Tarifaço de Trump escancara disputa imperialista por terras raras brasileiras
Ofensiva de Trump contra o Brasil expõe aberta guerra comercial, na qual o governo Lula enfrenta sua própria subordinação aos EUA enquanto a soberania sobre recursos críticos é ameaçada.

Extração de terras raras em Poços de Caldas. Reprodução/Foto: Agência Brasil.
Enquanto o presidente Lula entoa discursos de ‘soberania nacional’, os recursos estratégicos do Brasil são silenciosamente leiloados em mesas de negociação internacionais.
Desde o dia 6 de agosto, está vigente o aumento nas tarifas à alíquota de 50% para produtos brasileiros, ressalvados mais de setecentos produtos em seu texto final, como aeronaves, suco de laranja, castanhas, madeira e outras tantas mercadorias que fazem parte das exportações do Brasil aos Estados Unidos.
A recente ofensiva alfandegária do governo Trump ao Brasil, com o objetivo de embargar ministros do STF, proteger aliados políticos da extrema-direita e sinalizar à sua base de apoio, sob o disfarce de resposta à supostas práticas econômicas desleais brasileiras, revela-se mais uma iniciativa da busca do imperialismo estadunidense por minerais críticos, visando romper o domínio chinês no setor.
Consolidada como maior importadora de minerais como cobalto e cobre, usados massivamente na chamada transição energética e tecnologias de ponta, a República Popular da China construiu na última década o domínio em outra peça chave para produção: as terras raras.
Grupo de 17 elementos químicos metálicos, as chamadas terras raras referem-se não à simples raridade geológica, mas sim à extrema complexidade de obtenção destas, dado o fato de que não ocorrem de forma concentrada, isto é, mineralizada, levando a um penoso processo de separação.
Responsável por cerca de 70% da produção global destes elementos, a China também monopoliza, na prática, o seu refino. Isto se deve em grande parte ao fato do país atuar realizando uma integração vertical do processo, onde empresas estatais controlam desde a extração até a transformação em produtos semiacabados e componentes tecnológicos finais.
Nesse contexto, a utilidade estratégica das terras raras não reside em seu estado bruto. Extraídos em pequenas quantidades e raramente encontrados em sua forma pura, esses elementos são inicialmente inertes. Seu valor real – e o cerne de sua disputa geopolítica – é liberado apenas quando processados e integrados em ligas metálicas de alta precisão. O Neodímio, por exemplo, quando ligado ao Ferro e ao Boro, forma a potente liga NdFeB, criando os ímãs permanentes usados na agulha que lê dados em discos rígidos (HDs) e em geradores de turbinas eólicas.
Com as rédeas da produção fora de alcance, EUA e União Europeia encaram a própria dependência como uma ameaça estratégica. É dessa forma que, em meio a guerra comercial estabelecida com o país asiático, as tarifas impostas pelo governo Trump têm surtido efeito negativo no coração do império, uma vez que foram respondidas com a suspensão da exportação de terras raras por parte da China.
Em meio às disputas interimperialistas por recursos, assim, o tarifaço e a crise diplomática instaurada pelo governo Trump formam uma nova frente de disputa econômica, que se soma a tentativa escancarada de intervenção pela anistia do principal articulador político da extrema-direita no Brasil.
Diante desse cenário, o Brasil se encontra em uma encruzilhada que dificilmente terá uma resposta à altura por parte do social-liberalismo: ser um mero exportador de commodities minerais em um jogo geopolítico alheio ou, finalmente, acionar os mecanismos de soberania e desenvolver uma cadeia produtiva nacional de alto valor agregado. A postura do governo Lula, até agora, é vacilante e contraditória. Se, por um lado, o discurso presidencial evoca a defesa da autodeterminação dos povos, por outro, a dependência econômica e a pressão diplomática forçam concessões que alienam, mais uma vez, o potencial estratégico do país.
A dependência e a subserviência podem ser vistas, de forma clara, nas recentes declarações do Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que sugeriu “[...] fazer acordos de cooperação [com os EUA] para produzir baterias mais eficientes, na área tecnológica”, sugerindo que as terras raras sejam usadas como trunfo no convencimento da retirada das taxas e dos embargos.
Após décadas à mercê da austeridade, o Brasil afunda num ciclo de desindustrialização neoliberal — um roteiro que se repete, governo após governo – processo que se mantém após a eleição de Lula em 2022, contrariando suas promessas de campanha e beneficiando sobretudo a burguesia nacional associada ao agronegócio e ao capital extrativista internacional.
Além da impossibilidade de o capitalismo dependente brasileiro estabelecer uma política soberana para minérios estratégicos, o país agora caminha a passos largos para consolidar um modelo de mera exportação de commodities sem valor agregado. Prova disso foi a aprovação do PL da Devastação (Marco Legal dos Licenciamentos Ambientais, Lei nº 14.726/2023), enfraquecendo as exigências para licenças ambientais, acelerando autorizações para grandes empreendimentos – especialmente mineradores e do agronegócio – e reduzindo a participação social e técnica nas decisões, privilegiando interesses corporativos em detrimento do controle público sobre recursos naturais.
Vale lembrar, ainda, que a extração desses recursos, sobretudo as terras raras, é notoriamente uma das atividades mais impactantes ao meio ambiente. O processo envolve a movimentação de grandes volumes de terra, o uso intensivo de água e produtos químicos tóxicos – como ácidos sulfúrico e fluorídrico – para a separação dos elementos, gerando rejeitos muitas vezes radioativos e contaminando solos e lençóis freáticos.
Nessa conjuntura, o risco de uma intervenção militar direta, como a vivida pela Venezuela, pode parecer distante, mas não é desprezível. A presença de tropas dos EUA na região, sobretudo na Colômbia, e as justificativas já testadas – "combate ao narcotráfico", "promoção da democracia" ou "estabilização regional" – criam um receituário pronto para ser acionado caso os interesses econômicos sejam severamente ameaçados ou se a instabilidade política for fomentada a ponto de justificar uma intervenção.
A soberania, portanto, não se perde apenas em acordos de livre comércio, mas também na incapacidade de se defender de operações de desestabilização e na submissão a uma arquitetura de segurança hemisférica comandada por Washington.
O verdadeiro teste para o governo não é apenas responder com palavras à provocação do imperialismo, mas sim agir para reter para o Brasil a riqueza e o conhecimento contidos em seu subsolo. Isso exigirá muito mais do que retórica: exigirá romper com o extrativismo colonial, controlar capital estrangeiro no setor estratégico e ousar desafiar, na prática, a subserviência aos EUA, que há séculos dita o lugar do Brasil no mundo.
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