77 anos da Nakba e o aprofundamento da limpeza étnica contra o povo palestino
A tragédia permanente do povo palestino encontra nova etapa de sua luta por autodeterminação, com milhares de famílias obrigadas a deixar suas casas pela força das armas israelenses e seu projeto de limpeza étnica.

Grupo de prisioneiros palestinos libertado na vigência do cessar-fogo. Reprodução/Foto: redes sociais.
A palavra Nakba [النكبة] — “catástrofe” em árabe — não se refere apenas a um evento histórico, mas a um processo contínuo de limpeza étnica, ocupação e resistência. Em 1948, com a fundação do Estado de Israel, mais de 750 mil palestinos foram expulsos de suas terras, mais de 500 vilarejos foram destruídos, e um regime de apartheid foi imposto. No entanto, a Nakba para os palestinos não é passado: ela se renova diariamente em Gaza, na Cisjordânia, nos campos de refugiados e na diáspora palestina.
A Nakba foi a materialização do projeto sionista como movimento colonial, que não buscava apenas assentar-se enquanto Estado, mas eliminar o povo árabe nativo. Desde então, Israel consolidou um sistema de dominação racial, respaldado por potências globais, que nega aos palestinos o direito à terra, à memória e à existência. Hoje, essa política se expressa nos bombardeios a Gaza, nas demolições de casas em Jerusalém Oriental, na repressão às marchas do retorno e no bloqueio que transformou Gaza na “maior prisão a céu aberto do mundo”.
Durante mais de quinhentos dias de contínua guerra de extermínio, a Palestina sangra diante dos olhos cúmplices do mundo. O que se desenrola nos territórios ocupados não é uma guerra entre iguais, tampouco um conflito territorial regular entre países. Trata-se de um genocídio em curso, um projeto de extermínio sistemático do povo palestino, promovido pelo Estado de Israel com o respaldo material, diplomático e ideológico das grandes potências ocidentais.
A ocupação israelense, blindada pelo discurso da autodefesa e no apoio incondicional dos Estados Unidos, vem executando uma política de limpeza étnica deliberada, que combina bombardeios massivos, cercos humanitários, assassinatos seletivos, destruição de infraestrutura e apagamento cultural. Não se trata de exceção ou resposta desproporcional — é a regra de uma colonização em marcha, fundamentada no supremacismo sionista e na negação do direito básico à existência palestina.
A cumplicidade internacional é gritante. Muitos países que se autoproclamam defensores dos direitos humanos financiam, armam e protegem Israel nos tribunais internacionais, garantindo sua impunidade histórica. A posição do Brasil diante do genocídio em curso contra o povo palestino, por exemplo, revela uma contradição gritante entre discursos diplomáticos e práticas materiais.
Ao mesmo tempo, os meios de comunicação tradicionais seguem naturalizando o horror, ao tratar o massacre de civis como danos colaterais e ao ocultar o caráter sistemático do genocídio, que cala a imprensa com bombardeios e atiradores. A narrativa hegemônica insiste em relativizar os fatos, equiparando um povo cercado, faminto e bombardeado a uma das forças militares mais poderosas do planeta.
A guerra de extermínio contra o povo palestino não pode ser compreendida sem entender o papel histórico e ideológico do sionismo. Muito além de uma simples doutrina nacionalista, o sionismo se materializou como um projeto colonialista — um empreendimento de ocupação, limpeza étnica e dominação territorial, moldado nos moldes do imperialismo europeu.
Desde sua origem no final do século XIX, o sionismo não buscou apenas a constituição de uma nação para o povo judeu, mas a construção de um Estado etnocêntrico, exclusivo e expansionista, sobre terras habitadas por outros povos. A Palestina, nesse contexto, não era uma terra vazia, mas foi sendo sistematicamente esvaziada — por meio da expulsão, da violência, da destruição de vilarejos inteiros e do apagamento cultural dos palestinos.
O sionismo, em sua prática histórica e atual, se sustenta como instrumento de colonização racializada, onde a dominação se faz não apenas por tanques e bombardeios, mas também pelo controle da narrativa global. A identidade sionista se afirma pela negação da existência palestina: apaga-se a língua, queima-se o solo, destrói-se a memória e criminaliza-se toda forma de resistência.
O colonialismo sionista assume contornos ainda mais brutais ao aliar-se à lógica imperialista dos Estados Unidos e seus aliados. Israel, longe de ser um enclave isolado, é parte estruturante do projeto de dominação do Ocidente no Oriente Médio, agindo como potência militar regional, polo de tecnologia bélica e plataforma para os interesses geopolíticos de Washington. Por isso, o sionismo é sustentado com bilhões de dólares anuais em ajuda militar, veto sistemático a sanções internacionais e cobertura ideológica na grande mídia global.
Enquanto isso, os palestinos vivem sob um regime de apartheid, cercos, muros, bloqueios e bombardeios – e qualquer tentativa de reação é tachada de “terrorismo”, numa inversão perversa que tenta igualar o ocupante e o ocupado, o colonizador e o colonizado.
Por isso, o combate à ocupação sionista é parte de uma luta maior: a luta dos povos pela autodeterminação, pela libertação dos territórios ocupados e pela derrubada das estruturas globais de opressão. A Palestina, assim, torna-se símbolo de resistência — e o sionismo, o rosto moderno de um colonialismo moribundo agonizante.
O projeto nacional de Israel está enraizado numa estrutura maior: a aliança entre o colonialismo israelense e os interesses do imperialismo global, especialmente o norte-americano. Trata-se de um vínculo estrutural, em que Israel atua como posto avançado do capital internacional no coração do Oriente Médio, assegurando a estabilidade necessária para os fluxos financeiros, a exploração de recursos e o controle geopolítico da região.
Sua ocupação, ao contrário do que sua propaganda afirma, não é uma experiência de emancipação nacional, mas um projeto de classe, alinhado à lógica do capital e da dominação imperial. Israel funciona como laboratório de vigilância, armamento e repressão, exportando tecnologia de guerra testada sobre corpos palestinos para reprimir populações em outras partes do mundo. É a militarização do neoliberalismo, articulada em nome da “segurança” e da “ordem global”.
Neste cenário, o imperialismo encontra em Israel seu agente privilegiado para conter qualquer projeto de autodeterminação árabe, secular ou islâmico, que ameace a hegemonia do dólar na região, das corporações e do complexo industrial-militar. A manutenção do apartheid, da ocupação e do genocídio atende aos interesses de uma elite global que lucra com a guerra e controla as estruturas da economia mundial.
Mas a ocupação não se sustenta sozinha. Ela conta com a conivência das burguesias árabes, que há décadas abandonaram a causa palestina em nome da própria sobrevivência política e econômica. Regimes como Arábia Saudita, Emirados Árabes e Egito, sob diferentes formatos, alinharam-se aos interesses do capital global e passaram a tratar a questão palestina como um incômodo diplomático, e não como uma causa popular.
A tentativa de normalização das relações com Israel — materializada nos Acordos de Abraão, nas parcerias econômicas, tecnológicas e militares — é parte de uma estratégia para consolidar uma ordem regional neoliberal e autoritária, onde os direitos dos povos são sacrificados em nome da estabilidade dos mercados e da repressão aos movimentos populares.
Esses acordos, longe de significarem paz, representam a legitimação do colonialismo sionista e a traição dos mártires palestinos. Eles sepultam o horizonte da autodeterminação e colocam árabes contra árabes, alimentando a marginalização das vozes que ainda lutam por libertação verdadeira.
Mas a libertação da Palestina não virá pelas mãos de governos submissos ao capital internacional, mas da resistência dos povos, dos campos e favelas, das ruas insurgentes. E será inseparável da luta socialista, anticolonial e anti-imperialista global.
Diante da ocupação, a resistência palestina é um direito legítimo — seja nas formas armadas, nos protestos populares ou na diplomacia insurgente. No entanto, há na própria sociedade palestina divisões internas que remontam há décadas. A Autoridade Palestina (AP), criada nos Acordos de Oslo, tornou-se um braço colaboracionista dos interesses imperialistas na ofensiva. Submissa a Israel e aos financiadores internacionais, a AP reprime dissidentes, endossa o discurso contra a resistência em fóruns internacionais, coopera com a segurança sionista e abandona a via armada da luta pela libertação nacional.
Criada nos anos 1990 com os Acordos de Oslo, a AP foi vendida como uma estrutura de transição rumo à soberania palestina. Mas o que se consolidou foi um aparato administrativo sem soberania real, preso a um sistema de “autogestão da ocupação”, em que o próprio povo oprimido é obrigado a controlar e reprimir a si mesmo, em nome da estabilidade exigida por Israel e pelas potências financiadoras.
A AP tornou-se refém de repasses financeiros internacionais, da diplomacia moderada e da repressão à resistência. Coordena-se com as forças israelenses para manter a “ordem” nos territórios da Cisjordânia ocupada, persegue militantes, criminaliza organizações populares e desmonta iniciativas palestinas que fogem ao controle de sua burocracia. Esse comportamento é, com razão, denunciado pelas organizações da luta armada palestina como colaboracionismo, ou seja, uma forma ativa de conivência com o inimigo histórico do povo palestino.
Essa estrutura se sustenta sob o pretexto de “negociações de paz”, mas o que se vê no terreno é o avanço contínuo da ocupação, dos assentamentos e do genocídio. Enquanto Gaza arde sob bombas e os campos de refugiados são invadidos, a AP mantém seus acordos de segurança com Israel, sem oferecer qualquer resposta política real à altura da tragédia vivida pelo povo.
Em contraponto, reafirma-se com veemência a legitimidade da resistência palestina sob todas as suas formas. Em um contexto de colonização, apartheid e extermínio, resistir não é apenas um direito: é uma necessidade vital. A criminalização da resistência como “terrorismo” serve aos interesses do opressor, que busca deslegitimar qualquer forma de enfrentamento.
A resistência palestina, nas suas múltiplas expressões — das brigadas de luta armada aos protestos populares, da cultura à diplomacia insurgente — é a expressão concreta de um povo que se recusa a desaparecer. E sua legitimidade é reconhecida pelo direito internacional, pela história dos povos oprimidos e por todas as consciências comprometidas com a justiça. A esperança, portanto, não está nas estruturas burocráticas, mas nos campos de refugiados, nas mobilizações populares e na resistência que insiste em existir.
É nesse contexto que, inspirada na campanha contra o apartheid sul-africano, a estratégia do BDS propõe pressionar Israel por meio de boicotes econômicos, acadêmicos e culturais. Seu objetivo é exigir o fim da ocupação e do apartheid, o direito de retorno dos refugiados e igualdade para palestinos dentro de Israel.
Ainda que o Governo Lula-Alckmin, tenha realizado pronunciamentos públicos em defesa do povo palestino — inclusive chamando as ações de Israel em Gaza de “genocidas” —, essa retórica não tem sido acompanhada por ações concretas de solidariedade ou de enfrentamento efetivo à ocupação e ao massacre sistemático promovido por Israel.
Enquanto a destruição avança em Gaza e a ocupação se intensifica na Cisjordânia, o Brasil aumentou sua exportação de petróleo para Israel e segue mantendo relações comerciais estratégicas com a ocupação. Enquanto condena publicamente as ações israelenses em fóruns internacionais, contribui financeiramente para a sustentação da máquina de guerra sionista ao manter e até ampliar as trocas comerciais.
Essa postura tem sido duramente criticada por movimentos sociais, organizações e partidos, como o PCBR, que exigem um embargo imediato contra Israel. Apesar da crescente pressão por um posicionamento mais contundente, o Brasil tem resistido a romper com acordos e contratos que beneficiam a economia israelense — inclusive em setores sensíveis como o de tecnologia militar e segurança, onde empresas israelenses operam com grande presença no território brasileiro.
Boicotar Israel é rejeitar financiar esforços de genocídio e limpeza étnica. No Brasil, é urgente cortar laços militares, denunciar empresas cúmplices e exigir que instituições de Estado brasileiro, como iniciativas governamentais, entes federativos, empresas públicas e universidades desinvistam em empresas israelenses.
Enquanto o mundo assiste passivamente, a Palestina resiste. Sua luta não é isolada: é a luta de todos os povos oprimidos contra o colonialismo moderno. Não há neutralidade possível diante de um genocídio. Solidariedade à Palestina significa enfrentar o sionismo, o imperialismo e as elites locais que lucram com a ocupação.