Mercadores do genocídio: o lobby sionista em Sergipe

Essas aproximações reiteradas nos últimos anos reverberam em cada vez mais conexões entre o Estado e diversos órgãos do país, culminando, há pouco tempo, inclusive no hasteamento da bandeira de Israel do lado de fora do Palácio do Governador.

28 de Outubro de 2025 às 15h00

Embaixador de Israel no Brasil em Sergipe durante período de agenda.

Historicamente, é evidente que Israel utiliza seu “soft power” e seus aparatos diplomáticos e econômicos para promover relações políticas e expandir o projeto sionista, legitimando-o ideologicamente mundo afora. Em Sergipe, essas aproximações reiteradas nos últimos anos reverberam em cada vez mais conexões entre o Estado e diversos órgãos do país, culminando, há pouco tempo, inclusive no hasteamento da bandeira de Israel do lado de fora do Palácio do Governador.

Retrospecto inicial

Como ponto de partida recente, em novembro de 2017, o Sergipe Parque Tecnológico (SergipeTec), organização social ligada ao Governo de Sergipe, recebeu representantes do Israel Trade & Investment, organismo ligado ao Ministério da Economia de Israel.

O Israel Trade & Investment se configura como uma rede de escritórios comerciais que tem como função conectar oportunidades e desenvolver "cases de sucesso" entre empresas israelenses e brasileiras em diversos setores. Com esse discurso, a assessora especial Sheila Golabek indicou diversas particularidades similares entre os dois Estados, principalmente em clima e produção agrícola, que poderiam gerar aberturas de negócios e a inserção do capital sionista e seus condicionantes dentro do território local.

Já em julho de 2018, o então deputado federal e presidente do Grupo de Amizade Brasil-Israel Jony Marcos (Republicanos) proporcionou diversos compromissos e agendas dentro do Estado para o Embaixador de Israel no Brasil, Yossi Shelley. Nessa passagem, o representante sionista tinha o objetivo de promover os horizontes de parcerias tecnológicas, científicas e econômicas entre Sergipe e Israel.

“Viemos buscar estabelecer relações de projetos de inovação entre Sergipe e Israel, ver projetos relacionados ao petróleo, à educação e à segurança cibernética. Israel tem muitos projetos desses temas que podem ser aplicados em Sergipe”, disse o embaixador. Palavras essas que implicitamente também visavam explorar uma velha narrativa de apresentar Israel como a única “democracia do Oriente Médio”, enquanto avançava seu cerco a Gaza e aos palestinos, com bombardeios constantes naquela região.

Yossi Shelley na apresentação um protocolo de intenções entre Israel e Sergipe. Reprodução/Foto: Infonet.

Durante a vinda a Sergipe, ele recebeu o título de Cidadão Sergipano, em sessão promovida pelo ex-deputado estadual Jairo de Glória (Republicanos) na Assembleia Legislativa de Sergipe. No mesmo dia, também foi recebido na Universidade Federal de Sergipe (UFS), onde apresentou um protocolo de intenções de relacionamento entre Sergipe e o suposto Estado, direcionado a diversos âmbitos produtivos, incluindo o setor de pesquisa. Inclusive, o ex-reitor da UFS, professor Angelo Roberto Antoniolli, colocou-se à disposição para estreitar as relações de pesquisa entre os países, salientando o desenvolvimento dos programas de pós-graduação da instituição e abordando o impacto positivo que um possível acordo proporcionaria.

Em 2019, o Israel Trade & Investment voltou ao Estado a convite do Departamento Técnico (DET) e da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Econômico e da Ciência e Tecnologia (Sedetec), para diversas reuniões e formulações de acordos, possuindo dentro de seus objetivos abrir um canal de comunicação para fortalecer relações comerciais e de cooperação técnica entre empresas sergipanas e israelenses. Esses contatos e articulações feitas de maneira recorrente entre o Governo sergipano e os representantes sionistas evidenciam como essas forças conseguem se difundir nas mais diversas perspectivas para garantir o poder e o controle das ideias quanto à legitimação do Estado de Israel e sua caracterização como moderno, progressista e aberto no campo dos negócios e das ideias. Enquanto isso, podem manter o fortalecimento de sua máquina de guerra, as agressões contra o povo palestino e outros paises árabes, além suas atividades nucleares sem grandes contestações da comunidade internacional ocidental.

Crescimento dos gestos de proximidade

Mais recentemente, em novembro de 2023, acadêmicos, partidos e diversos movimentos sociais e estudantis se reuniram em Aracaju para a construção de um ato pelo fim dos ataques ao povo palestino, devido ao crescimento da comoção internacional quanto às práticas viscerais e desumanas praticadas em Gaza e com seus habitantes. Como resposta a esse ato, no dia 6 do mesmo mês a bandeira de Israel foi hasteada junto às do Estado de Sergipe e do município de Aracaju no Palácio dos Despachos, sede do Governo Estadual.

Após certas denúncias e críticas do ato proferido, o governador Fábio Mitidieri veio a público declarar que o hasteamento foi feito a pedido da embaixada de Israel e classificou a ação como uma atitude solidária ao país, mas foi um “equívoco diplomático”.

“Há um mês nos somamos à indignação mundial e, assim como demais Estados da Federação, o Senado Federal e vários países, manifestamos nossa solidariedade a Israel pelos ataques terroristas sofridos, através do hasteamento da bandeira daquele país”, disse o alto representante do Governo, que nunca se manifestou ou prestou condolências em nenhum dos genocídios diários que ocasionam em centenas de vítimas pelas intervenções coloniais incessantes em território palestino.

A bandeira de Israel ficou por certo tempo hasteada em frente à sede do Governo de Sergipe Reprodução: Instagram.

Além desse ato de solidariedade, o atual Governo estadual buscou estreitar mais ainda seus laços com Israel no setor de segurança pública. Em novembro de 2024, foram investidos R$3,2 milhões em equipamentos destinados à polícia civil e militar. Dentre esses investimentos, R$ 1,7 milhão foram para a aquisição de 139 carabinas configuradas na plataforma AR-15, produzidas pela ex-estatal israelense Israel Weapon Industries Ltd, empresa que fornece armamento de forma sistemática aos soldados da IOF, que controlam a região de Gaza e praticam as ações arbitrárias com auxílio desses utensílios bélicos.

Nos dois anos anteriores, foram contabilizadas um total de 274 carabinas importadas da mesma empresa para a segurança pública de Sergipe. Conjuntamente, policiais sergipanos foram levados para um “curso de contraterrorismo” em Israel com policiais e membros do Exército nacional. Constata-se então um crescente alinhamento e subordinação econômica e diplomática ao discurso sionista dentro do Estado, o que busca perpetuar o senso comum quanto ao que ocorre atualmente em Gaza inibir o questionamento das ações desproporcionais de Israel e, ao contrário de repudiá-las, importar didaticamente seus portes e métodos de violência e crueldade militar, como, por exemplo o caso recente em que soldados da Força de Defesa de Israel mataram 70 palestinos que estavam buscando ajuda humanitária sob a justificativa de prevenção ostensiva, para serem utilizados em âmbitos estaduais.

Fábio Mitidieri durante entrega de armas à Polícia Militar de Sergipe. Reprodução: Instagram.

Já em julho de 2025, o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Inovação de Aracaju, Dilermando Garcia Ribeiro Júnior, esteve em missão oficial em Israel, participando do MUNI EXPO ISRAEL 2025, conferência de desenvolvimento econômico sediada no país. Devido à escalada inesperada do chamado conflito dos 12 dias, que se iniciou com bombardeios israelenses que executaram civis e membros do alto escalão militar do regime iraniano, Dilermando precisou se recolher às pressas em local seguro junto a outros representantes internacionais até conseguir retornar para o Brasil com esforços do Itamaraty e dos senadores sergipanos.

Representação pró-Palestina

Como um contraponto a todas essas coerções e movimentações locais para legitimação de Israel como um Estado democrático, pacífico e de progresso compartilhado, surgiu em Sergipe o Comitê Sergipano de Solidariedade Palestina.

Composto por professores e alunos da UFS, representantes partidários (incluindo o PCBR), artistas, sindicalistas e membros dos diversos setores sociais, essa união tem como objetivo promover ações culturais, formativas e políticas que conscientizem e convidem a população sergipana a entender e se compadecer contra o genocídio provocado por Israel e difundir, de forma alternativa à mídia tradicional as instituições sionistas, sobre a realidade palestina, através de uma perspectiva de valorização cultural e resistência de um povo que sempre é silenciado e marginalizado — principalmente em um período em que os ataques ostensivos sobre os palestinos aumentam dia após dia e o risco de planificação e ocupação completa de Gaza por parte do Estado Sionista é cada vez mais alarmante, seja pelas balas de seu exercito ou pelo novo plano de cessar-fogo proposto por Donald Trump que pretende marginalizar e desintegrar mais ainda a população local, sua história e cultura, caso aprovado.

A primeira ação de rua foi protagonizada no centro de Aracaju, que contou com a participação dos diversos movimentos e componentes do comitê, além de sergipanos que são solidários à causa palestina. O protesto trouxe diversos elementos visuais e críticos quanto às figuras de Donald Trump e Benjamin Netanyahu, Primeiro-ministro de Israel, além de pronunciamentos  sobre as problemáticas recorrentes que atingem os palestinos e a necessidade do rompimento de laços econômicos e diplomáticos entre Brasil e Sergipe com Israel. O ato fez com que, em julho de 2025, o comitê recebesse uma homenagem institucional através da deputada estadual Linda Brasil, dentro de uma sessão em homenagem aos refugiados e imigrantes em Sergipe. Essa consagração foi recebida pelo professor do Departamento de Relações Internacionais da UFS e membro do Centro de Estudos Árabes e Islâmicos de Sergipe (CEAI) Geraldo Adriano Godoy de Campos, um dos idealizadores do Comitê.

Professor Geraldo em discurso durante o ato em solidariedade a Palestina em Aracaju. Reprodução/Foto: Mangue Jornalismo.

Por uma ruptura completa

Torna-se visível que, apesar de majoritariamente existir dentro da semiótica e senso comum regional uma despolitização e desconhecimento quanto à história do povo palestino, existem caminhos alternativos que já estão sendo traçados e que abrem ideias para novas iniciativas contra-hegemônicas. Vivemos sob um véu ideológico nacional que mascara e distorce o nível mais clarificado de barbárie e desumanização do século XXI que já vitimou mais de 60 mil pessoas em apenas 18 meses. É prudente apresentar um discurso que contraponha o que é exposto pelo viés sionista e concentre cada vez mais pessoas pela causa palestina e pelo fim da ocupação e apartheid sistemático em Gaza, uma região em que centenas de pessoas, em sua maioria crianças e mulheres, morrem diariamente devido à fome, execuções, bombardeios, torturas e todo tipo de crueldade que se possa imaginar em nome de um projeto de dominação regional que relativiza as vidas inocentes perdidas e é ainda financiado, inclusive, com participação brasileira.

Casos como o da Dra. Alaa al-Najjar, que recebeu corpos carbonizados de 7 dos seus filhos no hospital em que trabalha devido a bombardeios na área de Qizan al-Najjar, no sul de Khan Younis, que mataram nove de seus 10 filhos, não devem ser mais ocultados ou invisibilizados; o povo sergipano precisa entender, por meio da ação política crítica e organizada contra ocupação na Palestina, a urgência de nosso Estado e país, muito mais que produzir falas ou discursos críticos, agir com concretude e romper intenções e laços econômicos e diplomáticos com Israel. Com isso, exterminarmos de nossa consciência e ciclo social o peso de que estamos sendo cúmplices e financiadores, mesmo que de forma “terceirizada”, do preconceito, do extermínio e naturalização do ódio étnico que é justificado e mascarado com desculpas fáceis e oportunidades de mercado.