Entre avanços tímidos e retrocessos: o desfecho da ADPF 635 no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) publicou a decisão final sobre a ADPF 635. Em um inédito voto consensual, a Corte revogou restrições essenciais às operações policiais nas favelas, favorecendo a lógica da guerra às drogas e contribuindo para o extermínio da população negra.

Reprodução/Foto: Agência Brasil.
No início de abril de 2025, o Supremo Tribunal Federal (STF) apresentou sua decisão final sobre a ADPF 635. Apelidada de "ADPF das Favelas", a ação foi proposta com o objetivo de obrigar o Estado do Rio de Janeiro a elaborar um plano para a redução da letalidade policial. Iniciada em 2019, a ação levou em consideração a elevada taxa de mortes violentas e o histórico das sistemáticas violações de direitos humanos cometidas pelas forças de segurança, como no caso da chacina do Jacarezinho, ocorrida durante a vigência das restrições da ADPF 635, que teve 28 mortes oficiais registradas e foi a mais letal da história na capital fluminense.
Desde sua proposição, a ADPF resultou em importantes decisões por parte do STF visando conter a violência policial, entre elas, a suspensão de operações policiais durante a pandemia de COVID-19. No entanto, na recente decisão final, que contou com um inédito voto consensual entre os ministros, a Corte retrocedeu em diversos pontos essenciais. Foi retirada, por exemplo, a proibição de operações policiais nas proximidades de escolas, creches, hospitais e postos de saúde. Da mesma forma, a utilização de helicópteros como plataforma de tiros voltou a ser permitida. A definição sobre o tipo de armamento a ser utilizado nas operações retornou à alçada das forças de segurança, cabendo ao Judiciário apenas o controle posterior. Entre os poucos avanços mantidos pela decisão estão a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais e em viaturas policiais, a exigência de maior produção de dados sobre as operações e a necessidade de garantir autonomia às perícias técnicas em relação às forças de segurança envolvidas.
Outro notável retrocesso da decisão foi a determinação para que o Estado do Rio de Janeiro apresente um plano de reocupação territorial das áreas sob domínio de organizações criminosas. Com isso, a ADPF – inicialmente proposta para conter a violência policial – terminou por impulsionar a ocupação das comunidades pelas forças policiais, nos moldes das fracassadas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). Mais de quinze anos após sua implementação, as UPPs não concretizaram suas promessas. O resultado desse modelo de segurança pública foi o aumento da violência em outras regiões do estado, a intensificação dos confrontos armados que colocaram em risco os moradores das favelas e o avanço das milícias. Um caso emblemático desse fracasso é o de Amarildo, trabalhador da Rocinha, detido, torturado e morto por policiais durante a instalação de uma UPP em 2013.
Ainda no início de 2025, antes da publicação da decisão final sobre a ADPF das Favelas, o ministro Edson Fachin destacou a redução da letalidade policial no Rio de Janeiro como consequência direta das decisões anteriores da Corte. De fato, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), as mortes decorrentes de intervenção policial no estado caíram 52% entre 2019 e 2023, passando de 1.814 para 871 registros. Essa queda ocorreu mesmo com o aumento contínuo do número de operações, que chegou a 1.966 em 2024. Contudo, ao revogar as restrições mais relevantes às ações policiais, contrariando o caminho até então adotado, a decisão final da ADPF das Favelas concede um aval para o avanço da violência policial sobre as comunidades, reforçando a lógica da guerra às drogas e o extermínio da população negra.
Segundo dados oficiais, em 2024, o Rio de Janeiro ocupou o terceiro lugar entre os estados brasileiros com maior número de mortes causadas por ações policiais, totalizando 699 vítimas. No mesmo ano, 57 crianças e adolescentes foram atingidos por armas de fogo no estado, sendo 19 mortos. Apesar desses números alarmantes, o STF concluiu na ADPF das Favelas que o Estado do Rio de Janeiro demonstra um "compromisso significativo com a cessação das violações" e rejeitou a tese, apresentada anteriormente pelo ministro Fachin, de que haveria um "estado de coisas inconstitucional". O governador Cláudio Castro comemorou a decisão, afirmando que "venceu a segurança pública".
A decisão final da ADPF das Favelas insere-se em um contexto de avanço do populismo penal e de posições reacionárias, inclusive por setores do chamado campo progressista. Ela dá continuidade à linha estabelecida pela PEC da Segurança Pública, do governo Lula-Alckmin, e pela recente decisão do STF que autorizou a criação das "Polícias Municipais". Tais medidas têm em comum o fortalecimento do poder das corporações policiais e das técnicas de controle social exercidas pela burguesia sobre os trabalhadores.
O desfecho da ADPF das Favelas demonstra que a solução para a violência policial não pode ficar a cargo da institucionalidade burguesa. É necessário transformar o tema em um debate de massas, pautado pelos interesses reais da classe trabalhadora.