrovia Norte-Sul, formando um corredor logístico.
Esse projeto se insere no corredor ferroviário que atravessará o Brasil de leste a oeste, passando por Bahia, Goiás, Mato Grosso, Rondônia e Acre que tem como objetivo otimizar o transporte de carga do centro do país até o Oceano Pacífico, permitindo que mercadorias brasileiras cheguem aos portos asiáticos com até 10 dias de redução no tempo de viagem, segundo o governo.
De acordo com o secretário Nacional de Transporte Ferroviário, Leonardo Ribeiro em entrevista à Agência Gov,
"O projeto, que conta com boa parte da infraestrutura já construída pelo governo brasileiro, busca escoar a produção de grãos e minérios do Mato Grosso, Goiás e Bahia para os portos do Atlântico. A partir de Lucas do Rio Verde (MT), será possível construir a ferrovia em direção ao Pacífico, para transportar carga até o porto de Chancay”.
O grande objetivo do corredor ferroviário
De acordo com Ribeiro, a iniciativa visa desafogar a dependência dos portos do Sudeste e criar uma alternativa logística mais eficiente.
"Toda a carga produzida na área central do país será escoada por essa infraestrutura, integrando-se à rota do Porto de Chancay", em declaração à Agência Gov.
Com investimentos previstos em bilhões, a ferrovia deve reduzir custos e prazos de exportação, fortalecendo a competitividade do agronegócio, o governo também aposta que o transporte ferroviário é mais eficiente economicamente e ambientalmente. Na mesma entrevista, o secretário diz:
“O Brasil exporta anualmente cerca de 350 bilhões de dólares, sendo que mais de um terço vai para a China. Do total exportado, 60% é composto por minério de ferro e soja — produtos que exigem uma logística eficiente, principalmente via ferrovias, tanto por economia quanto por sustentabilidade”
Assim, o grande objetivo da Ferrovia expressado pelo próprio governo é o escoamento de commodities, principalmente minério de ferro e soja.
A China tem atualmente o maior papel de destaque no Agronegócio brasileiro, o país é hoje o principal importador de soja e carne do mundo, com destaque para as compras vindas da América do Sul. A guerra comercial iniciada pelo governo Trump contribuiu para uma reconfiguração do comércio global, especialmente após a China, em retaliação a iniciativas trumpistas, impor novas tarifas sobre produtos agrícolas dos Estados Unidos. Como resultado, o país aumentará a importação de carne, laticínios e grãos de países da América do Sul, Europa e região do Pacífico.
Simone Tebet, na entrevista a CartaCapital, afirmou estar otimista com os avanços nas negociações com a China. Segundo ela, o país asiático demonstra forte interesse em colaborar com a expansão da malha ferroviária brasileira.
“Eles estão muito interessados em ajudar o Brasil a rasgar o país de ferrovias”, afirmou Tebet, ao relembrar um encontro com o presidente Xi Jinping, no Palácio da Alvorada.
A ministra ressaltou que, diante do alto custo dessas obras, é praticamente inviável realizá-las apenas com recursos públicos,
“Se nós não tivermos fundos internacionais, no caso específico da China, ou participação da China em consórcios, vamos continuar com essa dívida histórica com o nosso país se referindo a não construção de ferrovias”
Ela acrescentou que, com o apoio da China, há expectativa da viagem a Pequim, “nós vamos trazer, se Deus quiser, na mala, notícias boas”.
Amacro: a fronteira do capital na Amazônia
Silvio Simione da Silva afirma que o projeto Amacro, intensificada durante o governo Bolsonaro e que abrange o sul do Amazonas, o leste do Acre e o noroeste de Rondônia, com uma área total de 454.220 km² e 32 municípios, não é um projeto isolado, mas parte de uma estratégia mais ampla de expansão do capital sobre a Amazônia.
Segundo ele, a iniciativa integra um conjunto de ações articuladas — que incluem infraestrutura terrestre, hidrelétricas e projetos ferroviários e rodoviários — com o objetivo de transformar a região em um eixo logístico e produtivo voltado ao agronegócio, "priorizando áreas com potencial para o desenvolvimento da agricultura no modelo capitalista, articulada com interesses nacionais e internacionais", explica.
Na visão do pesquisador, a Amacro se insere diretamente na lógica da Iniciativa para a Integração da Infraestrutura Regional Sul-Americana (IIRSA) e já conta com amplo apoio financeiro. Os principais financiadores atualmente são bancos públicos, com destaque para o Banco da Amazônia (Basa) e o BNDES. “O Basa é vendido como o banco do pequeno produtor, mas, na prática, destina grande parte dos seus recursos ao grande agronegócio”, afirma Simione. Como exemplo, cita empreendimentos como a Fazenda Santa Rita, em Humaitá (AM), voltada à produção de grãos e financiada pelo Basa.
Além dos bancos nacionais, o pesquisador ressalta que organismos internacionais, como o Banco Mundial, que já apoiou financeiramente a IIRSA, também podem investir na Amacro. Nesse novo ciclo de projetos de integração e ampliação da produção do Agronegócio, o capital chinês entra em cena para executar a malha ferroviária.
Para Simione, o Brasil é o principal interessado na integração da Amazônia por razões estratégicas: a região ocupa quase 50% do território nacional, é a menos integrada economicamente ao restante do país e representa, segundo ele, "a última fronteira para expansão do capital". Ainda acrescenta,
“O Centro-Sul e o litoral já estão tomados por esse modelo de desenvolvimento. Agora, é a Amazônia que está no foco, e isso acontece num momento em que o capital busca novas fontes de matérias-primas, como minérios, grãos e carnes”
Também pontua que há uma ambiguidade clara no discurso ambientalista de países asiáticos, europeus e norte-americanos. Enquanto pregam a preservação, também financiam os processos que geram destruição.
Para o pesquisador, a Amacro, em uma área maior do que Sergipe e mais ou menos equivalente ao tamanho do Rio de Janeiro ou Espírito Santo, é estratégica não apenas por sua posição geográfica, mas pelo tipo de cobertura vegetal predominante em algumas regiões, como em Humaitá (AM), onde há grande extensão de uma vegetação semelhante ao Cerrado. Esse detalhe tem sido explorado por produtores rurais, que defendem a aplicação da legislação do bioma Cerrado— menos restritiva quanto ao desmatamento — em vez da legislação amazônica, que permite apenas 20% de desmatamento, "Eles dizem: ‘isso aqui não é floresta, é cerrado’, e com isso buscam flexibilizar as regras ambientais", relata.
A Amacro está posicionada entre importantes eixos logísticos: a BR-364, a BR-319 (que liga Porto Velho a Manaus) e a Transamazônica (BR-230),
“Humaitá é em cruzamento da BR 319 que sai de um braço que liga a 364, ligando de Porto Velho a Manaus, né? E a BR 230 que é a Transamazônica, que sai da cidade de Lábrea [Amazonas] e ela segue direto indo até a Paraíba”, relata Silvio.
Além disso, conta com acesso aos rios Madeira, Purus e Tapajós, o que potencializa sua integração por hidrovias. Segundo ele, esse conjunto de fatores torna a região atrativa para investimentos em infraestrutura, agroindústria e logística, tendo Rio Branco e Porto Velho como centros políticos e administrativos, e Humaitá como um futuro polo agrícola e logístico.
“A cidade já conta com portos estruturados, como o da empresa Mazut, e sua posição facilita o escoamento da produção por rodovias e pelo Rio Madeira”, conclui.
Arco Norte: Uma nova roupagem?
O Projeto Arco Norte, traçado a partir do paralelo 16º S — linha simbólica que divide o Brasil entre Norte e Sul —, abrange partes do Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Iniciado em 2015 e oficializado em 2016, atingiu seu ápice durante o governo Bolsonaro, com forte apoio da bancada ruralista a cada nova rodovia ou iniciativa de integração logística.
Agora, sob o governo Lula, o projeto parece convergir com as Rotas de Integração Sul-americana. Embora não citado nominalmente, o plano atual retoma e expande os objetivos originais do Arco Norte, inserindo-os em uma estratégia global — com eixos como o porto peruano de Chancay reforçando justamente os corredores prioritários do projeto original.
Na configuração do Projeto Arco Norte, os principais portos destacados eram de Porto Velho (RO), Miritituba (PA), Santarém (PA), Itacoatiara (AM), Manaus (AM) e Itaqui (MA). Na proposta do governo Lula, esses mesmos portos têm papel central, agora inseridos em uma estratégia mais ampla de integração sul-americana. Juntos, eles compõem a segunda maior rota de exportação de soja e milho do país.
Remontar o funcionamento do Arco Norte é essencial para compreender as diretrizes do novo plano logístico do governo Lula. O Arco Norte surgiu como uma alternativa estratégica diante da saturação dos portos das regiões Sul e Sudeste. A atual proposta parte da mesma lógica, mas expande os horizontes ao incluir novos destinos de escoamento em toda a América do Sul, com destaque para o Porto de Chancay.
O projeto Arco Norte já previa a construção de uma infraestrutura robusta para o escoamento de grãos, como a Ferrogrão — ferrovia de 976 km entre Sinop (MT) e Miritituba (PA) — além de corredores hidroviários, usinas hidrelétricas e a duplicação de rodovias estratégicas, como a BR-163 e BR-364 e a finalização da BR-319. Todas essas obras continuam sendo defendidas pelo governo federal e estão contempladas no novo plano de integração logística.
Com o Arco norte a burguesia planejava que até 2030 essa região produziria a metade da produção de soja e milho no país, o mesmo projeto também já visava no futuro o sonho de escoar pelo Porto de Chancay.
Privatizações de rodovias e violação de territórios tradicionais e áreas protegidas além da Amazônia
As Rotas de Integração e o novo PAC estão sendo implementados considerando as rodovias já privatizadas e as projeções de novas concessões. Enquanto avançam iniciativas ferroviárias, algumas também privatizadas, observa-se um esforço para expandir e conceder rodovias em todo o país. Seguindo em ritmo acelerado, com a meta de leiloar 15 rodovias até o final de 2025.
Já se contabilizam nessa meta as rodovias leiloadas em março e fevereiro deste ano. O governo do Mato Grosso concedeu 1.308,5 quilômetros de rodovias estaduais (MT - 160/220/242/338, MT-020/326, MTs 170/220/32) à iniciativa privada por meio de leilão na B3 (Bolsa de Valores de São Paulo). Segundo a Secretaria de Infraestrutura e Logística (Sinfra), trata-se da maior extensão de rodovias estaduais privatizadas em um único leilão na história do Brasil. Anteriormente, em fevereiro, a BR-364, trecho entre Porto Velho e Vilhena (RO), também foi leiloada.
Nesse sentido, há os projetos que impactam outros territórios, como a Ferrogrão (EF-170), ferrovia planejada para cortar o centro do país paralelamente à rodovia BR-163. Dados levantados pelo Joio e o Trigo revelam que seu traçado afeta diretamente seis terras indígenas, além de 17 unidades de conservação ambiental. A área de influência do projeto abrange 25 municípios dos estados do Mato Grosso e Pará.
Todos esses projetos não fizeram consultas prévias e informadas às comunidades afetadas, conforme exigido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A BR-163 no Mato Grosso que havia sido privatizada em 2021, mas que foi retomada pelo Governo do Estado em 2023, devido a má gestão pela concessionária privada, está em fase de duplicação, a rodovia também impacta territórios indígenas, incluindo áreas de povos em autoisolamento. Da mesma forma, a privatização e duplicação da BR-364 avançou sem diálogo com os povos Paiter Suruí e Cinta-Larga, cujas terras são diretamente afetadas pela obra.
Inimigo do povo, da terra e do futuro
O editorial deste jornal não deposita qualquer esperança emancipatória, ou mesmo social, no agronegócio, tampouco confia nos projetos de desenvolvimento ditos 'sustentáveis' promovidos por esse modelo e suas iniciativas de produção com selo verde.
Seus efeitos e projetos são constantemente denunciados nas editorias Amazônia e Agronegócio e Clima: superexploração dos trabalhadores do campo, concentração fundiária, altos índices de mortes no campo, aprofundamento do capitalismo dependente brasileiro e impactos ambientais que, a qualquer momento, podem atingir o ponto de não retorno.
O latifúndio, que era a principal forma de apropriação da terra na economia escravista colonial, delimitou o terreno para o modelo econômico atual.
O agronegócio existente hoje no Brasil nada mais é do que a transformação desse latifúndio em uma exploração capitalista da grande propriedade da terra, baseada no emprego assalariado e na utilização de modernas tecnologias de produção, a maioria delas importadas.
A regularização fundiária e a Reforma Agrária estão a cada dia mais em declínio, sendo que esta última deixou praticamente de ser realizada nos últimos anos. Sabe-se ainda que a Reforma Agrária nunca rompeu com a estrutura fundiária concentradora. Os movimentos pela terra concentraram sua atuação sobre terras improdutivas, sem questionar a propriedade privada da terra, que hoje concentra mais da metade do território nas mãos de apenas 1% dos proprietários.
As políticas neoliberais e social-liberais, inclusive durante governos tidos como de esquerda, fortaleceram o agronegócio e agravaram os conflitos no campo, que aumentaram de forma alarmante nos últimos dez anos, com um crescimento de 60%, segundo dados da CPT.
Vale destacar que nos últimos anos o governo Lula ampliou significativamente a exportação de commodities agrícolas, superando os resultados obtidos durante a gestão Bolsonaro-Mourão. Esse desempenho é resultado de um projeto conduzido por um governo mais técnico e especializado, com profundo conhecimento do mercado internacional, e mesmo alinhamento à grande burguesia do agronegócio.
No final de 2024, o governo comemorou 300 novos mercados internacionais iniciados no mandato Lula-Alckmin, ampliando a exportação para mais de 62 novos destinos.
Em 2025, o governo planeja ampliar ainda mais as exportações brasileiras. De acordo com Luís Rua, secretário de Comércio e Relações Internacionais, a estratégia inclui intensificar parcerias com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (ApexBrasil) e o Ministério das Relações Exteriores (MRE) para ampliar a promoção comercial, consolidar oportunidades emergentes e fortalecer a posição brasileira no cenário internacional, "alinhada à agenda de paz", de acordo com declaração veiculada no portal do Ministério da Agricultura e Pecuária em 24 de dezembro de 2024.
Diante disso, sob um capitalismo dependente e do fortalecimento do agronegócio, a realização de uma proposta de Reforma Agrária, ainda que seja a mais tímida, é inviável e não suficiente devido às condições do clima atuais. É necessário, portanto, retomar e agitar as bandeiras históricas da luta popular e revolucionária, como a nacionalização das terras, articulando as lutas imediatas com um horizonte estratégico de reorganização socialista da sociedade.
As contradições do agronegócio devem ser escancaradas. A classe trabalhadora precisa alcançar um nível de consciência capaz de reconhecer, no agronegócio e em seus defensores e cúmplices, inimigos declarados.