Povos Cinta Larga e Paiter Suruí se mobilizam frente a privatização da BR-364 em Rondônia
Almir Suruí relata o impacto e as reivindicações dos povos indígenas após o leilão da rodovia, arrematada por um consórcio com membro envolvido em escândalos de corrupção. O governo Lula-Alckmin, por sua vez, planeja a privatização de mais 14 rodovias até 2025.

Reprodução/Foto: Rondônia Urgente
Em 27 de fevereiro, foi realizado um leilão no qual foi concedida por 30 anos a administração da rodovia federal na Região Norte do Brasil (BR-364). O Leilão havia sido anunciado pelo Ministério dos Transportes em 24 de fevereiro e foi realizado na B3, bolsa de valores de São Paulo. Teve um único concorrente, o consórcio formado pela empresa 4UM Investimentos, empresa que já havia arrematado outros leilões para gerir bens públicos e o banco Opportunity, cujos sócios-fundadores Daniel Dantas, Verônica Dantas e Dorio Ferman estiveram envolvidos em inúmeros casos de corrupção, e é uma das maiores empresas de gestão pública no Brasil. A proposta de investimento ficou estabelecida em R$ 10,266 bilhões para os 30 anos de contrato.
De acordo com o Ministério dos Transportes, o projeto de concessão de 686,70 quilômetros se estende entre Porto Velho, capital de Rondônia, e Vilhena, município localizado na fronteira com o estado do Mato Grosso. Os planos para o leilão da BR-364 datam de 2019 durante o governo Bolsonaro. Neste período, o atual governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, era o ministro de infraestrutura e apresentou o plano de concessão das rodovias BR-364 e BR-365 ao TCU.
A BR-364 está entre as dez rodovias mais mortais do país e é um importante corredor logístico para o fluxo de exportação de grãos no país, não por acaso é conhecida como Rota Agro Norte. A população de Rondônia pede pela duplicação da rodovia há muitos anos, no entanto, o que está posto no plano é a duplicação de cerca 113 km dos quase 687 km e apenas o alargamento de outros trechos.
As privatizações continuam a todo vapor e a promessa de privatizar 15 rodovias só em 2025 está mais perto de se concretizar. O governo do Mato Grosso realizou, em 14 de março, o leilão de 1.308,5 quilômetros de rodovias estaduais para a iniciativa privada, na Bolsa de Valores de São Paulo (B3). De acordo com a Secretaria de Infraestrutura e Logística (Sinfra), este foi o maior leilão em extensão de rodovias concedidas à iniciativa privada na história do Brasil.
Em Rondônia, desde 24 de fevereiro, comunidades indígenas se manifestaram contra o leilão. A Coordenação das Organizações Indígenas do Povo Cinta Larga (PATJAMAAJ) e a Associação Metareilá Povo Indígena Suruí (GAMEBEY) divulgaram, em 24 de Fevereiro, uma nota pública contra o leilão. 26 de Fevereiro, indígenas Cinta Larga e Paiter Suruí fecharam um trecho da BR-364, em Cacoal, como forma de protesto.
Em entrevista ao jornal O Futuro, o líder indígena Almir Suruí denunciou que o processo foi conduzido sem a realização da consulta prévia à comunidade em geral e às comunidades indígenas, direito que é garantido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Constituição Federal. Ele afirmou: “A ausência de consulta prévia sobre a duplicação da BR-364 impacta diretamente o Povo Paiter Suruí e as comunidades indígenas da região de diversas formas, violando direitos fundamentais e colocando em risco modos de vida tradicionais.” Ele ainda destacou que as tensões entre os indígenas e os interessados na obra podem se intensificar, resultando em possíveis confrontos e colocando em risco os povos da região.
A PATJAMAAJ protocolou uma Ação Civil Pública na Justiça Federal pedindo a suspensão do leilão até que estudos ambientais fossem realizados, assim como uma consulta às comunidades afetadas. A Portaria Interministerial determina que obras que terão impacto em terras indígenas, só podem avançar depois de diálogo com os povos afetados, mas a Justiça Federal de Ji-paraná indeferiu o pedido de suspensão.
Representantes dos povos Cinta Larga e Suruí emitiram uma nota de repúdio denunciando a situação e alertando sobre os impactos ambientais, pois não foi realizado Estudo de Impacto Ambiental (EIA), nem mesmo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). As organizações dos povos indígenas prometem mobilização e já sinalizaram que vão recorrer ao STF. Almir Suruí diz que, “sem a consulta, a duplicação da BR-346 pode se transformar em um vetor de destruição para os povos indígenas, reforçando um modelo de desenvolvimento que ignora sua existência e direitos. Os líderes indígenas temem que a privatização facilite a invasão de grileiros, madeireiros e garimpeiros. O próprio TCU relatou que pode haver danos ambientais irreparáveis. Além da violação dos direitos dos povos indígenas e das leis vigentes, essa concessão pode abrir espaço para desmatamento, invasões e mais conflitos fundiários.
Os povos indígenas afetados cobram garantia de proteção territorial e que sejam feitos estudos que apontem o impacto ambiental na fauna, flora, nascentes de água e no modo de vida tradicional. Pedem, ainda, contrapartidas, como: investimento em infraestrutura, saúde, educação e projetos sustentáveis que beneficiem diretamente os povos afetados. E, principalmente, que seja estabelecido um compromisso com a não ampliação da estrada para dentro das terras indígenas.
Ignorar essas reivindicações viola os direitos fundamentais dos povos indígenas. “Sem um plano de investimento para compensar os impactos, os indígenas podem sofrer com a privatização sem receber melhorias reais em infraestrutura, segurança ou serviços públicos. Para evitar esses impactos negativos, é essencial que as comunidades indígenas sejam ouvidas e que medidas sejam adotadas para garantir sua mobilidade e qualidade de vida”, disse Almir Suruí.
De acordo com o Ministério dos Transportes, o projeto de concessão da rodovia seria entregue ao consórcio ou empresa que oferecesse o maior desconto sobre a tarifa básica de pedágio. No entanto, como havia apenas um consórcio concorrente, a tarifa ficou estabelecida em 20 centavos por quilômetro. A proposta prevê a criação de sete praças de pedágio e estima-se que carros pagarão em torno de R$100 e caminhões (7 a 9 eixos) em torno de R$ 1.600. Mas para garantir a tranquilidade do agronegócio, o Governo Federal anunciou o Plano de Escoamento da Safra 2024/2025, com investimentos que chegam a R$ 4,5 bilhões para reduzir os custos logísticos do agronegócio.
O líder Paiter Suruí finaliza dizendo que os próximos passos são exigir que sejam garantidos os seus direitos e que sejam respeitados no processo de privatização da BR-364 e que seja realizada uma consulta prévia, livre e informada, como determina a Convenção 169 da OIT e, também, uma reunião com o Presidente Lula e seu Ministro responsável para cobrá-los diretamente sobre a falta de diálogo e exigir que o processo de privatização só avance após consulta às comunidades afetadas.
O governo neoliberal de Lula-Alckmin, representado pelo Ministério dos Transportes sob o comando de Renan Calheiros Filho, mais uma vez coloca um bem público nas mãos da iniciativa privada, sem consultar a população, sem considerar os direitos dos povos indígenas, sem se preocupar com os impactos ambientais e humanos, infringindo direitos constitucionais, garantindo a operação do agronegócio com dinheiro público e comemorando como se fosse uma vitória para a classe trabalhadora.
É necessário reverter as concessões feitas e colocar em destaque para que a luta popular se atente e denuncie as privatizações, veja a lista completa a seguir:
Lembrando que as rodovias de Rondônia e Mato Grosso já foram leiloadas
1. BR-364- Rota Agro Norte
2. Ponte Binacional São Borja-São Tomé
3. BR-040 e BR-495 – Juiz de Fora (MG) a Rio de Janeiro (RJ)
4. BR-262 e BR-267 e rodovias estaduais MS-040-338-395
5. BR-101 no Espírito Santo e Bahia
6. BR-101 no Rio de Janeiro (Autopista Fluminense)
7. BR-163 no Mato Grosso do Sul
8. BR-060 e BR-364 em Goiás e Mato Grosso
9. Rodovias Integradas do Paraná Lote 4
10. Rodovias Integradas do Paraná Lote 5
11. BR-116 na Bahia e Pernambuco
12. BR-116 e BR-251 em Minas Gerais
13. BRs 070, 174, 364 em Mato Grosso e Rondônia
14. BRs 116, 158, 392 e 290 no Rio Grande do Sul
15. BR-116 e BR-324 na Bahia