EUA e China devem estender “trégua” na guerra comercial por mais 90 dias

As tréguas e negociações, portanto, não configuram soluções definitivas, mas sim momentos de respiro em um conflito estrutural e de longo prazo, marcado por assimetrias de poder e interesses incompatíveis.

23 de Agosto de 2025 às 21h00

Reprodução/Foto: Tingshu Wang/Reuters.

Com a ascensão da economia chinesa no cenário internacional, os Estados Unidos têm buscado adotar diversas medidas para se blindar e preservar sua posição de liderança global. Esse movimento tem resultado em uma escalada crescente da rivalidade entre as duas maiores economias do mundo, caracterizada por tensões comerciais, tecnológicas e geopolíticas.

No início de abril, o então presidente Donald Trump anunciou a aplicação de uma tarifa de 34% sobre produtos chineses, medida justificada por Washington como necessária para proteger a indústria nacional e corrigir o que considerava práticas comerciais desleais por parte de Pequim. Como consequência, sucederam-se sucessivos ataques e contra-ataques de ambos os lados, resultando, atualmente, em tarifas norte-americanas que somam cerca de 145% sobre produtos chineses e em tarifas de aproximadamente 125% aplicadas pela China sobre mercadorias importadas dos Estados Unidos.

Nesse contexto de crescente tensão, e preocupação de uma possível recessão na economia global, os Estados Unidos e a China decidiram estender por mais 90 dias a trégua tarifária, conforme noticiado pelo jornal chinês South China Morning Post,no dia 27 de julho. A medida buscava abrir espaço para novas rodadas de negociação, ainda que marcada por desconfiança mútua e pela persistência de divergências estruturais em áreas como tecnologia, propriedade intelectual e subsídios estatais.

Embora as discussões anteriores em Genebra e Londres tenham se concentrado em uma possível “desescalada” das tensões comerciais, a nova rodada de negociações mostrou-se ainda mais complexa. Segundo três fontes familiarizadas com o assunto, citadas pela mesma reportagem, a delegação chinesa pretende pressionar a equipe comercial do então presidente Donald Trump não apenas sobre as tarifas bilaterais, mas também em relação às medidas impostas pelos Estados Unidos ao fentanil — substância associada à crise de opioides no território norte-americano. Esse ponto adiciona uma dimensão sensível ao diálogo, conectando o tema do comércio internacional a questões de saúde pública e segurança nacional, o que torna a busca por consenso ainda mais desafiadora.

Portanto, é possível observar que a guerra tarifária não decorre apenas de divergências comerciais pontuais, mas reflete um reposicionamento estratégico mais amplo. Os Estados Unidos buscam preservar sua posição hegemônica diante da ascensão de uma China que, cada vez mais, consolida-se como ator central nas cadeias produtivas globais, na inovação tecnológica e na expansão de sua influência política e diplomática. Nesse cenário, as tarifas não devem ser vistas unicamente como instrumentos de proteção econômica, mas como parte de uma política de contenção destinada a frear o avanço chinês em áreas consideradas estratégicas.

As tréguas e negociações, portanto, não configuram soluções definitivas, mas sim momentos de respiro em um conflito estrutural e de longo prazo, marcado por assimetrias de poder e interesses incompatíveis. A retórica de “desescalada” se mostra mais como uma tentativa de gerenciar temporariamente os impactos imediatos — como a instabilidade dos mercados e a pressão sobre setores produtivos internos,do que como uma disposição real de cooperação mútua.

Além disso, a inclusão de questões não estritamente comerciais, como a crise do fentanil e disputas em torno da propriedade intelectual, evidencia que a rivalidade transcende a esfera econômica, assumindo contornos geopolíticos e securitários. Nesse sentido, a chamada “guerra comercial” deve ser compreendida como parte de um embate mais profundo pela configuração da ordem internacional do século XXI, e uma reconfiguração da ascensão chinesa como potência imperialista.