Fundo Amazônia: países que destroem a região estão entre os maiores doadores
Noruega doou US$ 60 milhões ao Fundo em 2024, enquanto a norueguesa Norsk Hydro, envolvida em sete desastres ambientais nas últimas décadas, lucrou US$ 450 milhões com exploração de minérios no Pará no mesmo ano.

Refinaria Hydro-Alunorte em Barcarena (PA) após vazamento da bacia de rejeitos, em fevereiro de 2018. Reprodução/Foto: Pedrosa Neto.
Em novembro de 2024, a Noruega anunciou uma nova doação de US$ 60 milhões ao Fundo Amazônia. No evento, o primeiro-ministro norueguês Jonas Gahr Støre declarou que o país estaria “ajudando a proteger um dos ecossistemas mais importantes do planeta”. Já a mineradora norueguesa Norsk Hydro, entre as principais responsáveis pela exploração de bauxita no norte do país e envolvida em pelo menos sete desastres ambientais na região, lucrou US$ 453 milhões no mesmo ano. O governo da Noruega figura como acionista majoritário da Hydro, com mais de 34% das ações da empresa.
Maior produtora de alumínio no Brasil, a Norsk Hydro opera através de três subsidiárias principais: a Mineração Paragominas (MPSA), responsável por extrair a bauxita na cidade de Paragominas, norte do Pará, e transportá-la até as instalações da Alunorte, outra subsidiária que processa o minério em Barcarena (PA), extraindo a alumina. Já a Albras, a partir de sua planta em Barcarena, produz e exporta ligas e lingotes de alumínio a partir da alumina. A Albras e a Alunorte pertenciam à Vale até 2010, quando a mineradora brasileira vendeu a maior parte das ações à Hydro, tornando-se sócia minoritária das duas empresas. Atualmente a refinaria de Barcarena é a maior do mundo fora da China.
Dentre os principais desastres ecológicos de responsabilidade do complexo industrial Albras/Alunorte, destacam-se o derramamento de carvão mineral no Rio Pará em 2002; o estouro do tanque de soda cáustica da Alunorte, contaminando o Rio Pará em 2003 e novamente em 2005; e quatro vazamentos de lama vermelha das bacias de rejeitos da Alunorte no Rio Murucupi em 2003, 2009 e 2018, que também inundaram parte da cidade com lama e contaminaram outros rios e igarapés com rejeitos de bauxita, comprometendo as fontes de água potável da população local.
Apesar disso, reportagem da ONG Salve a Floresta de setembro do ano passado denunciou que a Norsk Hydro estaria desmatando a floresta amazônica na região dos municípios de Tomé-Açu e Acará (PA) para instalar um novo mineroduto para o transporte de bauxita, ao lado da tubulação já existente. Segundo relato de moradores, as obras estariam poluindo os afluentes do Rio Acará com sedimentos.

Registro das obras de duplicação do mineroduto da Norsk Hydro, em setembro de 2024. Reprodução/Foto: Movimento IRQ.
Outro grande contribuinte para a preservação da Amazônia é a França. Embora não tenha doado para o Fundo, o presidente francês Emmanuel Macron assinou um acordo com o governo brasileiro que estabelece um programa de investimentos na bioeconomia da Amazônia brasileira e da Guiana Francesa. A proposta é arrecadar, entre investimentos públicos e privados, cerca de € 1 bilhão em quatro anos.
Por outro lado, a mineradora francesa Imerys é mais uma empresa instalada na região, dona da maior fábrica de beneficiamento de caulim (uma argila de cor branca utilizada em produtos como plástico, borracha, porcelana, vidros, tintas, pesticidas e cosméticos) do mundo também em Barcarena.
A Imerys, que teve lucro de € 196 milhões apenas em 2024, é apontada como responsável por um total de nove desastres ambientais na região. Dentre eles, seis vazamentos de caulim a partir da bacia de rejeitos entre 2004 e 2016, contaminando o Rio Pará, além do rompimento de um duto com efluentes ácidos em 2011, que contaminou os igarapés Curuperé e Dendê, e um incêndio nas instalações da mineradora em 2021 que atingiu a cidade com uma nuvem de fuligem.
Amazônia saqueada: mineração, capitalismo e dominação
Os minérios extraídos do Brasil por esses países e a riqueza monetária que eles geram é superior a qualquer financiamento ao Fundo Amazônia. Além do mais, essa relação predatória devasta a vida da população local e contribui para a crise climática. Até 2018, a Norsk Hydro respondia a 2 mil processos judiciais por danos ambientais e à população local. Já moradores atingidos pela fumaça tóxica do incêndio no galpão da Imerys relataram diversos problemas de saúde, incluindo uma mulher grávida de dois meses à época que afirma ter dado à luz prematuramente em decorrência da inalação de componentes químicos.
Embora a mineração seja frequentemente justificada pelos governos a partir do seu potencial de desenvolvimento econômico, os benefícios gerados não chegam às comunidades locais. As cidades que abrigam essas operações, como Barcarena, que apresenta um dos piores índices de desenvolvimento humano (IDH) no Pará, continuam a enfrentar altos níveis de pobreza, desemprego e precariedade nos serviços públicos.
“Soberania não é papo pra depois”
Conforme dados do CEFET (Centro Federal de Educação Tecnológica), entre 2000 e 2015 a mineração foi responsável por 10% de todo o desmatamento da Amazônia, com maiores atividades no Pará. Para além da urgente necessidade de reestatizar empresas como a Vale e até mesmo impedir que as corporações estrangeiras explorem a região, é necessário regular as atividades industriais conforme a necessidade do povo e garantir que os direitos das populações locais sejam respeitados. Mas isso não será realizado pelo estado burguês atual, mas sim pela mobilização do povo na construção do poder popular.
Deve-se também questionar a base do sistema econômico capitalista, pois mesmo sob a estatização, os riscos ambientais são iminentes. Sob esse modelo, o lucro sempre estará acima da vida, e tragédias ambientais como as de Barcarena se tornarão comuns. O capitalismo já demonstrou que até mesmo a mineração estratégica está sujeita à degradação socioambiental. Nesse sistema, a destruição ecológica e o impacto sobre comunidades são tratados como efeitos colaterais aceitáveis da exploração desenfreada da natureza. Portanto, a luta pelo socialismo é necessária.
O Brasil precisa construir uma soberania nacional que priorize a reestruturação dos biomas e o enfrentamento da crise climática. O país já teria condições de ser autossuficiente em relação ao processo disposto de degradação do meio ambiente se os recursos atualmente destinados ao agronegócio e a burguesia nacional fossem aplicados na recuperação dos ecossistemas e no fortalecimento da agricultura familiar e das comunidades tradicionais, na estatização de empresas estratégicas e do fim de acionistas estrangeiros em empresas públicas, bem como, o fim do teto de gastos que limita a destinação de recursos à mitigação dos efeitos da mudança do clima. Nesse cenário, o Brasil não dependeria de financiamentos externos que reforçam sua subordinação a países estrangeiros.
Se os países imperialistas que doam para o Fundo Amazônia como Noruega, Alemanha e Estados Unidos estivessem preocupados com o meio ambiente, os seus empreendimentos minerais e setor energético não seriam aplicados nos países periféricos. Esses países podem até diminuir a passos de jabuti suas emissões de gases de efeito estufa em seu próprio solo, mas causam aumento das emissões e degradação da vegetação e rios em países subdesenvolvidos.
Essa redução simbólica revela, na verdade, que as potências imperialistas já esgotaram boa parte de seus próprios recursos, como minérios e petróleo, e agora expandem sua busca por matérias-primas pelo restante do mundo. A tudo isso, soma-se a lógica da superexploração da força de trabalho nos países explorados, onde a devastação ambiental anda lado a lado com a precarização da vida.
Em 2024, o Fundo Amazônia bateu recorde de R$882 milhões em aprovações de projetos, mas esse valor representa apenas 0,22% do Plano Safra 2024/2025. Isso expõe a contradição de uma gestão do governo Lula-Alckmin que tenta equilibrar, de forma abstrata, o discurso ambiental com a prioridade dada ao agronegócio e a subordinação do país ao imperialismo, fazendo concessões à burguesia interna brasileira enquanto acena com alguns trocados a políticas públicas que irão chegar até algumas áreas degradadas, mas que nem por um momento romperão com essa arquitetura da destruição.