Em meio a Semana Camponesa em Defesa da Reforma Agrária, assentamento do MST é atacado em Itabela (BA)

Milícias rurais armadas avançam no extremo-sul do estado, intimidando e ameaçando as famílias assentadas no momento de avanço de suas lutas pela reforma agrária popular.

1 de Agosto de 2025 às 23h00

Reprodução/Foto: Coletivo de Comunicação MST/BA.

Por Fernanda Beatriz e Daimar Stein

Na noite do último sábado (26), famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) sofreram um ataque a tiros em um acampamento localizado no município de Itabela, no extremo sul da Bahia. Uma caminhonete Strada branca passou pelo local efetuando pelo menos seis disparos de arma de fogo em direção às barracas onde vivem homens, mulheres, crianças e idosos. Ninguém foi atingido, mas o atentado deixou claro o nível de insegurança a que estão submetidas as famílias camponesas que lutam por terra, comida e dignidade no Brasil.

Os assentados de Itabela estão sob constante ameaça na região. O acampamento Osmar Azevedo, onde se localizam, já sofreu com uma reintegração de posse com forte envolvimento de milícias armadas e do aparelhamento do judiciário em 2023, se reconstruiu a partir da ocupação da Fazenda São Jorge no ano passado e desde então vem recebendo ameaças constantes dos fazendeiros e da polícia da região.

Esse atentado acontece justamente no momento em que o MST intensifica uma série de mobilizações em todo o país para denunciar o desmonte da política de Reforma Agrária e cobrar do governo Lula o cumprimento de promessas feitas ainda na campanha eleitoral. Em Itabela, cerca de 340 integrantes do movimento ocupam desde a última terça-feira (22) a Estação de Zootecnia do Extremo Sul da Bahia, vinculada à Ceplac e administrada pelo governo federal. O objetivo da ocupação é pressionar pela retomada de um acordo com diversos órgãos federais que previa a destinação de terras públicas abandonadas para fins de Reforma Agrária — um acordo que está paralisado.

A ocupação da estação é parte de uma série de ações realizadas pelo movimento em todos os estados do Brasil na chamada Semana Camponesa em Defesa da Reforma Agrária. Já são dezenas de ocupações em prédios do Incra, Ceplac, Codevasf e outras instituições públicas, além de atos e protestos que cobram medidas concretas: atualização dos índices de produtividade, assentamento imediato das famílias acampadas, recomposição orçamentária dos programas da agricultura familiar e revogação de normas que facilitam a grilagem de terras e a mineração em assentamentos.

Em nota, o MST reitera que sua luta é legítima e pacífica: “Lutar por terra não é crime”. O movimento também denuncia o crescente clima de perseguição e violência no campo, alimentado por grupos que atuam para criminalizar os movimentos sociais e defender os interesses do agronegócio.

O avanço das milícias rurais e da legislação “anti-MST”

O ataque a tiros contra o acampamento do MST em Itabela não é um caso isolado. Ele ocorre em um contexto de crescente violência no campo, alimentado por grupos como o Movimento Invasão Zero, que se espalha por dezenas de municípios baianos e por outros estados com o apoio de parlamentares ruralistas e da extrema-direita. Intrinsecamente ligado com setores armados e práticas milicianas, o Invasão Zero defende publicamente a retomada violenta de terras ocupadas, sem ordem judicial, e tem sido apontado como responsável por fomentar conflitos, invasões e ataques contra comunidades indígenas e camponesas.

O MST, os povos originários e organizações populares têm denunciado repetidamente a conivência de agentes públicos e a omissão das autoridades diante desses episódios de violência, como os assassinatos de Nega Pataxó e Vítor Braz, que seguem impunes e ignorados pelo governador Jerônimo Rodrigues (PT), comandante-chefe da Polícia Militar que mais mata no Brasil, polícia essa que é conhecidamente aparelhada nas ações dessa milícia rural, como forma de proteção e garantia de impunidade desses ataques, sob silêncio total do governador.

Outra frente onde os ataques contra os movimentos de luta pela terra avançam é na Câmara dos Deputados. O Movimento Invasão Zero é financiado e tem fortes conexões com as Bancadas BBB. A milícia rural financiou uma campanha midiática extremamente forte durante a CPI do MST, espalhando outdoors difamando o movimento e financiando perfis relacionados ao agronegócio e de deputados da extrema-direita em redes sociais, além de matérias contra os assentados em jornais e rádios locais ao redor de todo o país.

Mais recentemente, em meio a todo o alvoroço e repúdio contra a aprovação do PL da Devastação, outros projetos de lei igualmente danosos podem ser aprovados a qualquer momento, mais especificamente o PL 4357/2023, que modifica a Lei Agrária para proibir a desapropriação de terras produtivas, mesmo que não cumpram a função social, e o PL 8262/2017, que autoriza a desocupação de área diretamente pelo proprietário, sem necessidade de ordem judicial. Ambos são ataques diretos ao direito constitucional à terra, pelo qual o MST se baseia em sua luta pela reforma agrária, e uma tentativa escancarada de criminalizar toda e qualquer forma de luta camponesa contra o latifúndio.

Reforma Agrária paralisada e promessas descumpridas

Enquanto a violência rural se intensifica, o governo Lula segue sem apresentar avanços concretos na pauta da Reforma Agrária. Durante sua campanha eleitoral, o presidente comprometeu-se a assentar pelo menos um terço das famílias sem terra acampadas no Brasil. No entanto, essa promessa está longe de ser cumprida. Embora o Ministério do Desenvolvimento Agrário tenha divulgado que 13.944 lotes foram disponibilizados em 2025, o MST denuncia que esses números são inflados e incluem regularizações de antigos assentamentos ou comunidades quilombolas, sem novos assentamentos efetivos.

Em três anos de governo Lula, o progresso nas lutas camponesas foi praticamente nulo, e o pouco que foi feito pelas vias institucionais foi conquistado através da luta de deputados diretamente vinculados ao MST, como a deputada estadual Lucinha do MST (PT) e o deputado federal Valmir Assunção (PT), com pouca participação do governo federal. Fazemos nossas as palavras de João Pedro Stédile, liderança histórica do MST, em entrevista para o Repórter Brasil: “[...] nós estamos ‘putos da cara’ com a incompetência generalizada do governo federal em resolver problemas. Porque se você não resolve o problema, ele só se agrava.”

O contraste é ainda mais gritante quando se observa a prioridade dada ao agronegócio. O governo destinou 557 bilhões de reais ao Plano Safra 2025/2026, beneficiando os grandes produtores e fortalecendo um modelo agrícola concentrador, dependente de agrotóxicos e voltado à exportação. Já a agricultura familiar segue com orçamento insuficiente e a reforma agrária segue paralisada. Como destacou o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, em nota divulgada durante a ocupação do Incra em São Paulo, “não é possível defender uma soberania concreta ao mesmo passo em que se subordina diferentes áreas do país aos interesses de oligopólios multinacionais, do agronegócio e da mineração”.