Do MBL aos EUA: a engrenagem política por trás da criminalização da cultura periférica

Parlamentares ligados ao MBL vêm impulsionando projetos de lei conhecidos como “Anti-Oruam”, que restringem o uso de recursos públicos para contratação de artistas acusados de fazer apologia ao crime ou incentivar o uso de drogas.

18 de Junho de 2025 às 21h00

Multidão recebe Poze do Rodo em sua soltura. Reprodução/Foto: Victor Chapetta/Agnews.

Na atual conjuntura política brasileira, parlamentares ligados ao Movimento Brasil Livre (MBL) vêm protagonizando uma verdadeira cruzada em dezenas de municípios do país com o objetivo de aprovar projetos de lei apelidados de “Anti-Oruam”. Sob o pretexto de proibir o uso de recursos públicos na contratação de artistas que supostamente incentivem o uso de drogas ou façam apologia ao crime organizado, essas iniciativas promovem a criminalização das expressões culturais periféricas, reforçando estigmas históricos e alimentando o pânico moral em torno da juventude negra. Essa estratégia de ataque à cultura das periferias encontra paralelo na recente prisão do MC Poze do Rodo — fato marcado pela seletividade penal e pela perseguição a vozes que emergem dos territórios marginalizados.

Para além da já conhecida tática de desviar o foco dos debates centrais sobre segurança pública — uma vez que as raízes da violência e da criminalidade no Brasil estão muito distantes das manifestações artísticas — essas iniciativas legislativas e prisões arbitrárias fazem parte de um projeto mais amplo de intensificação da intervenção imperialista no país.

Desde os anos 1980, com o declínio da Guerra Fria, a chamada “guerra às drogas” passou a substituir o combate ao comunismo como justificativa para a intervenção dos Estados Unidos na América Latina. A retórica do narcotráfico como ameaça à segurança regional tem sido usada para justificar golpes de Estado, intervenções militares e a instalação de bases das Forças Armadas norte-americanas no continente. Agora, com o reforço de narrativas como a dos "MCs criminosos", essa lógica segue sendo alimentada: perpetua-se a construção do inimigo interno — jovem, negro, pobre — como justificativa para políticas de repressão interna e para o aprofundamento de intervenções militares externas.

Há, nesse cenário, uma clara divisão de tarefas. Grupos como o MBL atuam no plano ideológico e cultural, promovendo uma narrativa de medo e desumanização da juventude periférica. O imperialismo, por sua vez, capitaliza sobre esse consenso fabricado para expandir sua influência política e militar. Em maio de 2025, representantes do governo dos Estados Unidos se reuniram com autoridades brasileiras e propuseram que o país passe a classificar organizações criminosas ligadas ao tráfico como "grupos terroristas". Essa mudança abriria caminho para uma série de medidas graves: desde sanções econômicas até ações diretas de forças estrangeiras em território nacional, sob o argumento de combate ao “narcoterrorismo”.

Os governos locais, de forma coordenada com esse projeto imperialista, também cumprem seu papel na implementação dessa agenda. Após visita a Nova York, em maio de 2025, onde se reuniu com representantes da Divisão da Agência de Repressão às Drogas (DEA), o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, passou a defender publicamente a associação do tráfico ao terrorismo. A visita ocorreu em meio às discussões sobre a classificação das facções fluminenses como “narcoterroristas”. Segundo o governador, o objetivo seria firmar parcerias com os EUA no combate ao tráfico, além de atrair investimentos. Na prática, contudo, tal política aprofunda a subordinação nacional, legitima leis de exceção e abre caminho para operações espetaculosas com helicópteros e armamentos de guerracujo saldo tem sido o extermínio sistemático da juventude negra e pobre.

Outras lideranças da extrema direita também endossam essa agenda subordinada aos interesses imperialistas. Em maio de 2025, o senador Flávio Bolsonaro defendeu que o governo do Rio de Janeiro envie aos Estados Unidos um relatório detalhando a expansão do tráfico de drogas e suas conexões internacionais — gesto interpretado como uma clara demonstração de subserviência. Na mesma linha, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, afirmou que o crime organizado deve realmente ser tratado “como grupo terrorista”. As declarações evidenciam a profunda convergência de setores do poder público brasileiro com a pauta intervencionista dos Estados Unidos.

Diante desse cenário, é urgente deslocar o eixo do debate sobre segurança pública. É preciso enfrentar as verdadeiras causas da violência urbana, como o desemprego, a precarização dos serviços públicos e o encarceramento em massa. Não podemos permitir que o debate seja pautado pela criação de pânicos morais contra as expressões artísticas da periferia, que muitas vezes são as únicas vozes a denunciar as violências praticadas pelo próprio Estado. Tampouco podemos admitir qualquer forma de intervenção imperialista em nosso território, disfarçada de colaboração no combate ao crime.