Vereadores de Ilhéus (BA) buscam ataque ao meio ambiente com retorno das obras do Porto Sul, o “Belo Monte da Bahia”
O que parece um avanço na geração de empregos e um passo importante na redução da nossa dependência na infraestrutura rodoviária esconde a devastação do meio ambiente, o desrespeito às comunidades locais e o reforço da dependência econômica ao agronegócio e à mineração.

Outdoor da campanha da Câmara Municipal de Ilhéus em busca do retorno das obras do Porto Sul. Foto: Jornal O Futuro.
Por Daimar Stein
No começo de junho se iniciou uma campanha pelo retorno das obras do Porto Sul em Ilhéus, no sul da Bahia, com outdoors espalhados pela cidade, falas em rádios locais, divulgação nas redes sociais e um ato na frente do local das obras, puxado pelos vereadores Rúbia Carvalho (PSL), César Porto (PP), Alzimário “Gurita” Belmonte (PSD) e Maurício Galvão (PSB), dentre outros. Com influência da extrema-direita e de ruralistas como os da milícia rural Invasão Zero, existe forte incentivo para que as obras sejam retomadas o mais rápido possível, não importando o custo ambiental, já que a principal funcionalidade do porto é se conectar com o futuro Corredor do Agronegócio e escoar a produção de soja e minério de ferro para exportação.
O Complexo Logístico Intermodal Porto Sul (ou, mais especificamente, Complexo Portuário e de Serviços Porto Sul) é um projeto de construção de porto atualmente localizado no distrito de Aritaguá, na cidade de Ilhéus. O projeto, de controle e responsabilidade do governo do estado da Bahia, foi iniciado em 2008 e tinha um custo originalmente previsto em torno de 6 bilhões de reais. Sua inauguração estava prevista para 2019, mas devido aos diversos problemas legais, ambientais e contratuais envolvidos, até hoje não foi concluído e está com as construções paradas no momento da escrita dessa matéria. Ilhéus já possui um porto, o Porto do Malhado, inaugurado em 1970, que de quatro etapas para sua conclusão, teve apenas duas finalizadas e a drenagem do porto, planejada há quase 20 anos, nunca foi feita, causando problemas de encalhamento dos navios de cruzeiro que o mesmo recebe.
O projeto inicial de construção do Porto Sul, cuja licença prévia foi concedida pelo Ibama em 2012, visava como local a Ponta da Tulha, o que traria problemas ambientais catastróficos para a região, destruindo o corredor ecológico que liga o Parque Estadual da Serra do Conduru e o Parque Municipal Boa Esperança e destruindo os mangues que ligam a Área de Proteção Ambiental Lagoa Encantada ao mar. O porto chegou a ganhar o apelido de “Belo Monte da Bahia” por ambientalistas, em comparação com a construção da Usina de Belo Monte, devido ao nível da gravidade dos impactos, já que a região grapiúna abriga por volta de 80% do que ainda resta da Mata Atlântica no Nordeste e fomenta uma cultura milenar de pesca artesanal, agricultura familiar e, mais recentemente, ecoturismo.
O Relatório de Impacto Ambiental original, na época tocado pela VALEC Engenharia, Construções e Ferrovias S/A, constava com 42 impactos negativos não-mitigáveis, com danos generalizados à flora, risco a espécies ameaçadas de extinção e forte impacto socioeconômico para a população. As obras logo foram impedidas pela ação pública da Associação de Turismo de Ilhéus, que, para além dos danos ambientais, justificava também que a desapropriação daquela área inviabilizaria a instalação de diversos empreendimentos das grandes empresas de turismo, com previsão entre 7500 e 8000 empregos gerados, em torno de 5000 a mais do que os 2500 empregos previstos com a construção e as operações do porto e da ferrovia. Através da luta organizada de moradores das regiões afetadas, especialmente da Vila Juerana, ambientalistas e ONGs como o Nossa Ilhéus e o Instituto Floresta Viva, o projeto foi reestruturado e aprovado pelo Ibama no final de 2014, com a mudança do local para mais ao sul do distrito de Aritaguá, região menos preservada, visando a redução de danos ambientais. 39 programas foram criados para compensar a região pelos danos causados pelas obras e pelo funcionamento do porto, mas até hoje não foram propriamente implementados.
O desenvolvimento do Porto Sul está intrinsecamente conectado com o avanço da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL), projeto de mais de 1500 quilômetros de extensão, atualmente em desenvolvimento pela Bahia Mineração LTDA. (Bamin), uma joint venture indo-cazaquistanesa formada pelos grupos Zamin Ferrous, da Índia, e Eurasian Natural Resources Corporation, do Cazaquistão, mas que se encontra em um processo complexo de compra pela Vale S.A. Por causa das amplas variações ambientais, a ferrovia atravessa áreas do Cerrado, da Caatinga e da Mata Atlântica. Os interesses da Bamin nesse projeto vem principalmente da sua exploração da Mina Pedra de Ferro em Caetité, no Alto Sertão do estado, que iniciou suas operações apesar da luta de comunidades quilombolas da região, e teve demanda ampliada pelos empreendimentos chineses dos últimos anos.
O projeto é tido como “complexo” até pelos seus defensores e analistas cravam o mesmo como “inviável”, apontando a necessidade de um investimento total de 44 bilhões de reais para a conclusão de todas as suas etapas, chamada de “aberração logística que jamais sairá do papel”. A construção da ferrovia já foi paralisada e retomada diversas vezes nos últimos 15 anos, com a última paralisação levando à demissões em massa pela Bamin. Por conta disso, existe uma pressão e um lobby cada vez maior sobre o governo do estado e a prefeitura de Ilhéus para que o porto seja construído e garanta a base sob a qual o resto da ferrovia possa funcionar. Segundo Luiz Antônio Pagot, ex-diretor-geral do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes:
“Se nós não tivermos nessa ponta o porto de Ilhéus devidamente estruturado para todos os tipos de cargas que esse corredor ferroviário poderá transportar, obviamente vai ficar um projeto capenga. [...] Se o governo não tiver comprometido com o porto de Ilhéus, esquece, que esse projeto não fica de pé.”
O interesse no Porto Sul voltou ao debate público desde maio deste ano, quando foram anunciados avanços nas Rotas de Integração Sul-americanas, a partir de negociações entre o Ministério do Planejamento e Orçamento, chefiado por Simone Tebet (MDB) e o governo da China, cuja comitiva contou com o governador do estado, Jerônimo Rodrigues (PT) e com o prefeito de Ilhéus, Valderico Júnior (UNIÃO). O objetivo dos envolvidos é conectar o Porto de Chancay, no Peru, com diversos portos brasileiros, incluindo o Porto Sul, através da construção de uma malha ferroviária extensa ao redor do país, visando reduzir a dependência nacional nos portos da região sudeste para escoar produtos para exportação.
O que de início parece um passo importante na redução da nossa dependência na infraestrutura rodoviária, esconde a devastação do meio ambiente, o desrespeito às comunidades locais e o reforço da dependência econômica ao agronegócio e à mineração. Com a cana-de-açúcar, o cacau, a soja e o minério de ferro bruto sendo os principais produtos a passar pela ferrovia, a Bahia continuaria a ser uma alternativa para a exportação dos produtos primários brasileiros, ampliando nosso papel como produtor de commodities e importador de tecnologia.
Para além de todos os problemas já citados, o desenvolvimento dessas ferrovias beneficia somente o setor privado, já que o plano do governo federal é entregar a FIOL para a iniciativa privada a partir do Novo Plano de Aceleração do Crescimento, com a desculpa de que “seria praticamente inviável realizar uma obra dessa estrutura apenas com recursos públicos”, fomentando a narrativa de austeridade fiscal que o governo Lula tem se mantido tão firme e destruindo qualquer possibilidade de integrar as ferrovias construídas a um projeto nacional de transporte público e redução da dependência do modal rodoviário que o país enfrenta desde o período da ditadura empresarial-militar. Apesar de tudo isso, parte significativa da população ilheense apoia o projeto desde seu início. Segundo a ONG Nossa Ilhéus:
“Por desconhecimento dos ativos naturais, históricos e culturais de sua própria cidade e região, boa parte da população se vê atraída por propostas como a do Porto Sul, entendendo, erroneamente, que resolverá os problemas de desemprego da região. Porém, por não visualizarem os grandes impactos que essa instalação irá causar (falta de água, saneamento, favelização, migração e informalidade). É preciso que entendam que os recursos do povo estão sendo doados à Bahia Mineração para construção desse Porto, retroporto e estradas, para, posteriormente, leiloar e entregar à empresas que não são brasileiras e portanto, os recursos não serão aplicados aqui.”
Com a recente aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021, o PL da Devastação, na Câmara dos Deputados, as coisas só tendem a piorar. Se o processo do Porto Sul já passou por diversas mudanças para minimamente reduzir os problemas ambientais de sua construção e funcionamento, a Bamin a partir de agora pode, com o autolicenciamento que o PL permite, simplesmente se autorregular quanto aos impactos ambientais, abrindo as portas para toda e qualquer destruição que o Porto e a FIOL tragam, e sem a mesma força da luta ambiental que se tinha em 2014, esses danos podem passar despercebidos para boa parte da população, calando as vozes dos moradores diretamente afetados.
Como questiona Rui Rocha, diretor do Instituto Floresta Viva e professor da Universidade Estadual de Santa Cruz: “O que está em jogo é o tipo de desenvolvimento que se quer para a região. Nosso papel, em pleno século XXI, é produzir riqueza para outros países?”.