Governo Federal ignora tentativas de negociação dos auditores fiscais da Receita Federal

Essa postura anti-trabalhador é, mas não somente, reflexo dos limites impostos pela atual política de austeridade, reforçada desde a aprovação do Novo Arcabouço Fiscal.

19 de Maio de 2025 às 15h00

Auditores-fiscais em mobilização (2025). Reprodução/Foto: Reconecta News.

A greve dos auditores-fiscais da Receita Federal chegou à marca de seis meses em maio de 2025. Iniciada em 26 de novembro do ano passado, a paralisação foi motivada, segundo o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), liderança do movimento, pelo não cumprimento de um acordo firmado com o Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) para a abertura de uma mesa de negociação temporária. O objetivo seria discutir a recomposição inflacionária do vencimento básico da categoria, cujo salário está congelado desde 2016 — com exceção do reajuste linear de 9% concedido a todas as carreiras em 2023. De acordo com cálculos do sindicato, as perdas acumuladas somam 28%.

Foi também em 2016, no fim do governo Dilma Rousseff (PT),que foi firmado o Termo de Acordo nº 03/2016, que mais tarde deu origem à Lei nº 13.464/2017. A norma instituiu o Programa de Produtividade da Receita Federal do Brasil e criou o Bônus de Eficiência e Produtividade na Atividade Tributária e Aduaneira, um marco importante na política de valorização da carreira dos auditores-fiscais. O programa, no entanto, só foi regulamentado sete anos depois, em 2023, por decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e implementado no ano seguinte.

Já em janeiro de 2024, os auditores apresentaram uma contraproposta ao Governo Lula-Alckmin, através do MGI, que requisitava uma equiparação de seus benefícios aos dos servidores do Legislativo e Judiciário, que receberam um reajuste progressivo significativo de 18% em três anos: 2023, 2024 e agora em 2025. Porém, um mês depois, o MGI não apenas rechaçou o clamor da categoria, como, em abril, apresentou sua proposta que mais tarde levaria ao Termo de Compromisso 01/2024. Onde, na cláusula segunda se lê que “as negociações relativas à reestruturação de carreiras e reajustes de remuneração ocorrerão no âmbito das Mesas Específicas e Temporárias, devendo ser instaladas até o mês de julho de 2024”. Como esperado, até o momento, a categoria busca a reabertura da mesa de negociações.

Ainda em abril daquele ano, os auditores fizeram um novo acordo com o MGI: não haveria reajuste em 2024, mas nos dois anos seguintes através das negociações em mesa específica e temporária. Tal acordo foi também firmado com demais servidores públicos. Porém, em relação à Receita Federal, não vingou, já que o MGI alegou ter solucionado a questão do reajuste salarial apenas com a regulamentação do bônus de eficiência, não considerando a inflação ou o fato de ser apenas uma remuneração variável que visa aumentar a produtividade no trabalho, não atendendo integralmente os aposentados. A partir disso, o presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), Thales Freitas, encaminhou um ofício ao Secretário de Gestão de Pessoas e de Relações de Trabalho, solicitando a abertura da Mesa Específica para se discutir juntamente com o sindicato. Pedido esse que foi negado pelo governo.

Apesar das antigas reivindicações por reajuste no vencimento básico, foi a recente mudança nas regras da remuneração variável a gota d’água para que os auditores-fiscais deflagrassem a greve. Publicadas em 30 de abril, as novas normas para o cálculo do valor individual do bônus intensificaram a greve ao contrariarem os termos negociados e resultam na redução da remuneração de trabalhadores: anteriormente com o teto do Bônus Mensal de Eficiência de R$ 7 mil, passando a ser de R$ 6,3 mil; uma perda de 10%, ou seja, de 700 reais para a categoria; para os aposentados, o impacto pode chegar a R$ 1,5 mil por mês. Diante desse cenário, os auditores cobram uma reabertura imediata do diálogo com o Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad (PT). Soma-se à insatisfação o fato de a categoria ter sido excluída das propostas de reajuste salarial previstas para 2025 e 2026.

Após as alterações do cálculo do bônus de eficiência com a publicação das resoluções nº7 e nº8 pelo Comitê Gestor, o Sindifisco Nacional encaminhou um ofício solicitando a revogação de ambas ao secretário especial da Receita Federal, e também Coordenador do Comitê Gestor do Programa de Produtividade, Robinson Barreirinhas. A revogação enquanto pauta foi discutida na Assembleia Nacional da categoria e foi aprovada com 99,4% dos votos.

A mobilização dos auditores-fiscais foi se moldando às exigências ao longo dos últimos meses. Em outubro, a categoria realizou paralisações de 24 e 48 horas, garantindo apenas 30% do efetivo em atividade. Em novembro, os protestos passaram a ocorrer regularmente às terças e quartas-feiras, até que, no dia 26, foi deflagrada efetivamente a greve por tempo indeterminado. Recentemente, no dia 15 de abril, um novo ato marcou o calendário de protestos, desta vez em frente ao Ministério da Fazenda, em Brasília, organizado pelo Sindifisco Nacional. Nas diversas mobilizações em diferentes regiões do país, os auditores reivindicam a recomposição do vencimento básico, o pagamento integral do bônus de eficiência para ativos e aposentados, e a destinação de recursos do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) para custear o plano de saúde da categoria.

Com a greve já se estendendo por um semestre, os impactos sobre o funcionamento da Receita Federal e o planejamento da arrecadação são significativos. Segundo o Sindifisco Nacional, começar o ano em paralisação comprometeu etapas fundamentais do cronograma anual, especialmente no que diz respeito ao cumprimento das metas de arrecadação. Responsáveis pela inspeção sobre o cumprimento das obrigações tributárias, aduaneiras e previdenciárias, os auditores-fiscais em greve comprometeram os quatro primeiros meses do ano em termos de planejamento de trabalho, fiscalização e controle aduaneiro. Por exemplo, a desorganização da cadeia de suprimentos desde o final do ano passado, com um milhão de remessas retidas nas alfândegas brasileiras, pressiona os preços, com estimativa de aumento de até 2,1% no valor final dos produtos. Caso o governo continue a negar os direitos desses trabalhadores, o cumprimento da meta fiscal anual e a entrega do Imposto de Renda também poderão ficar ameaçados, apesar de a categoria manter 30% da força de trabalho em atividade, conforme determina a legislação.

De acordo com Dão Real, presidente do Sindifisco Nacional, a administração da Receita Federal já compreendeu a gravidade da situação, mas ainda falta o Ministério da Fazenda pressionar o MGI para que seus representantes se reúnam com os do Sindifisco Nacional e apresentem uma proposta decente que seja passível de ser aprovada em Assembleia Geral pela categoria. Fato é que, no momento, delegados e delegados adjuntos, de todas as Regiões Fiscais da Receita Federal, se unem à greve da categoria.

Até então, os servidores não tiveram a oportunidade de analisar nenhuma proposta apresentada pelo governo, mesmo estando há 6 meses em greve. Essa situação não é surpreendente, apesar de absurda, visto a postura do Governo Lula-Alckmin aos clamores das mais diversas categorias. Na verdade, essa postura anti-trabalhador é, mas não somente, reflexo dos limites impostos pela atual política de austeridade, reforçada desde a aprovação do Arcabouço Fiscal (PLP 93/2023).