PL 1283/2025: um novo ataque imperialista disfarçado de projeto de segurança pública
Formulado para enquadrar facções como PCC e CV como terroristas, o PL 1283/2025 aprofunda a militarização da segurança pública e reforça a ingerência dos EUA no Brasil.

Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro carregando uma enorme bandeira dos EUA em ato na Avenida Paulista, em SP, no 7 de Setembro. — Reprodução/Foto: Nelson Almeida/AFP.
Desde março de 2025, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 1283/2025, que propõe alterações na Lei Antiterrorismo. De autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), o texto amplia as motivações do crime de terrorismo, prevê o aumento das penas quando esses crimes forem praticados em meio cibernético e, sobretudo, estende a aplicação da lei a organizações criminosas e milícias privadas que realizem atos considerados terroristas. Na prática, facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV) poderiam ser enquadradas como organizações terroristas.
A proposta surge no contexto de pressões de autoridades dos Estados Unidos, que, em visita ao Brasil em maio, sugeriram a adoção de medidas nesse sentido. À época, o governo brasileiro recusou a ideia, alegando que as facções nacionais têm caráter essencialmente econômico e não se enquadram nos critérios de motivação religiosa ou de ódio previstos pela legislação antiterrorismo vigente.
Fracassada a pressão diplomática direta, parlamentares da extrema-direita brasileira, cumprindo o papel de porta-voz dos interesses estadunidenses, impulsionaram o projeto e aprovaram sua tramitação em regime de urgência. Na exposição de motivos, o texto do PL cita nominalmente o presidente estadunidense Donald Trump como exemplo de liderança que classificou “cartéis e outras organizações criminosas” como terroristas, sob o argumento de que representariam uma ameaça à segurança nacional. Curiosamente, o documento ignora como outros países tratam a questão.
A extrema-direita como braço político do imperialismo
A influência de figuras da extrema-direita e sua aproximação com a agenda do governo Trump são visíveis ao longo da tramitação do PL. Na visita de representantes do governo ianque ao Brasil, em maio, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) reuniu-se com Ricardo Pita, conselheiro da Secretaria de Assuntos do Hemisfério Ocidental dos Estados Unidos, para tratar do combate ao crime organizado no país. Na ocasião, Bolsonaro — então presidente da Comissão de Segurança Pública do Senado — apresentou um dossiê que associava as ações de facções criminosas a práticas terroristas, alinhado ao argumento central do projeto.
No mesmo período, o governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), viajou a Nova York, onde se encontrou com representantes da Agência de Repressão às Drogas (DEA). Após a reunião, passou a defender publicamente a equiparação entre tráfico de drogas e terrorismo, ecoando o discurso de segurança estadunidense.
Em agosto, o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ) — ex-diretor da Abin e atualmente condenado a 16 anos de prisão pelo STF no julgamento dos atos golpistas de 8 de janeiro —, na condição de relator, conduziu o parecer favorável que levou à aprovação do projeto na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara. Em seu relatório, Ramagem faz referência aos atentados de 11 de setembro de 2001, ressaltando a “necessidade de cooperação internacional” no combate ao terrorismo — argumento frequentemente usado para justificar políticas de alinhamento com Washington.
Atualmente, o PL encontra-se sob análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), cuja relatoria foi inicialmente atribuída ao deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). O parlamentar, porém, anunciou a intenção de transferir a relatoria ao deputado licenciado Guilherme Derrite (PP-SP), atual secretário de Segurança Pública de São Paulo. Derrite já manifestou apoio integral à proposta, alegando que “o crime organizado há muito tempo atua com práticas terroristas e precisa ser tratado como tal”.
Interesses estratégicos dos EUA e o risco de ingerência externa
Especialistas ouvidos pela Agência Pública alertam para o potencial de ingerência estrangeira que o projeto pode abrir. O ex-ministro da Justiça Eugênio Aragão avalia que a proposta parte de uma “falsa compreensão do que seja terrorismo”, criando brechas para intervenções internacionais na segurança interna do país.
Nesse contexto, o enquadramento de grupos brasileiros como “terroristas” poderia oferecer a Washington um pretexto jurídico e político para aplicar sanções econômicas ou até mesmo realizar ações militares, sob o argumento de combater o terrorismo.
A pressão pela classificação de organizações ligadas ao tráfico como terroristas não se limita ao Brasil: faz parte de uma estratégia continental. O exemplo mais evidente são os recentes exercícios militares e ataques conduzidos pelos Estados Unidos contra a Venezuela, no mar do Caribe, que resultaram em cinco ofensivas e ao menos 27 mortos — todas elas direcionadas contra embarcações civis que se encontravam na região. Em todas essas ações, o governo estadunidense alegou combater “cartéis de drogas”, sem, contudo, apresentar evidências que sustentassem tal justificativa.
Como explica o juiz Marcelo Semer, ex-presidente da Associação Juízes para a Democracia e magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), “não sejamos ingênuos: tratar todos como terroristas vai facilitar, e muito, a posição dos Estados Unidos, que se arroga o papel de polícia universal para realizar atos de intimidação como esses que ocorrem hoje nas proximidades da Venezuela”, afirmou à Agência Pública.
A contradição é gritante. Os Estados Unidos figuram como a principal lavanderia do narcotráfico global, abrigando entre 20% e 30% dos fluxos ilícitos mundiais, segundo estimativas de organismos internacionais. Ainda assim, o país mantém a retórica de combate ao tráfico, agora reeditada sob o rótulo de “narcoterrorismo”, um discurso utilizado desde o fim da Guerra Fria para justificar o controle político e militar sobre países da América do Sul.
Com o acirramento das tensões comerciais entre Estados Unidos e China, torna-se evidente a tentativa do império ianque de reafirmar sua hegemonia sobre o continente, em continuidade à velha Doutrina Monroe. Nesse cenário, a instrumentalização do narcoterrorismo funciona como a ponta de lança dessa nova etapa de dominação.
Falta de proposta real de segurança pública e omissão do governo Lula
O autor do PL 1283/2025, deputado Danilo Forte, defende que penas mais duras “criarão um ambiente de maior temor” entre as organizações criminosas, desestimulando a prática de delitos. Contudo, especialistas apontam que a proposta não enfrenta as causas estruturais da criminalidade organizada, como a falta de inteligência investigativa, a desregulação de mercados e o papel do sistema financeiro na lavagem de capitais.
A simples mudança de enquadramento jurídico não altera a lógica da guerra às drogas — política que há décadas perpetua o encarceramento em massa e o extermínio da juventude negra nas periferias. Ao contrário, pode reforçar o uso da força e a militarização da segurança pública.
Apesar de ter resistido inicialmente às pressões de Washington, o governo Lula hoje mantém silêncio sobre o tema. Quanto às possibilidades de resistência à proposta, deputados da base afirmam, sob anonimato, que “não há orientação alguma, por enquanto”. Diante da magnitude dos riscos trazidos por esse projeto — que representa não apenas mais um capítulo da política de extermínio em curso, mas também um ataque direto à soberania nacional —, a inércia do Palácio do Planalto soa como um alerta grave.