Fraudes e irregularidades marcam bolsas do Universidade Gratuita, aponta TCE-SC
A auditoria identificou suspeitas de fraudes em 18.383 cadastros realizados em 2024 para ingresso no Universidade Gratuita, voltado às universidades comunitárias do sistema Acafe, e no Fumdesc, destinado às faculdades particulares de Santa Catarina.

Reprodução/Foto: Secom/SC.
Em relatório técnico, o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (TCE-SC) revelou que 44% das bolsas concedidas pelos programas Universidade Gratuita e Fumdesc (Fundo Estadual de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior Catarinense) apresentam indícios de irregularidades. A auditoria identificou suspeitas de fraudes em 18.383 cadastros realizados em 2024 para ingresso no Universidade Gratuita, voltado às universidades comunitárias do sistema Acafe, e no Fumdesc, destinado às faculdades particulares de Santa Catarina.
O documento indica que 15.281 alunos beneficiados com o Universidade Gratuita e Fumdesc possuem divergências em informações patrimoniais apresentadas ao governo do Estado, 4.430 possuem inconsistências na renda declarada e outros 1.699 possuem vínculos empregatícios não informados aos órgãos de controle. Em pelo menos 18 casos, estudantes mantiveram no cadastro familiar pessoas já falecidas durante o semestre letivo de 2024.
Entre as irregularidades mais graves está o caso de um aluno que declarou não possuir patrimônio algum, mas que, na verdade, era proprietário de veículos avaliados em R$ 139 mil e imóveis no valor total de R$ 48 milhões. A auditoria também identificou estudantes ligados a sete grupos familiares com participação em empresas cujo capital social varia entre R$ 10 milhões e R$ 21 milhões. Em outra situação, a diferença entre o patrimônio declarado e o efetivamente apurado chegou a R$ 44 milhões. Mesmo aplicando uma margem de tolerância de 15% para pequenas variações no período analisado, ainda foram identificados 2.700 alunos cuja renda real ultrapassava significativamente os limites permitidos para participar dos programas.
Tanto o Programa Universidade Gratuita quanto o Fumdesc exigem, para concessão das bolsas, comprovação de renda familiar per capita, situação de desemprego do aluno ou responsável legal, bens e número de integrantes do grupo familiar, além de ser natural do Estado ou residir em Santa Catarina há pelo menos cinco anos. A renda familiar per capita deve ser inferior a oito salários mínimos para o curso de Medicina e a quatro salários mínimos para os demais cursos.
A Universidade do Vale do Itajaí (Univali) lidera a lista das instituições com o maior número de bolsas suspeitas de irregularidades na comprovação de renda. São 278 estudantes com inconsistências detectadas, totalizando cerca de R$ 6 milhões em bolsas. Juntas, as universidades listadas no relatório acumulam mais de R$ 20 milhões em bolsas potencialmente irregulares.
Alunos de baixa renda são minoria no Universidade Gratuita
Apesar do discurso de inclusão social promovido pelo governo Jorginho Mello para a criação no Programa Universidade Gratuita, o relatório mostra que apenas 13,06% dos bolsistas estão cadastrados no CadÚnico, sistema federal voltado à identificação de famílias em situação de vulnerabilidade social. Embora o cadastro não seja exigido para a concessão direta das bolsas, sua baixa presença entre os beneficiários escancara algo que os estudantes catarinenses já sabiam: o Programa Universidade Gratuita, implementado para substituir o antigo Uniedu, tem falhado em ampliar o acesso ao ensino superior.
Entre janeiro e setembro de 2024, o governo estadual destinou R$ 471,4 milhões ao programa, valor que representa aproximadamente 90% do repasse feito no mesmo período à Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), que recebeu R$ 534,5 milhões. Um estudo realizado pela Associação dos Professores da Udesc (Aprudesc) mostra que o custo médio mensal por aluno nas universidades beneficiadas pelo programa é de R$ 2.400, valor 16% superior ao gasto médio por estudante da universidade pública estadual.
Longe de ampliar o acesso ao ensino superior, o Programa Universidade Gratuita aprofunda o processo de privatização da educação em Santa Catarina, ao destinar grandes volumes de recursos públicos para fundações privadas que, na prática, pouco respondem às demandas das camadas mais pobres da população. Com isso, o governo estadual se exime de investir na expansão e no fortalecimento de uma rede pública, gratuita e de qualidade. O impacto desse modelo é ainda mais acentuado nas regiões do interior do estado, onde as chamadas universidades “comunitárias” mantém hegemonia quase absoluta.
Embora amplamente financiadas com verbas públicas, essas instituições cobram mensalidades elevadas, oferecem poucos programas consistentes de pesquisa e extensão, em grande parte não possuem políticas de permanência estudantil e operam sob estruturas de gestão autocráticas, marcadas pela falta de transparência e pela exclusão da comunidade acadêmica dos processos decisórios.
Nesse contexto, os estudantes são submetidos ao endividamento e à precarização, intensificados por exigências como as contrapartidas em trabalho não remunerado. Longe de ser uma política de inclusão, o programa Universidade Gratuita tem funcionado como um sofisticado canal de repasse de recursos públicos para grupos privados.
A presença hegemônica das universidades “comunitárias” organizada por meio da Associação Catarinense das Fundações Educacionais (Acafe), tem servido como barreira à expansão do ensino público em Santa Catarina, por contrariar diretamente os interesses das elites locais. Esse modelo, que já começa a ser replicado no Rio Grande do Sul, através do Consórcio das Universidades Comunitárias Gaúchas (COMUNG) e com amplo apoio da UEE-RS (União Estadual dos Estudantes Dr. Juca), está longe de ser uma referência positiva. Na prática, representa um retrocesso frente às conquistas históricas da educação pública e gratuita no Brasil.