Prisão de MC Poze escancara a seletividade penal e a perseguição contra a cultura periférica

A criminalização de Poze do Rodo segue a mesma lógica que já vitimou outros MCs e artistas negros, como é o caso da recente tentativa de censura ao rapper Oruam, a partir de projetos de lei como a chamada “Lei anti-Oruam”, que proíbe conteúdos que supostamente façam apologia ao crime em shows financiados com recursos públicos.

2 de Junho de 2025 às 0h00

Reprodução/Foto: O Globo.

Nesta quinta-feira (29), o MC Poze do Rodo, um dos mais influentes artistas do funk e trap carioca, foi preso pela Polícia Civil no Rio de Janeiro. Em vídeos que circulam na internet, é possível ver Poze sendo conduzido à Cidade da Polícia algemado, sem camisa e descalço. O cantor, que foi preso em casa e não apresentou nenhuma resistência, foi tratado com truculência por parte das forças policiais do Estado do Rio de Janeiro.

Segundo a Polícia Civil, o cantor é acusado de associação ao tráfico e apologia ao crime. As provas? A estética de suas joias, letras de músicas que retratam a realidade das favelas e a realização de shows em bailes funk em comunidades.

A alegação oficial de que as músicas do artista fariam apologia ao crime, especialmente ao Comando Vermelho é, no mínimo, arbitrária. Em suas redes sociais, o artista MC Cabelinho se manifestou:

“Quando eu atuei na novela das 9 e eu fiz uma papel de traficante, em Amor de Mãe, na Globo, era arte, né? Quando eu fiz um papel de bandido na novela Vai na Fé, das 7, da Globo, era arte. Quando o roteirista escreve a vida de um traficante e relata o que acontece na favela, é arte. Agora, quando um MC, funkeiro, favelado, relata a realidade, o que acontece na favela nas músicas dele, é apologia ao crime. Vocês percebem o quanto isso é subjetivo? Agora, quem decide isso? Quem decide o que apologia ao crime ou não? Sou eu é você? Quem decide isso é um desembargador, um juiz, um político, branco, racista que não gosta de nós…”

Além de Cabelinho, dezenas de outros artistas do funk e do rap vem se manifestando em solidariedade ao MC Poze e denunciando a arbitrariedade de sua prisão.

A justificativa dada por Filipe Cury, chefe da Polícia Civil do Rio, beira o absurdo: segundo ele, as músicas de MC Poze seriam “mais lesivas que o tiro de um fuzil disparado por um traficante”. Tal comparação revela a distorção da lógica punitivista que impera na segurança pública brasileira: enquanto artistas periféricos são tratados como criminosos por expressarem sua vivência em versos, membros da elite econômica, quando cometem crimes de colarinho branco, raramente conhecem uma cela.

A seletividade penal se manifesta com clareza neste caso. O Estado, que historicamente abandona as favelas e nega direitos básicos a seus moradores, aparece com força total para reprimir a cultura local. O funk, gênero nascido nas comunidades como forma de resistência, é tratado como prova criminal. A criminalização de Poze do Rodo segue a mesma lógica que já vitimou outros MCs e artistas negros, como é o caso da recente tentativa de censura ao rapper Oruam, a partir de projetos de lei como a chamada “Lei anti-Oruam”, que proíbe conteúdos que supostamente façam apologia ao crime em shows financiados com recursos públicos.

A prisão do artista é, portanto, um retrato da forma como o racismo estrutural e a desigualdade social moldam o sistema penal no Brasil. Enquanto isso, o funk segue sendo resistência. MC Poze do Rodo, com todos os ataques que sofre, continua sendo símbolo de superação, voz da favela e espelho de uma juventude marginalizada pelo capitalismo brasileiro, mas que ainda acredita na potência da música como forma de transformação social.