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  • Conflitos cruzados: regionalização da guerra imperialista avança no Oriente Médio

    Os recentes acontecimentos tensionam ainda mais o complexo tabuleiro da guerra imperialista na região, seguindo a tendência evidente de regionalização que dá tom aos rumos no Oriente Médio pelo menos desde o 7 de outubro de 2023.

    18 de Março de 2025 às 23h10

    Combatentes do HTS chegam a Damasco. Reprodução/Foto: AFP / Getty Images.

    Está em curso, durante os últimos dias, uma incursão de violência sectária na Síria pelas forças de segurança do novo governo fundamentalista contra a minoria alauíta, sob premissa de “combate às tropas fiéis a Assad”. Centenas de civis alauítas foram mortos no que o Observatório Sírio para os Direitos Humanos afirma ser represálias após ataques às novas forças de segurança.

    Diante dos atuais esforços do HTS de perseguição étnica e religiosa a grupos minoritários da Síria, como os alauítas e os cristãos, milhares de pessoas estão abrigadas na Base Aérea russa de Hmeimim, perto da cidade costeira de Jablah, desde 7 de março, quando militantes extremistas foram de casa em casa em cidades e aldeias – predominantemente alauítas –, matando moradores e saqueando e queimando suas casas.

    No começo de dezembro de 2024, a capital síria, Damasco, foi tomada por forças opositoras ao governo central de Bashar al-Assad, lideradas pelo Hayat Tahrir al-Sham (HTS), grupo fundamentalista islâmico salafita que emerge das fileiras da Frente al-Nusra, braço sírio da Al-Qaeda longamente patrocinada pelo Estado de Israel, que se tornou HTS em 2017 após uma série de reformulações organizativas para dar uma roupagem nacional síria ao movimento, processo do qual o Qatar participou com particular interesse. Apesar do cínico otimismo do ocidente em face dos recentes acontecimentos, a pulverização da unidade territorial síria, perseguições a grupos étnicos e religiosos, a rapina completa e um desastre humanitário em nome de projetos religiosos dão a tônica do que esperar dos próximos meses no país.

    O conflito na Síria, que desde 2011 é descrito como uma guerra civil, é, essencialmente, um dos focos da guerra imperialista no Oriente Médio, marcado por disputas de poder entre potências estrangeiras e regionais. Desde seu início, foi impulsionado por interesses econômicos e geopolíticos dos EUA, Israel e países europeus, que buscaram minar o governo central de Assad, enquanto financiavam vastos grupos fundamentalistas para desestabilizar a região.

    O país, então, tornou-se palco de uma guerra por procuração em um momento de arrefecimento do apoio russo, à medida que Moscou redirecionou os seus esforços para a guerra na Ucrânia, momento no qual as elites locais são financiadas e armadas por potências estrangeiras que veem na destruição do país um passo para reorganizar as forças na região em benefício próprio. A consequência iminente deste processo é a completa partilha territorial do país entre diversos atores políticos envolvidos, em conjuntura típica da atual fase imperialista, a exemplo do que ocorreu com a Líbia de Kaddafi.

    Divisão territorial da Síria quando da queda de Damasco. Na ordem: facções alauitas, o HTS, as forças curdas, o SNA, e o autointitulado ‘Estado Islâmico’ – Daesh. Reprodução: Ouest France

    Agora, assim como no conflito de 2011, o povo sírio paga o preço pela disputa entre as potências imperialistas por matérias-primas, oleodutos, rotas de transporte, bases militares, bases geopolíticas e quotas de mercado. A derrubada do governo central sírio atribui nova forma ao complexo tabuleiro da guerra imperialista na região, seguindo a tendência evidente de regionalização que dá tom aos atos no Oriente Médio pelo menos desde o 7 de outubro de 2023, com o acirramento da guerra de extermínio da ocupação sionista contra o povo palestino.

    Em Gaza, o cessar-fogo consolidava, até então, uma vitória pontual importante à resistência palestina. Entretanto, hoje, 18 de março, a ocupação sionista realizou o massacre da alvorada, ocasião na qual bombardeou centenas de civis palestinos em pleno Ramadan, número que em menos de 24h já alcancava a marca de 450 mártires vitimados pela investida covarde, atestando a incapacidade dos organismos internacionais de garantirem o cumprimento das condições de paz pela entidade genocida.

    Faz-se importante destacar que o breve período de reorganização tática conquistada na vigência do cessar-fogo está inserido em um contexto em que a morte de Yahya Sinwar foi sucedida por uma intensificação das investidas contra a população civil palestina, sobretudo no norte, onde ocorreram sucessivos massacres contra os refugiados do Campo de Nuseirat. A eleição de Donald Trump nas eleições dos Estados Unidos, fiador incondicional do genocídio cometido pelas forças israelenses, deu luz verde à barbárie sionista, e a violação do acordo deixa evidente que Israel continuará a ter blindagem internacional completa em seus atos.

    Mesmo antes da violação do cessar-fogo, um exemplo dessa blindagem foi a declaração do Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, no início do ano, de que a Cisjordânia será anexada em 2025, e de que Israel deveria “tomar o controle” da Faixa de Gaza, construindo mais assentamentos sionistas e impedindo o estabelecimento de um Estado palestino, após a queda abrupta do governo sírio.

    Foi neste contexto que Israel invadiu o território sírio imediatamente após a queda do governo central, sob chancela dos EUA. O primeiro-ministro sionista afirmou que o acordo de 1974, vigente por cinquenta anos, havia sido anulado com a retirada das forças sírias de suas posições.

    Imprensa chega à área bombardeada pelas forças sionistas em Damasco, na Síria. Reprodução: Ali Haj Suleiman / Getty Images.

    O território em questão são as Colinas de Golã, um planalto no sudoeste da Síria, que está sob parcial ocupação ilegal israelense desde que foi invadido durante a Guerra dos Seis Dias, em 1967, e anexado unilateralmente em 1981. A região é conhecida por suas terras férteis e recursos hídricos vitais, e é protagonista das tensões na fronteira desde o período.

    A Turquia, por sua vez, intensifica suas ambições territoriais neo-otomanistas no norte da Síria, e de pronto investiu esforços em ocupar especialmente áreas até então controladas pelas forças curdas. O norte do território sírio contava há tempos com o apoio e financiamento do Estado turco ao grupo por procuração denominado ‘Exército Nacional Sírio’ (SNA), principalmente em sua ofensiva contra as regiões curdas de Afrin, Serekaniye, Al Bab e Azaz.

    Neste contexto, ressalta-se a declaração de Abdullah Öcalan, liderança do PKK, para que o grupo deponha as armas. A declaração é parte de um movimento mais amplo de incorporação dos curdos ao novo governo sírio, diante do acordo da SDF com o HTS. A capitulação do PKK na Turquia e a integração na Síria às forças estatais é ponto visto com profundo otimismo pelas forças de Israel, em seu status de força ocupante da Síria.

    Até a tomada de Damasco, o momento da guerra era de uma crescente tendência à regionalização provocada pelas forças sionistas. Empenhado nos incessantes esforços da guerra genocida travada há mais de um ano contra a resistência palestina, o governo da ocupação não poupou tentativas de escalar o conflito e envolver cada vez mais participantes nos campos de batalha.

    Os sucessivos fracassos no campo de batalha na Palestina demonstravam que as forças israelenses não se limitariam ao genocídio perpetrado em Gaza em sua ofensiva imperialista. Rapidamente o conflito assumiu desdobramentos também na Cisjordânia, e países vizinhos também foram feitos de alvo pela ocupação e pelas forças imperialistas dos EUA e UE.

    Neste complexo quadro regional, no contexto da Tempestade Al-Aqsa, a Síria era exceção, pois, embora tenha sido alvo constante de Israel durante os meses que antecederam a derrubada do governo Assad, o governo sírio operou como força-tampão da ofensiva sionista em seu front norte, tendo sido o baathismo uma força secular com papel geopolítico pertinente para frear o ímpeto da ofensiva sionista.

    Um exemplo pertinente dessa regionalização bélica – e relativamente esquecido pela grande mídia – é o duro ataque das forças militares dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, ainda em janeiro, ao Iêmen, contra os combatentes houthis do Ansarallah, solidários ao povo palestino. Com efeito, as recentes ameaças de Donald Trump ao país, ocasião em que enviou uma nova operação militar enfática contra a capital Sanaa, devolvem o front iemenita às manchetes de jornal. A resistência iemenita, em particular suas forças navais, são determinantes na mudança do quadro geopolítico de toda a Ásia Ocidental vem passando, processo em que as ações do Iêmen são cada vez mais centrais.

    Sua colaboração na resistência contra as forças sionistas na região foi um fator de redefinição da balança do conflito, sobretudo no impacto global no fluxo marítimo de mercadorias através do Estreito de Bab el-Mandeb, que liga o Mar Vermelho ao Oceano Índico, o terceiro maior ponto de circulação de petróleo no mundo. O Iêmen entretanto segue lutando, diante de recente ataque terrorista das forças sionistas na capital Sanaa e na cidade de Hodeida. Na esteira desses acontecimentos, a imprensa da ocupação informou que Tel Aviv planeja um grande ataque contra o Iêmen.

    Também é fator relevante no processo o histórico recente do front libanês desta guerra. A ofensiva israelense contra o Líbano toma nova dimensão a partir dos ataques terroristas da ocupação, por meio da explosão de pagers e walkie-talkies no Líbano, que, na sequência, se torna uma invasão terrestre. A resistência libanesa, encabeçada pelo Hezbollah, pôs em xeque diversas vezes os termos do domínio isralense na região. Sua capacidade de dividir as forças israelenses em vários fronts, interromper operações estratégicas e segurar posições mesmo diante da disparidade de poder esmagadora deu novo fôlego aos esforços da luta contra a ocupação, impondo novo ritmo à ofensiva de um oponente poderoso em uma luta cara e prolongada.

    A pedra no sapato dos sionistas que se tornou a resposta libanesa foi tão crítica que a ocupação foi compelida a costurar um “cessar-fogo” às pressas. O acordo já descumprido, de texto circunstancial, ambíguo e pouco resolutivo, não merece ser levado a sério como fez a imprensa em todo mundo, foi um duro golpe ao governo de Netanyahu e à moral das forças sionistas na guerra.

    Por outro lado, Rússia e o Irã também são atores pertinentes na equação, na medida em que ofereceram apoio militar direto ao governo sírio, movidos por seus próprios interesses estratégicos: A Rússia, que assim como os EUA tem bases militares em solo sírio, busca manter uma zona de influência no Oriente Médio e acesso ao Mar Mediterrâneo – e já assume posição pragmática em contato com as forças golpistas, enquanto o governo de Teerã, de postura ainda muito dúbia diante da situação, visa garantir sua rota de apoio ao Hezbollah no Líbano e conter os avanços de Israel.

    Diante desta multifacetada investida, Israel tentou diversas vezes provocar o envolvimento direito do Irã no conflito, o que atribuiria ao conflito uma dimensão jamais vista. O exemplo de destaque desta política foi o assassinato da liderança do Hezbollah libanês, Sayyed Hassan Nasrallah, respondido pelas forças iranianas com a Operação Promessa Verdadeira II, na qual foram disparados mísseis de classes Emad, Qadr F, Kheybar Shekan e Fattah contra alvos israelenses. Sua nova aposta é na tomada por completo das Colinas de Golã, território que lhe dá acesso privilegiado a posições de guerra e recursos valiosos.

    O atual momento é de uma complexificação considerável do cenário da guerra. Israel continuará em sua campanha pela dominação incontestável não apenas da Palestina, mas de toda a região, objetivo que é motivado por sua ideologia de supremacia racial e limpeza étnica. Seus objetivos correspondem às necessidades do bloco imperialista em seu movimento de expansão do capital na região.

    Esse bloco, diga-se, capitaneado pelos EUA e UE, interferem de forma permanente nos rumos das disputas na região, e hoje não é diferente. Os EUA, que têm uma das maiores bases militares do Oriente Médio na tríplice fronteira entre a Síria, Jordânia e Iraque, financia diversos grupos fundamentalistas locais há décadas. De mesma forma, o uso estratégico dos conflitos sectário-religiosos existentes no interior dos países estimulou conflitos internos muitas vezes incentivados pelas classes dominantes locais na disputa de poder e relegação destes povos a formas cada vez mais violentas de exploração.

    Por ora, os grandes vencedores das últimas movimentações no cenário da guerra imperialista são Israel, o bloco EUA-OTAN-UE, e a Turquia. O plano posto em vigor pelo imperialismo e pelas forças reacionárias na região foi bem-sucedido na desintegração da Síria, mas os acontecimentos subsequentes e suas repercussões internacionais certamente devem ser observados com cautela.