Governo Lula e iniciativa privada celebram leilão de florestas para exploração

O governo federal concedeu quatro lotes da Floresta Nacional do Jatuarana a empresas privadas para o questionável “manejo”, com contratos que podem durar até 40 anos.

26 de Junho de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Rogério Cassimiro/MMA

Por Lucas Ultracultura

No dia 21 de maio, o governo por meio do Ministério do Meio Ambiente (MMA) e o Serviço Florestal Brasileiro (SFB), realizou a “concessão" de quatro lotes na Floresta Nacional do Jatuarana. Dos seus 570,1 mil hectares, 453,4 mil estão incluídos na concessão, o que equivale a três estados de São Paulo, o acordo tem prazo de até 40 anos.

As vencedoras do leião foram a OC Prime Madeiras, E. Duarte da Silva LTDA e Brasil Tropical Pisos. A projeção é que a receita fique na ordem dos R$151,65 milhões por ano. E que até 2027 passemos de 1,75 milhão de hectares para 5 milhões de hectares concedidos para manejo e reflorestamento.

Nos últimos anos a Amazônia vem sofrendo uma verdadeira “política de pilhagens”, onde criminosos da grilagem, do desmatamento e da mineração tanto a nível local como internacional, junto a  seus lacaios políticos vem elaborando mil e uma formas de “monetizar” cada vez mais a floresta, enquanto isso, órgãos ambientais como o IBAMA e o ICMBio, sofrem com escassez de recursos humanos e financeiros necessário para fazer a fiscalização da biodiversidade que compõem as Florestas Nacionais (FLONAS).

Nesse balaio de interesses a floresta Amazônica chega à Bolsa de Valores.

A privatização foi aclamada e propagandeada por políticos locais. Segundo informações do portal RESET, o prefeito de Apuí, Antônio Maciel Fernandes, destacou que  "representa um marco, pois permitirá a criação da primeira atividade industrial no município, com baixo impacto ambiental". O cacique Leucir Carijó, da aldeia Crixi Muüyba, também manifestou otimismo: “Estamos felizes porque isso vai impulsionar a economia local”.

A própria ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, declarou apoio à iniciativa, justificando a validade do empreendimento pelo interesse genuíno dos investidores na riqueza da região e pela competitividade do processo: “Cada bloco ofertado teve pelo menos quatro empresas concorrendo. Isso reforça a credibilidade não apenas pela transparência, mas porque mostra que o manejo é promissor nos aspectos ambiental, econômico e social”. Já Renato Rosenberg, diretor de concessões do Serviço Florestal Brasileiro, reforçou essa visão ao afirmar que o manejo florestal proporciona uma exploração “cirúrgica” da floresta, aliando conservação ambiental ao desenvolvimento econômico das comunidades locais.

Apesar das promessas de desenvolvimento e de uma gestão mais eficiente por meio da exploração privada, a realidade nas florestas concedidas conta uma outra história – marcada por irregularidades, fiscalização precária e pressão crescente sobre os territórios.

Segundo Serviço Florestal Brasileiro (SFB), até 2020 uma área total de 1 milhão de hectares de florestas públicas estava sob concessão federal, dividida em 18 unidades de manejo localizadas em seis Florestas Nacionais (Flonas): três na Flona do Jamari (RO), quatro na Flona de Saracá-Taquera (PA), duas na Flona de Jacundá (RO), duas na Flona do Crepori (PA), quatro na Flona de Altamira (PA) e três na Flona de Caxiuanã (PA).

Casos emblemáticos evidenciam os limites e os impactos negativos das concessões florestais. Na Floresta Nacional (FLONA) do Jamari (RO), por exemplo, o Tribunal de Contas da União identificou falhas no monitoramento das concessões já em 2014. Situação semelhante ocorreu durante a Operação Handroanthus, realizada pelo IBAMA em 2021, que revelou extração ilegal de madeira dentro da Flona Saracá-Taquera (PA), apontando para brechas na fiscalização.

Além das irregularidades ambientais, há também graves conflitos com comunidades tradicionais. Na Flona do Crepori (PA), seringueiros que vivem há décadas na região não foram oficialmente reconhecidos, sendo ignorados nos processos de concessão. Já na Flona Saracá-Taquera (PA), o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) omitiu deliberadamente informações sobre a presença de comunidades tradicionais nos planos de manejo. As consequências dessas omissões incluem desmatamento, invasão de territórios, perda de recursos naturais e restrição às atividades de subsistência, como a caça e a pesca.

Problemas similares também ocorrem em Florestas estaduais, como a Floresta Estadual do Paru (PA), onde extrativistas de balata vêm sendo ignorados nas decisões sobre uso e manejo da floresta. Esse cenário impõe às populações tradicionais uma lógica de empreendedorismo que, além de precarizar o trabalho, desconfigura práticas culturais e modos de vida.

Além da permissividade institucional proporcionada pelo governo, a concorrência desleal com o manejo ilegal torna-se um incentivo adicional para a maximização do lucro sobre os recursos florestais, tanto por meios legais quanto ilícitos.

Essa realidade é evidenciada pela Operação Arquimedes, deflagrada para combater a extração ilegal de madeira na Amazônia. A ação resultou na expedição de 23 mandados de prisão preventiva, seis de prisão temporária e 109 mandados de busca e apreensão, cumpridos em diversos estados do país, incluindo Amazonas, Acre, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais, Rondônia, Roraima, São Paulo e Distrito Federal.

Além disso, foram autorizados bloqueios de mais de R$50 milhões nos CNPJs das empresas investigadas e outras 18 medidas cautelares, pelos crimes de falsidade ideológica no sistema DOF, falsidade documental nos processos de concessão e fiscalização de PMFS (Plano de Manejo Florestal Sustentável), extração e comércio ilegal de madeira, lavagem de bens, direitos e valores, corrupção ativa e passiva e de constituição de organização criminosa. 

A operação escancarou a dimensão e a ramificação das redes criminosas envolvidas na exploração ilegal de madeira, revelando como práticas ilegais continuam a operar paralelamente - e, muitas vezes, com maior facilidade - que os sistemas de concessão oficialmente instituídos. E a ainda na Flona do Jamari em Rondônia tivemos o caso da quadrilha que cobrava “pedágio” para madeireiros extraírem madeira de forma ilegal.

A instalação de empreendimentos em áreas concedidas, como as FLONAs, traz impactos ambientais significativos desde os primeiros passos. A construção de estradas sem qualquer tipo de planejamento integrado atropela a vida local, gerando uma ocupação humana acelerada tanto dentro quanto ao redor das florestas, alterando profundamente os modos de vida da região.

A lógica que sustenta esses projetos é clara: tanto a devastação quanto o reflorestamento são vistos como oportunidades de lucro, impulsionadas por mecanismos como o mercado de carbono. Esse sistema, porém, nada mais é do que uma estratégia dos países ricos para continuar poluindo, ao passo que transferem subsídios para elites dos países periféricos que, em troca, entregam suas florestas. Isso ocorre com o desrespeito às leis nacionais de preservação e com a conivência de governos locais, servindo aos interesses do capitalismo imperialista e forçando comunidades originárias a se adaptarem à lógica do empreendedorismo, ou, quando isso não ocorre, sendo esmagadas pela concorrência imposta pelo grande capital.

Dentro desse contexto, chama atenção o resultado da concessão da  Floresta Nacional do Jatuarana. Com 194 mil hectares, a maior unidade leiloada foi arrematada pela E. Duarte da Silva LTDA (Madeireira Gedai), única empresa do Estado do Amazonas a vencer uma área. A empresa, que atua em Manicoré, ofereceu uma outorga fixa de R$ 5 milhões e superou quatro concorrentes. Ficou nacionalmente conhecida em 2023, quando esteve no centro do escândalo batizado de "O cangaço de Santo Antônio do Matupi", no qual um ex-grileiro denunciou um esquema de extração ilegal de madeira em Terras Indígenas cortadas pela rodovia Transamazônica, no Amazonas.

A segunda maior área leiloada, com 176 mil hectares, ficou com a OC Prime Madeiras, que venceu sete concorrentes ao oferecer uma outorga de R$ 4 milhões. Já as duas menores áreas foram arrematadas pela empresa Brasil Tropical Pisos, ambas sediadas no Mato Grosso. Sobre essas últimas, há pouca informação pública disponível além dos perfis de seus proprietários no LinkedIn, o que levanta questionamentos sobre a transparência e o histórico das empresas que operam dentro das florestas públicas.

O impacto dessas concessões e da política ambiental vigente já é visível. De acordo com dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o desmatamento da Amazônia aumentou 92% entre maio de 2024 e maio de 2025. A área desmatada saltou de 500 km² para 960 km² em apenas um ano.

Enquanto isso, no Congresso Nacional, projetos avançam para facilitar ainda mais esse tipo de exploração. Em nome da desburocratização e do suposto incentivo ao investimento, discutem-se alterações que flexibilizam contratos de concessão. Um exemplo alarmante é o Projeto de Lei do Licenciamento Ambiental, conhecido como PL da Devastação, que propõe o desmonte dos mecanismos de controle ambiental, permitindo que empresas dispensem estudos prévios de impacto ambiental em diversos empreendimentos. Mais grave ainda, a proposta autoriza a emissão automática de licenças com base unicamente na autodeclaração dos empreendedores.

Diante desse cenário caótico, especialistas alertam que o tempo é curto. Restam poucos meses para o reforço de ações de fiscalização e a preparação para o período seco, época em que a situação tende a se agravar. Se nenhuma medida for tomada, ou se a devastação aumentar, os danos podem ser irreversíveis.