Lula veta apenas parcialmente o PL da devastação, ignorando apelos de ambientalistas

Veto parcial de Lula ao PL do Licenciamento Ambiental consolida retrocessos, ignora a ciência e amplia ameaças aos povos tradicionais e ao meio ambiente.

8 de Agosto de 2025 às 18h00

Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert / PR.

Lula veta apenas parcialmente o PL do Licenciamento Ambiental, ignorando alertas da comunidade científica, lideranças indígenas e quilombolas, ambientalistas e até da própria ministra Marina Silva. Dos quase 400 dispositivos da lei, o presidente vetou 63, segundo informou a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior.

A decisão decepcionou movimentos socioambientais e especialistas que esperavam uma posição firme do governo frente ao desmonte da política ambiental. O projeto, aprovado em 17 de julho de 2025  no Senado, abre brechas perigosas para dispensas de licenciamento, reduz a participação social e enfraquece os órgãos ambientais, consolidando um modelo de desenvolvimento que privilegia grandes empreendimentos em detrimento da proteção dos biomas e dos povos tradicionais.

A secretária-executiva informou ainda que Lula assinará uma Medida Provisória (MP) que cria a Licença Ambiental Especial (LAE), autorizando obras e empreendimentos de forma mais rápida, independentemente do impacto ambiental, desde que sejam considerados estratégicos pelo governo federal. A MP terá eficácia imediata ao ser publicada no Diário Oficial da União e precisará ser aprovada pelo Congresso Nacional em até 120 dias para não perder a validade.

Embora o governo afirme que a  LAE não será um “licenciamento monofásico”, como garantiu Marina Silva durante o anúncio, a medida é considerada por ambientalistas  um dos pontos mais perigosos do projeto. Ela permite que o governo federal selecione, com base em critérios políticos, os empreendimentos que passarão por um "processo estratégico" de licenciamento, o que na prática pode ignorar estudos de impacto e dispensar o envolvimento de órgãos como Ibama, ICMBio e Funai. Essa proposta foi articulada diretamente pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, um dos maiores defensores da exploração de petróleo na Bacia da Foz do Amazonas.  O Amapá, estado que ele representa, é apontado como um dos principais beneficiários dos royalties da exploração, que serão controlados por uma elite política local alinhada à direita e ao capital transnacional. Desde o início do seu mandato no Senado, Alcolumbre tem pressionado o governo Lula pela liberação da licença ambiental à  Petrobras.

A reação tímida do Executivo frente a um projeto amplamente criticado se deve, em grande parte, à tentativa do governo Lula de manter o equilíbrio entre interesses contraditórios. Interlocutores do Planalto confirmaram à imprensa que, mesmo com críticas técnicas contundentes, a decisão final coube ao presidente por causa da elevada politização do tema e do temor de prejudicar a relação com o Congresso.

Apesar de apresentar alguns vetos pontuais, como restringir a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) apenas para empreendimentos de baixo potencial poluidor; manter a proteção especial à Mata Atlântica; preservar a consulta a órgãos responsáveis por povos indígenas e quilombolas; exigir análise do Cadastro Ambiental Rural (CAR) antes de dispensar licenciamento; e garantir manifestação vinculante de gestores de Unidades de Conservação em casos de impacto direto, o governo manteve dispositivos que permitem a flexibilização ampla e a interferência política no licenciamento. Na prática, o veto parcial deixa intactos elementos centrais do PL que enfraquecem a governança ambiental, reduzem a consulta livre, prévia e informada prevista na Convenção 169 da OIT, e institucionalizam o racismo ambiental.

Comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas, especialmente em territórios ainda não regularizados, que somam mais de 30% das terras indígenas e cerca de 80% dos territórios quilombolas, ficam ainda mais vulneráveis. Ao permitir isenções de licenciamento em áreas já desmatadas, o texto ignora impactos cumulativos e compromete abordagens ecossistêmicas, favorecendo o avanço do agronegócio, da mineração e de grandes obras, tudo isso num contexto em que o agronegócio avança violentamente sobre a Amazônia, o Cerrado e a Caatinga.  O PL ainda abre caminho para empreendimentos como a pavimentação da BR-319 na Amazônia, ignorando os alertas científicos sobre o desmatamento em cadeia e os impactos para as comunidades locais. O que está em jogo não é apenas uma legislação, mas a continuidade histórica de uma política de extermínio sob novas roupagens: tecnocrática, higienizada e com aval do Executivo federal.

A conivência do governo com essa manobra evidencia a fragilidade do discurso ambientalista diante dos acordos políticos. Ainda que Marina Silva tenha defendido o veto integral ao projeto, sua posição foi abafada por pressões internas que priorizaram a governabilidade frente à integridade ambiental. Em vez de assumir uma postura clara em defesa do meio ambiente, o governo optou por uma estratégia ambígua, que permite agradar parte do Congresso e evitar confrontos diretos com setores conservadores, mesmo que isso custe a proteção dos territórios indígenas e a preservação dos biomas.

A aliança entre elites regionais, setores do agronegócio, do petróleo e grandes fundos de investimento encontrou, no governo Lula, não resistência, mas um caminho facilitado. Prova disso é a própria postura do presidente, que ao invés de reforçar o papel técnico e independente do Ibama, atacou o órgão em entrevistas, acusando-o de “lenga-lenga” e sugerindo que age como se fosse “contra o governo”. Tal declaração reforça a narrativa bolsonarista de que o meio ambiente é um obstáculo ao “progresso”, deslegitimando os órgãos ambientais diante da opinião pública.

O Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) vem se posicionando contra o desmonte sistemático da política ambiental. Esse entendimento se dá a partir da noção de que o enfrentamento à crise ecológica e climática não virá da conciliação entre o capital e a vida, mas sim da organização independente da classe trabalhadora, dos povos indígenas, quilombolas, camponeses e ribeirinhos, que lutam diariamente para defender seus territórios e garantir um futuro digno para todos.