Malha ferroviária brasileira é entregue à iniciativa privada
Discursando sobre soberania nacional, governo Lula enfrenta movimento sindical para privatizar malha ferroviária brasileira.

Lula considera Rui Costa “quase um primeiro-ministro” e atribui a ele parte do sucesso do governo - Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert/PR
Por trás dos discursos e dos milhões de reais investidos nas campanhas publicitárias em defesa da “soberania nacional”, o governo Lula promove uma onda de privatizações de empresas estatais e entrega a malha ferroviária brasileira à iniciativa privada. O metrô de Recife é um dos principais alvos neste momento, já tendo prazo estabelecido para sua venda. Enquanto a população recifense paga caro (R$4,25) para andar num metrô lotado, inseguro e precário, o Governo Lula decide por não investir o dinheiro público na melhora do serviço. Mas não é por falta de verbas: só depois de privatizar o metrô é que serão investidos 3 bilhões de reais com recursos do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O que falta, na verdade, é o compromisso do governo com a soberania nacional e os interesses da classe trabalhadora.
Lula e Raquel Lyra estão trabalhando para acelerar o processo de privatização. O Governo Federal já autorizou a transferência da operação, gestão e manutenção da rede metroviária à iniciativa privada. Agora, de parte do Governo Federal, caberá não só transferir ao governo de Pernambuco todos os bens e direitos sobre o metrô de Recife, como também injetar um incentivo bilionário para a empresa que arrematar a concessão no leilão que deve ser promovido por Raquel Lyra até a metade de 2026. Até a conclusão do processo, a situação do serviço seguirá agonizando.
No dia 13 de agosto, uma quinta-feira, o presidente da república visitou o Recife e foi recebido com as linhas de metrô totalmente paralisadas. O Sindimetro-PE convocou uma greve de 24 horas para denunciar a privatização e exigir uma mesa de diálogo. O movimento teve ampla adesão da categoria. O Governo Federal recebeu em mãos uma carta com a posição do sindicato, mas não cedeu um palmo à pressão. A resposta dada por Jader Filho (MDB), ministro das Cidades, foi que os empregos dos servidores da CBTU serão preservados, mas o compromisso do governo é “garantir um serviço de qualidade no metrô”.
Thiago Mendes, vice-presidente do Sindimetro-PE, falou à reportagem que o governo vem tentando confundir a opinião pública com esse tipo de declaração. “Eles tentaram dar a entender, na imprensa, que a gente estava satisfeito com esse processo, porque em teoria estaríamos com empregos garantidos. Mas não é bem isso. Temos feito um grande enfrentamento a esse processo, fazendo uma denúncia muito robusta e assertiva”, aponta. “A gente quer que o metrô seja moderno e que ele atenda a necessidade da classe trabalhadora da Região Metropolitana de Recife, inclusive com uma nova forma de governança e a tarifa-zero”.
Os trabalhadores metroviários estão na linha de frente da resistência à privatização. Há anos enfrentam o desinvestimento proposital e sistemático dos sucessivos governos com a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), estatal que opera o metrô de Recife e de outras três capitais nordestinas. Agora, o Sindimetro-PE intensificou ainda mais sua campanha de denúncias e busca dialogar com a população sobre os efeitos da privatização.
As iniciativas de agitação vão desde o “Café com o usuário”, em que os sindicalistas distribuem gratuitamente panfletos e café da manhã nas estações, até a contratação de outdoors, onde denunciam o governo Lula e comparam sua política com a de Bolsonaro. Contudo, foi na internet que a campanha passou a ter mais visibilidade, especialmente quando Jones Manoel (PCBR) passou a ecoar a denúncia e cobrar posicionamentos mais firmes de parlamentares, comunicadores e políticos em geral.
Além disso, o Sindimetro-PE está se articulando tanto com suas “entidades-irmãs” noutros estados, como é o caso do Sindimetro-RS e Sindimetro-SP, os quais estão passando por processos semelhantes, quanto com trabalhadores de outras empresas estatais ameaçadas de privatização, como é o caso da Companhia Pernambucana de Saneamento Básico, cuja aliança deu origem à Frente Estadual de Luta contra as Privatizações em Pernambuco.
“O sindicato vem tentando unificar o máximo de aliados. Por isso, ajudamos a criar a frente de luta contra as privatizações. Temos qualificado o debate da mobilidade urbana tendo foco o metrô. Por exemplo, vamos fazer um debate na universidade sobre o impacto da privatização na política de permanência estudantil”, relata Thiago. “Também dialogamos com a pauta do fim da escala 6x1, discutindo o que iria melhorar na vida dos trabalhadores ter um metrô público de qualidade”.

Outdoor veiculado em pontos estratégicos de alta circulação em Recife - Reprodução/Imagem: Sindimetro-PE.
Privatização dos metrôs: uma linha de continuidade
A entrega do patrimônio público para a iniciativa privada não é obra de um ou outro presidente. É, na verdade, parte do projeto de nação da burguesia, classe que domina a sociedade brasileira e, portanto, que permanece ditando as regras enquanto trocam os representantes políticos de quatro em quatro anos. A partir da Constituição de 1988, os sucessivos governos, mesmo aqueles que pareciam mais rivais, construíram juntos um arcabouço jurídico para entregar as estatais brasileiras e amarrar os investimentos públicos do Estado.
Collor, Itamar, Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma, Temer, Bolsonaro e Lula novamente, cada um deu sua contribuição para a atual estrutura privatista. Os três primeiros, durante os anos 1990, lançaram a primeira versão do Programa Nacional de Desestatização (PND) e suas respectivas regulamentações. No primeiro governo Lula, lança-se nova regulamentação sobre as PPPs, que depois será utilizado pelo governo golpista de Michel Temer ao lançar o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), estabelecendo procedimentos e prioridades para as privatizações. O governo Bolsonaro dá continuidade e adiciona novas áreas de interesse de privatização, incluindo, dentre outras, as empresas Trensurb e CBTU na lista do PND.
O novo governo Lula, logo que assume, não só aumenta o rol de áreas de interesse do PPI (adicionando educação, saúde, segurança pública e sistema prisional, parques públicos e outros), como está levando a frente as privatizações não realizadas nos governos anteriores. Em 2024, mesmo com intensa mobilização dos metroviários, o governo Lula se recusou a retirar a Trensurb e a CBTU do PND. Mesmo com falsas promessas de retirada, ambas as estatais continuaram na lista de privatização, e os estudos e modelagem da sua venda junto ao BNDES seguiram até o ponto em que estão agora.
Para privatizar o metrô de Recife e de Porto Alegre, Lula não cumpre suas promessas de campanha, se inspira na privatização executada por Bolsonaro em Belo Horizonte, e caminha de mãos dadas com Raquel Lyra sobre a “Ponte para o futuro” do golpista Michel Temer. A luta pelo metrô público demonstra, mais uma vez, uma linha de continuidade entre os diferentes governos, cujo ponto em comum é o programa da burguesia brasileira e seus aliados internacionais – são estes os principais interessados na venda do patrimônio público, pois enxergam nele grandes fontes de lucros. Não por outro motivo, quem vence os leilões são alguns fundos de investimentos cujos acionistas vivem de renda e tem como único objetivo aumentar ao máximo este rendimento, sem se preocupar com a qualidade do serviço, como é o caso de Belo Horizonte
Governo Federal continua as privatizações de Bolsonaro
Em agosto, o ministro da Casa Civil Rui Costa reafirmou o compromisso do governo em privatizar o metrô, sob a justificativa que esta solução vai “melhorar o serviço”, tomando como exemplo os casos de Belo Horizonte, Salvador, São Paulo e Rio de Janeiro, este último com a passagem mais cara do Brasil (R$ 7,90).
No caso da capital mineira, cuja privatização foi realizada por Bolsonaro, Paulo Guedes e Romeu Zema em 2023, a população relata que o serviço só encareceu e piorou, acarretando na queda do número de usuários. Além disso, a empresa que assumiu a operação do metrô realizou um programa de demissão coletiva, desligando mais de 250 funcionários em menos de um ano, sem negociação com o sindicato. Nas costas dos metroviários e da população, a empresa busca ao máximo reduzir os custos da operação, para se apropriar de uma fatia ainda maior dos recursos públicos que recebe pela concessão.
O modelo que é exemplo para o atual Governo Federal não só entregou o metrô de Belo Horizonte para a iniciativa privada, como, no contrato, o governo estadual é responsável por compensar eventuais déficits operacionais. Isso significa que o estado é fiador da empresa concessionária, garantindo que não terá quaisquer prejuízos.
A empresa que venceu a concessão se chama Comporte Participações S.A., criada pelo bilionário Nenê Constantino, o “imperador dos transportes” no Brasil. O empresário é acusado de fraudes fiscais, exploração de trabalho escravo e assassinato de 8 pessoas. Esta mesma empresa tem disputado várias outras concessões na área dos transportes, sendo hoje também a operadora do Trem Intercidades (TIC) Eixo Norte no estado de São Paulo. Neste caso, a Comporte fez uma parceria com a chinesa China Rail Road Company, empresa líder mundial em fabricação, fornecimento de materiais e suprimentos para ferrovia.
Metrô público é soberania nacional
A malha ferroviária de um país é parte essencial da logística interna de uma nação, seja do transporte de mercadorias ou de pessoas. É uma peça-chave para garantir a unidade territorial, a segurança nacional e assegurar o direito à mobilidade urbana, serviço essencial à vida humana. Por isso, é indispensável para um projeto de país soberano que o serviço de metrô esteja totalmente sob controle público, sem entregar sua operação e gestão à indivíduos privados, interessados unicamente em lucrar.
Segundo o Movimento Tarifa-Zero, o sistema metroferroviário é, por definição, deficitário. Isso significa que não é um setor economicamente explorável privadamente, dado o tamanho do investimento para se construir e manter a infraestrutura necessária para o serviço. Não por outro motivo, todo este trabalho é historicamente feito pelos Estados nacionais. Então, se isso é verdade, qual é o interesse de uma empresa privada em obter a concessão do metrô?
Seu interesse é se apropriar dos recursos públicos que serão repassados e disponibilizados para financiar a operação. Em vez dos recursos públicos serem aplicados diretamente no serviço público, o governo Lula, seguindo a cartilha neoliberal e atendendo os interesses da burguesia, prefere entregar o dinheiro público à iniciativa privada para, por meio dela, chegar ao serviço público. A diferença é que, em vez de toda a verba ser investida para melhorar as condições do metrô, parte dela agora irá direto para o bolso dos acionistas da empresa.
Ao fim, a privatização nem de longe resolve os problemas crônicos do transporte sobre trilhos no Brasil. Como aconteceu nos exemplos referenciados pelo Governo Federal, o serviço vai piorar para a população, a tarifa vai encarecer e ainda mais dinheiro público será roubado — mas tudo sob o verniz de legalidade da chamada Parceria Público-Privada.
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