Após 74 dias de resistência sob repressão, professores de Salvador encerram greve com conquistas parciais

Em vitória parcial sobre os ataques do prefeito Bruno Reis e seus lacaios na mídia local e no judiciário, categoria mantém o estado de greve após longo período de luta contra ameaças de demissão, desconto de salários, desmonte dos planos de carreira, difamação e repressão.

27 de Julho de 2025 às 0h00

Reprodução/Foto: APLB.

Por Daimar Stein e Fernanda Beatriz

No dia 18 de julho, os professores da rede municipal de Salvador, após 74 dias de resistência contra as ameaças, repressão física e coação da justiça burguesa, aceitaram o acordo proposto pela prefeitura e aprovaram em assembleia o fim da paralisação, garantindo o pagamento do piso salarial da categoria e a devolução dos descontos e multas. Até o seu encerramento, a categoria manteve a pressão através da paralisação total de 138 escolas e parcial de outras 189, mostrando a força da mobilização.

A categoria aprovou o início da greve no dia 6 de maio, após meses de tentativas fracassadas de negociação e denúncias que, para além das condições insalubres de trabalho devido à falta de climatização das salas, as várias gestões municipais não pagam há mais de 13 anos o piso nacional dos professores, fixado para 2025 em R$ 4.867,77 pelo MEC, levando a uma defasagem generalizada dos salários. A primeira contraproposta da prefeitura previa um reajuste linear de 4% no salário dos professores em duas parcelas: 2% a partir de maio e 2% a partir de outubro, muito abaixo dos 58% necessários para alcançar o piso nacional. Um tapa na cara dos professores, cujo trabalho atende em torno de 130 mil estudantes nas 415 escolas municipais (creches, pré-escolas e ensino fundamental) ao redor da cidade, reforçando a lógica de sucateamento da educação pública atualmente tocada em todo o país.

Perseguição, desgaste e propaganda negativa: a construção estratégica do esvaziamento da greve

A greve enfrentou abuso judicial imediatamente ao receber, logo após seu primeiro dia, em 7 de maio, a ordem do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), em decisão liminar, decretando a suspensão imediata da greve em um prazo de 24 horas, sob pena de multa diária de R$15.000,00 reais para a Associação dos/as Professores/as Licenciados/as do Brasil/Seção Bahia (APLB), sindicato que representa a categoria, com a desculpa de que a greve “impacta gravemente crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, sobretudo no contexto de recomposição de aprendizagem pós-pandemia e na interrupção de serviços como a alimentação escolar”. Apesar disso, os professores se mantiveram firmes e decidiram em assembleia, no dia 8, pela sua continuidade, o que levou a novos aumentos na multa, culminando em julho no valor de R$200.000,00 diários e ao bloqueio dos repasses das contribuições sindicais, em uma tentativa desesperada de forçar os professores a aceitar a contraproposta rebaixada.

Durante todo esse processo, os professores tiveram que enfrentar também a mídia local, que tratou do processo de greve sempre ressaltando os problemas causados pela interrupção das aulas, mentindo sobre a justeza das contrapropostas da prefeitura, usando os salários dos líderes grevistas como forma de mascarar o salário médio dos professores e desmerecer a luta e dando ampla voz para as mentiras e falas anti-grevistas do prefeito Bruno Reis (UNIÃO), como ao dizer que “os professores aqui em Salvador recebem acima do piso”, em entrevista para a Rádio Metrópole. Os professores com doutorado, categoria com os maiores salários, até o momento recebem uma média de R$ 3.070,00, de acordo com a APLB, com o piso nacional sendo alcançado através de bonificações. O que em teoria parece justo esconde o fato de que as aposentadorias dos professores são calculadas a partir do salário-base, os prejudicando no longo prazo.

A resposta não poderia ser mais clara: mobilização e luta. Apesar da tentativa da prefeitura e da mídia de isolar o movimento, a greve contou com grande apoio da população em um primeiro momento. Mães de estudantes, em sua maioria mulheres trabalhadoras e servidoras públicas, não só compreenderam a luta como participaram ativamente dela. Conceição, professora efetiva da rede municipal, destaca esse respaldo: “Mesmo com tudo isso, tivemos muito apoio. Em muitos bairros, os pais compreenderam a luta, e isso ajudou a manter a força.” No dia 16 de maio, durante a inauguração de um Centro de Referência de Assistência Social no bairro de São Cristóvão, mães de estudantes da rede municipal interromperam o evento, cobrando o atendimento imediato às reivindicações dos professores, o que levou à fuga do prefeito do local.

Já no dia 22, os professores, ainda em greve, se mobilizaram em frente à Câmara dos Vereadores, onde estava sendo discutido o reajuste salarial da categoria. O acesso ao plenário, no entanto, foi dificultado sob a justificativa de que todos os assentos já estavam ocupados, em sua maioria por pessoas que pareciam alheias à pauta, o que levantou questionamentos entre os grevistas sobre possíveis práticas de cooptação para esvaziar o protesto. Pouco depois se inicia uma confusão com a segurança e representantes da prefeitura até que os professores conseguissem entrar e protestar no espaço, o que a mídia local noticiou como uma “agressão aos vereadores”, e que levou à perseguição e tentativa de cassação dos mandatos do deputado estadual Hilton Coelho e do vereador Hamilton Assis, ambos do PSOL, por supostamente terem articulado a “baderna”, já que ambos tem apoiado fortemente a greve desde o seu início.

Esse reajuste foi aprovado, apesar da onda de protestos, seguido da aprovação da Lei nº 9.865/2025. Segundo o Prof. Rui Oliveira, coordenador geral da APLB: “Depois de 30 dias de greve, o prefeito fez uma manobra na calada da noite e, sem consultar ninguém, aprovou uma lei que desfigura todo o nosso plano de carreira”. Rui foi pessoalmente vítima de um dos ataques, tendo que pagar uma multa diária de R$30.000,00 por decisão do TJ-BA no começo de julho. Rui também enfrentou mandados de prisão, teve seus bens bloqueados e passou a receber ameaças diretas. Essa estratégia legal serviu para desgastar o movimento e semear o medo entre os educadores.

A greve recebeu apoio de diversos movimentos sociais e partidos políticos, incluindo o PCBR, e, apesar da difamação na grande mídia, a mobilização ganhou força com a população, colocando a popularidade de Bruno Reis em cheque. Durante sua participação no 2 de julho, o prefeito foi recebido sob vaias pelas pessoas que participavam da celebração, especialmente pelas professoras que estavam no bloco pautando o pagamento do piso, e que por isso foram agredidas fisicamente por indivíduos contratados para reprimir manifestações públicas. Esse mesmo grupo voltou a atacar professores durante negociações na Câmara de Vereadores.

No entanto, a continuidade da greve, combinada à intensificação da repressão e da propaganda negativa, começou a surtir efeito. A prefeitura apostou no desgaste da categoria: descontos nos salários, pressão judicial, perseguições e o peso psicológico dos mais de dois meses de paralisação começaram a enfraquecer o movimento.  Esse embate culminou no dia 17 de julho, depois de mais de dois meses de greve, quando Bruno Reis, se aproveitando do desgaste, fez um último ataque, ameaçando a demissão dos professores contratados através do Regime Especial de Direito Administrativo (REDA), caso não retornassem para sala de aula em até 24h. Considerando que a rede municipal é composta por um número expressivo desses trabalhadores precários, a chantagem teve efeito devastador. Um professor em estágio probatório, que preferiu não se identificar, revelou como essa ofensiva atingiu diretamente a base:

“Não foi nada bonitinho como as pessoas acham. Por mim, a greve iria até o fim, o ano seria cancelado se fosse preciso. Eu só voltaria com a retomada dos direitos. O Estatuto foi destruído, desconsideraram todos os cursos de formação que já tinha feito, como meu mestrado, que deixou de valer com a nova lei. Só contariam cursos iniciados depois da mudança. Vários artigos foram modificados para reduzir nossa remuneração.”

O professor descreve ainda o clima de desgaste e frustração crescente:

“As assembleias continuaram cheias até o fim, mas o cansaço era evidente. Na última, eu nem fui. Já estava frustrado. Os efetivos tentaram mostrar solidariedade aos REDAs e probatórios, mas a verdade é que foi uma facada. Tudo ficou muito duro.”

Para ele, a ameaça de demissão foi o golpe mais cruel:

“Cortaram meu salário, mas a greve ainda resistia. Aí vieram mexer com o emprego, o que para quem está em estágio probatório é gravíssimo. Eles sabiam que isso quebraria o movimento.”

Um coordenador pedagógico sob contrato REDA, também preferindo anonimato, reforçou a gravidade do momento e o clima de coerção:

“Publicaram no Diário Oficial a lista dos REDAs e probatórios, ameaçando abandono de cargo. O Ministério Público passou a mirar até os diretores das escolas, como se fosse culpa deles a resistência dos professores em voltar.”

Ele contextualiza como a luta, inicialmente pela garantia do piso, transformou-se diante da alteração arbitrária do plano de carreira:

“Nossa luta era pelo piso, mas o governo mandou um projeto que destruiu tudo. Tirou gratificações, modificou regras. Hoje, sinceramente, nem penso mais em concurso para professor efetivo, porque o plano de carreira foi totalmente descaracterizado. Conseguimos o piso no papel, mas tiraram com uma mão o que deram com a outra.”

A ameaça, somada ao cansaço acumulado, às perdas salariais e à campanha de deslegitimação, levou à convocação de uma nova assembleia. A categoria, com pesar, aprovou a última contraproposta da prefeitura, marcando o encerramento da greve. Com isso, as aulas têm previsão de retorno já na próxima semana. O calendário letivo deverá ser alterado para compensar os dois meses de paralisação, e há expectativa de que as aulas se estendam até janeiro de 2026, complementadas com a ação Aprender Mais, em que parte dos alunos vão para as escolas para ter atividades de recomposição. Além do pagamento do piso e da devolução dos valores descontados e das multas, o acordo final inclui:

● Gratificação de diretores e vice-diretores fixada em 5% sobre o vencimento;
● Manutenção da gratificação por aprimoramento em até 25%;
● Restabelecimento de gratificações em unidades socioeducativas e da ajuda de custo para servidores das ilhas;
● Projeto de lei para ampliar o quadro do magistério até julho de 2025;
● Conversão de licença-prêmio em pecúnia;
● Climatização de todas as salas de aula até o fim de 2025;
● Pagamento de abono retroativo desde maio para professores REDA;
● Revogação do §3º do Art. 21 da Lei 9.865/2025;
● Priorizar a publicação de aposentadorias;
● Criação de novas vagas dos níveis 2, 3 e 4 da carreira através de concurso público realizado até o final do ano;
● Atendimento das políticas de inclusão com a contratação de Auxiliares do Desenvolvimento Infantil (ADIs) para as salas de aula;

Ganhos políticos: vitórias parciais, frustrações e lições para a luta

A greve dos professores da rede municipal de Salvador, embora tenha sido encerrada com um sentimento amplo de frustração entre grande parte da categoria, não pode ser subestimada em seus impactos políticos e simbólicos. Depois de mais de uma década sem mobilizações significativas, o movimento deflagrado em maio de 2025 se consolida como um marco importante na reorganização da classe trabalhadora da educação. Além de estimular outras categorias do funcionalismo municipal a se movimentarem, a greve devolveu visibilidade a demandas históricas do magistério e permitiu que uma nova geração de professores e professoras experimentasse, na prática, o que significa a luta coletiva e a resistência organizada. Para Conceição, professora efetiva da rede municipal há mais de uma década, a principal vitória da greve não foi exatamente no papel, mas na força coletiva que ela revelou.

“A grande vitória dos professores nesta greve foi o processo. A coragem de começar, a coragem de fazer acontecer. A construção da greve e as manifestações que fizemos foram um aprendizado. Mostramos para a sociedade e para nós mesmas, professoras, mulheres, mães, que a gente pode. Que a gente consegue.”

Segundo ela, a luta foi justa e forte, e expôs a incoerência dos discursos oficiais sobre a realidade das escolas municipais:

“O prefeito Bruno Reis vendia para a população a imagem de que a educação de Salvador estava maravilhosa. Só que com a greve a gente mostrou outra realidade. Falta de estrutura, escolas sem acessibilidade, sem livros, sem acompanhantes para alunos com deficiência… Expusemos isso tudo. E mostramos que ele não pagava o piso, que era tudo jogo de palavras.”

Mas Conceição também aponta para a dor da derrota simbólica, mesmo que disfarçada por discursos oficiais de “conquista”:

“Tem que ter cuidado com esse discurso de que vencemos porque conseguimos o piso. Não conseguimos. Ele apenas retirou a gratificação que tínhamos e somou ao salário base. No papel parece que estamos ganhando o piso, mas na verdade houve perda.”

Conceição também descreve o clima emocional do fim da greve, com tristeza, lágrimas e sentimento de impotência generalizado:

“Hoje, na assembleia, muitos professores choraram. Choraram mesmo. Tristes com o desfecho, com a forma como fomos tratados. E ainda ouvir na mídia que houve mesa de negociação… negociação onde só um lado fala, isso dói. O Executivo se comportou como uma ditadura. Jogou pesado e venceu pela força, não pelo argumento.”

Apesar disso, ela insiste que algo foi plantado:

“A nossa luta não foi em vão. A gente pode ter voltado derrotada no papel, mas mostramos que há força na categoria. Mostramos que não estamos caladas. E isso fica.”

No entanto, a avaliação do saldo político da greve exige uma análise rigorosa e sem romantismos. Como nos ensina nossa tradição teórica e prática de luta, a estratégia deve orientar a tática e não o contrário. A força inicial da mobilização, marcada pela unidade e disposição da base, foi progressivamente corroída pela incapacidade das direções sindicais e políticas em adotar métodos de luta que impusessem custos econômicos e políticos reais ao governo Bruno Reis. As mobilizações se limitaram a atos simbólicos e performáticos, que, embora importantes para a visibilidade, não chegaram a paralisar ou constranger efetivamente o funcionamento da prefeitura, condição fundamental para forçar negociações de fato.

Bruno Reis venceu essa batalha porque a condução da greve, em suas visões estratégicas, facilitou sua vitória. A ausência de ações capazes de impactar concretamente o funcionamento do governo, o recuo visível das bases nos momentos decisivos e a dispersão da mobilização no espaço público foram aproveitados pela gestão para desencadear sua ofensiva repressiva e controlar o desgaste da opinião pública, inclusive entre setores que inicialmente apoiavam o movimento. A prefeitura investiu fortemente em propaganda institucional, sendo uma das que mais gastam com publicidade no país, e manipulou a mídia local para deslegitimar a greve, transformando o desgaste da categoria em uma narrativa de desmobilização inevitável.

O resultado econômico da greve foi um rebaixamento dos direitos da categoria. O reajuste foi concedido, porém o plano de carreira foi descaracterizado e apenas uma minoria dos ataques previstos na Lei 9.865/2025 foi revogada. As conquistas vieram a custo de pesadas concessões, que mantêm os salários defasados e os direitos mutilados. Além disso, a greve expôs as limitações de uma linha política que valoriza a mobilização em si, mas que não apresenta uma estratégia e o horizonte de luta para o setor da educação.

A principal lição dessa experiência é dupla: de um lado, reafirmar a educação como um campo central de disputa política e social, com potencial explosivo especialmente nas grandes cidades; de outro, compreender que, sem uma direção política firme, vinculada a um projeto estratégico claro da classe trabalhadora, greves como essa podem facilmente se transformar em válvulas de escape para a indignação, sem produzir avanços estruturais. O próximo passo não pode ser a simples repetição entusiasta da experiência; é necessário superá-la criticamente, construindo uma organização revolucionária enraizada nas escolas, capaz de articular a pressão econômica ao governo com a elevação da consciência política da categoria para o enfrentamento.

O desmonte do formato REDA, sistema de contratação temporária que precariza o magistério e enfraquece o poder de negociação dos professores, é outra conclusão inescapável. A ameaça constante de demissão e a insegurança dos contratos tornam a luta sindical ainda mais difícil, pois retiram dos profissionais a estabilidade necessária para resistir. A greve evidenciou como Bruno Reis e sua base na Câmara de Vereadores operam contra a educação pública, enquanto a justiça burguesa reforça o aparato repressivo contra as lutas dos trabalhadores. Assim, os passos futuros são claros: a revogação integral da Lei 9.865/2025 e a recuperação plena dos planos de carreira da categoria.

Mais do que isso, a greve dos professores de Salvador denunciou a brutalidade com que o poder público responde às reivindicações por direitos básicos. Apesar da campanha de criminalização e do desgaste imposto, o movimento mostrou a força da organização coletiva, denunciou a precarização crescente do magistério e escancarou as contradições de uma gestão que tenta se apresentar como moderna e eficiente enquanto desmonta o serviço público.

O saldo político e social dessa greve evidencia que não há valorização da educação sem enfrentar o projeto autoritário, neoliberal e anti-trabalhador que governa Salvador. A política de Bruno Reis não se limita a ajustes administrativos e orçamentários, ela representa uma ofensiva estrutural contra os trabalhadores da educação e contra o direito da população a um ensino público de qualidade. Portanto, a luta que se inicia deve ser ainda mais firme, organizada e radical. Figuras como Bruno Reis, representantes de um projeto de destruição da educação pública e de perseguição aos trabalhadores, devem ser politicamente derrotadas e historicamente execradas.