Núcleo de Estudos em Hip Hop é fundado na Universidade Federal do Paraná
Primeiro do Brasil, a inauguração do NUEHP tem como missão dar visibilidade ao quinto elemento do hip hop, o conhecimento, promovendo pesquisas, produzindo materiais didáticos, desenvolvendo projetos de extensão e organizando seminários e congressos que estimulem a troca de saberes.

Reprodução/Foto: Mellany Fotografias.
Por Teylor Lourival
Desde 2020, quando o álbum “Sobrevivendo no Inferno”, do grupo Racionais MCs, foi incluído na lista de obras obrigatórias a serem contempladas pelo processo seletivo da UNICAMP (Universidade Estadual de Campinas), uma das maiores universidades do país, outras iniciativas que levam o hip hop às formulações acadêmicas floresceram e se consolidaram, como a linha de pesquisa ‘Hip Hop em Trânsito’, da mesma UNICAMP, e a fundação do primeiro Museu do Hip Hop da América Latina, localizado em Porto Alegre (RS).
Contudo, apesar de haver iniciativas pelo Brasil iniciativas isoladas de docentes, orientandos e orientandas no sentido de trazer a cultura hip hop para os estudos acadêmicos no Brasil, bem como pesquisas individuais desde 1996, quando é publicada por Elaine Nunes de Andrade a dissertação de mestrado sob o título “Movimento Negro Juvenil: um estudo de caso sobre jovens rappers de São Bernardo do Campo”, ainda não havia sido inaugurado no país um Núcleo de Estudos construído por estudantes de universidades públicas com foco exclusivamente no estudo, crítica, acervo, teorização do movimento hip hop e a extensão universitária a partir de práticas pedagógicas ligadas aos elementos da cultura hip hop.
Estes elementos que compõem a cultura hip hop são cinco. Os quatro mais lembrados são o Graffiti, o Breaking, o MC e o DJ. O quinto elemento é o conhecimento, e não ironicamente é o menos abordado e mais invisibilizado, tratado de forma subjetiva ou moral. A fundação do Núcleo de Estudos em Hip Hop (NUEHP) tem como missão dar visibilidade ao quinto elemento do hip hop, promovendo pesquisas, produzindo materiais didáticos, desenvolvendo projetos de extensão, organizando seminários e congressos que estimulem a troca de saberes.
Através de ações formativas, grupos de estudos, eventos culturais e extensão universitária, bem como com o projeto “Rap nas Escolas”, os Núcleos de Estudo de Hip Hop nas universidades – a serem expandidos para diversos estados –, visam fortalecer a formação política, cidadã e ambiental, promovendo acesso ao conhecimento crítico via extensão universitária através das práticas pedagógicas do hip hop, criando e consolidando espaços de troca entre academia e comunidade, construindo e fortalecendo ações culturais, arte-educativas, oficinas, palestras e workshops.

Reprodução/Foto: Mellany Fotografias.
A coordenação do NUEHP-UFPR é composta por Cicca, Lilith, Laís, André Yanina, Sol e Thayna, docentes e discentes de diversas universidades paranaenses, no âmbito da graduação e da pós-graduação. Entre as pesquisas coordenadas pelo núcleo, estão: “Hip Hop e Educação Socioambiental Antirracista: o rap como instrumento pedagógico”, ”Máximo respeito às mina: Design Gráfico como ferramenta de inclusão na cultura Hip-Hop”, “A marginalização das músicas de periferia em Curitiba”, ““Direto do Buero mais sujo” articulações comunicacionais como luta pelo lugar do rap da zona sul de Curitiba”, “Hip Hop e Educação Socioambiental Sintrópica Antirracista” e, por fim, “Histórico, tendências e perspectivas da produção de conhecimento em Educação CTS no Brasil: um estudo a partir dos Grupos de Pesquisa cadastrados no DGP/CNPq”, entre outras pesquisas em andamento.
O NUEHP, para além das pessoas integrantes do grupo de estudo – que já conta com mais de uma centena de participantes, está presente na UEL (Universidade Estadual de Londrina) através da Batalha do RU e na UFPR Matinhos através da Batalha da Juçara –, a meta é mapear as batalhas de rima dentro das universidades brasileiras e através delas expandir os núcleos buscando ampla participação pública em suas atividades ou acompanhando as publicações nas redes sociais, convida a toda a comunidade visando somar voluntários e/ou bolsistas nos projetos de extensão, bem como busca captar recursos para viabilizar a continuidade do projeto, via doação direta ou via emenda parlamentar.
Confira a íntegra da entrevista exclusiva com a idealizadora do projeto, MC Cicca, a Cinderela do Gueto, ao Jornal O Futuro:
O Futuro: Como foi o processo de gestação do NUEHP? Há quanto tempo essa ideia está em tramitação? Como foi o processo burocrático, a recepção do corpo docente, da universidade, a votação do orçamento participativo?
Cicca: Eu entrei no mestrado com o intuito de pesquisar a cultura hip-hop como ferramenta de educação socioambiental, pensando no combate ao racismo ambiental, e eu pensei como que eu ia fazer esse processo de ecoformação... Eu tô criando uma metodologia de educação socioambiental a partir do hip-hop, então aonde que eu ia aplicar essa metodologia? A princípio eu pensei, vou criar um núcleo de estudos em hip-hop para fazer um processo ecoformativo, com esses participantes, principalmente pensando neles enquanto produtores culturais, aplicando essa metodologia em seus eventos. E o que seria essa metodologia? Seria essa introdução, né?
Pra gente poder falar sobre educação climática, pra gente poder falar sobre as manifestações do racismo ambiental, pra gente poder trazer essa conscientização básica, porque às vezes é jogar o lixo no lixo, jogar uma bituca de cigarro no lixo, então seria pensando mais nisso a princípio, né, foi daí que surgiu a ideia, ela surgiu mais ou menos em maio, em junho, e em agosto a gente conseguiu construir. Eu fui em busca aí de algumas pessoas, principalmente alguns estudantes, né, que fazem parte do movimento e, na verdade, a gente viu o orçamento participativo, isso me instigou mais, me instigou muito mais a escrever o projeto, com recurso da própria universidade. Então esse processo de nascimento do núcleo foi muito impulsionado também pelo lançamento do orçamento participativo.
O processo burocrático de institucionalização que ainda tá rolando, a gente tem uma professora que tá à frente, né, que é a minha orientadora da minha pesquisa e não foi tão burocrático assim, em relação a abraçarem a ideia. A ideia foi muito abraçada pela academia, pelo meu programa. Acho que a partir do momento que eu entrei no programa, eu já me senti abraçada, porque é o único trabalho de hip-hop do programa. Então, isso já mostra também um interesse também por parte da universidade.
O Futuro: Você está construindo a sua dissertação de mestrado, que trata a respeito do hip hop como instrumento de luta contra o racismo ambiental. Pode aprofundar um pouco mais sobre isso?
Cicca: O título da minha pesquisa é “Hip Hop e Educação Socioambiental Sintrópica Antirracista”, a abreviatura fica EASA, que penso em transformar em Escola de Agentes Socioambientais, pensando justamente nesse processo formativo e práticas sustentáveis voltadas a eventos culturais. A minha pesquisa utiliza os cinco elementos do hip hop como forma de sensibilização ambiental, então estou desenvolvendo uma metodologia onde o DJ, o graffitti, o MC, o breaking e o conhecimento, eles trazem de uma forma bem lúdica, prática e acessível o conhecimento sobre a educação socioambiental.
Um exemplo do MC, que é o mais fácil: através das batalhas de conhecimento com temas que envolvem a reforma agrária, demarcação de terras indígenas, desmatamento, poluição, a arborização, o saneamento básico, acesso à saúde... Então, sempre que construímos uma batalha do conhecimento, trazemos estas temáticas para instigar os MCs a refletirem sobre isso, e também para termos uma outra percepção de como aquela pessoa vê aquele tema. O Graffiti, por exemplo, é também uma forma de comunicação através do pixo, das tags, então testei também a metodologia na batalha de tag abordando temas como desmatamento. Então a pessoa vai escrever sobre desmatamento, já vai ter uma reflexão a partir disso.
Em relação ao conhecimento, temos buscado fazer falas antes de dar início às batalhas e saraus, dando a importância necessária ao racismo ambiental e enfatizando qual o papel do hip hop no combate. O que o hip hop tem a ver com o meio ambiente?
Em relação aos outros elementos, o breaking e o DJ, estamos com a AminaCrew, composta por Mulheridades Pretas, focada na ocupação de territórios através da dança, utilizando música que trazem as temáticas do pertencimento, usando o corpo como um manifesto e ato político contra as hegemonias. Estamos construindo, também, uma setlist que trazem a temática da poluição, esgoto, enchentes, então é um trabalho bastante extenso nesse sentido, a partir de pessoas que fazem parte do movimento. O que é difícil, porque a partir de 99, temos uma grande gama de publicações sobre o hip hop, mas quando falamos sobre as ciências ambientais, são pouquíssimas pessoas que trazem a temática, então estou buscando com o meu trabalho trazer um aprofundamento neste sentido.
Como a maioria dos trabalhos não conceitua, por exemplo, uma batalha de rima, é necessário ter o trabalho de explicar que a roda de rima é um evento cultural, que pode ocorrer em espaços abertos ou fechados, como praças e teatros, privados ou públicos. Então, tá ligado? É preciso trazer o que está acontecendo na atualidade como uma manifestação contemporânea de política, porque o hip hop é um movimento político, social, de resistência, antirracista, decoclonial, socioambiental, multicultural... Então estou em busca de diversas referências da psicologia e da filosofia, para fortalecer o discurso dos elementos na pesquisa. Minha linha de pesquisa é Epistemologia Ambiental, que fala sobre o estudo da crítica do saber e do pensar ambiental, então tem me ajudado muito a construir a dissertação neste sentido.

Reprodução/Foto: Mellany Fotografias.
O Futuro: A fundação do NUEHP é produto de um grande projeto, uma construção coletiva. Ele é construído por diversas pessoas, seja no âmbito acadêmico ou cultural. Como é esse trabalho coletivo? Fala mais sobre as pessoas por trás do Núcleo?
Cicca: Como eu falei no começo, o núcleo foi inspirado na minha pesquisa, mas chegou um momento que eu percebi que era muito maior do que eu. Quando eu comecei a conhecer pessoas, criei o Instagram do núcleo, começou a chegar umas pessoas ali com umas pesquisas incríveis, sabe? Pra você ter uma ideia, essa semana eu recebi um trabalho do hip-hop enquanto turismo cultural. A pessoa é do turismo, sabe, tem muito trabalho surreal, coisas que você nem imagina, né, trabalhos na área da psicologia, de outros campos, e foi aí que eu falei “caralho, mano, o bagulho é maior que eu”.
E a ideia é realmente ser isso, né. A gente tem um corpo docente por detrás do núcleo, a gente tem discentes, a gente tem batalhas, principalmente. Representadas ali, né, a Batalha da Feiticeira, o Hip Rua, a Batalha do Poli, a gente também tem a Batalha da Menô, que tá se envolvendo também com a gente nas atividades, e a gente também tem apoio da coalizão Construção Nacional da Cultura Hip Hop, e também apoio da Frente Nacional de Mulheres no Hip Hop.
A coordenação do NUEHP, ela é composta por artistas acadêmicos, pessoas que estão no movimento e estão dentro da universidade, porque para nós, nesse momento de institucionalização é muito importante ater protagonismo acadêmico até pra conseguir justificar que o nosso projeto, porque ele precisa se tornar um projeto de extensão. Então, a princípio, temos as pessoas que compõem o nosso grupo de estudos membras e membros da sociedade civil, o grupo de estudos, ele é aberto, né, a gente vai começar agora, no dia 16, o primeiro encontro da gente. Que a gente vai tentar fazer de uma forma híbrida também.
A princípio é isso, a gente tem buscado se envolver também com o sindicato, então hoje vai ter a conferência da cultura do hip hop, que a gente vai estar presente. É muito importante pra gente ter esse tipo de apoio, porque a nossa ideia, pelo menos a ideia principal, quando alguém quer falar com o movimento hip hop, quem essa pessoa procura?
Não tem um canal que você vai, talvez, para procurar associações das batalhas, não é um canal que contempla todos, então eu penso muito no núcleo de estudos como esse canal de comunicação institucional, comunitário, para além da universidade. A ideia é mais ou menos essa, fazer essa construção coletiva entre Universidade, os coletivos e a própria comunidade, né, tanto acadêmica quanto os que tiverem interesse em estar articulando com a gente.
O Futuro: Houve uma mobilização de figuras bastante significativas para a classe trabalhadora paranaense em prol do NUEHP, como a Vereadora Giorgia Prates, da Mandata Preta, o Deputado Estadual Renato Freitas e a Deputada Federal Carol Dartora. Como se deu este processo de apoio político ao projeto? Qual a importância desta ponte?
Cicca: Eu já trabalhei na política aqui em Curitiba, eu fui assessora parlamentar, então fiz muitos contatos, aprendi muito sobre diplomacia, trabalhando nesses espaços, a construção também de emendas parlamentares, ela vem muito dessa relação, fiz questão de buscar esse apoio em parlamentares que já apoiam de alguma forma a cultura hip-hop.
Então, conversando com a Giorgia, que também tem interesse, está se preparando para apoiar o nosso projeto, a Carol, que já apoiou diversos projetos também, e está também com esse curso de hip-hop, que foi fruto dessa articulação dela também, uma professora, uma mulher preta.
Todos, pessoas pretas, que são muito envolvidas com a cultura aqui na cidade, então para nós é muito importante ter esse apoio, eu acho que isso vale muito. Ele dá muita coisa dentro da universidade também no sentido de apoio financeiro mesmo e apoio institucional. São pautas que também dialogam com a nossa perspectiva sobre o que é cultura, como a cultura tem que ser feita, por quem a cultura é feita aqui em Curitiba. Então, esse protagonismo também é muito importante para nós.
O Futuro: Há, por exemplo, o Centro Integrado de Estudos do Movimento Hip Hop, em Macaé/RJ, há o museu do Hip Hop no Rio Grande do Sul, e também há a linha de pesquisa Hip Hop em Trânsito, ligada ao Arquivo Brasileiro da Cultura Hip Hop, da UNICAMP. Mas o NUEHP é o primeiro do Brasil na sua forma. Fala mais sobre o diferencial do projeto e seu funcionamento, como serão as dinâmicas nos próximos meses e a continuidade do projeto?
Cicca: Então, ainda falando sobre o formato de trabalho. Dei uma olhada no Centro Integrado, vi que eles são um instituto sociocultural, mas a nossa ideia é se articular com todos esses movimentos para pensar na integração do quinto elemento, que acaba ficando muito subjetivo, e pensando nisso, as próximas atividades do Núcleo vão acontecer em escolas com o projeto “Rap nas Escolas”, cuja ideia é levar o hip hop pro Fundamental II e Ensino Médio, com oficinas e com perspectivas sociológicas e filosóficas, pensando no ingresso desses jovens no vestibular, então é um trabalho que estamos nos organizando para executar aqui em Curitiba.
Temos uma parceria em andamento com o NEAB, que é o Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros da UFPR, então estes são alguns objetivos. Os objetivos mais mirabolantes seria criar uma Biblioteca do NUEHP, com o livro de todos os artistas que publicam sobre a cultura hip hop, com as pesquisas catalogadas online para todos poderem acessar referências, já que é muito difícil falar da cultura hip hop sem referências, que são bastante escassas. Queremos construir um curso nesse sentido, e também reforçar o hip hop como uma possibilidade de educação, seja ela socioambiental, seja ela sobre direito das mulheres, direitos humanos, acho que o hip hop pode ser esse canal de educação. Temos como objetivos estar alinhados com as ODS-2030, então é importante construir esse movimento de encontro de pesquisadores e formuladores do hip hop, fazer um congresso como ocorre na UFRGS. Vou estar participando do sexto seminário do hip hop, estarei lá presente representando a UFPR e o NUEHP.
Sendo bem sincera, nossa ideia é criar políticas públicas para o hip hop através do NUEHP. Uma coisa é o movimento popular fazer uma fala, fazer uma carta, propondo a Frente Parlamentar do Hip Hop – como foi feito no Rio –, outra coisa é a institucionalidade da universidade pleitear estas questões. Então a partir do censo e destas mobilizações, conseguimos construir fomento, bolsas, permanência.
Todas as articulações estão acontecendo bem rápido, começamos em agosto e já estamos na segunda edição da Batalha do Poli, estamos com os projetos nas escolas. Agora, nos resta as partes burocráticas de cadastro no sistema da UFPR.
Nosso objetivo é mapear as batalhas que ocorrem dentro das universidades, como já ocorrem em Niterói, na UEL, na UNESP-Assis, então estamos atrás destes dados estatísticos muito importantes pensando nas políticas de permanência e na expansão do movimento a partir das pesquisas do Núcleo, passando a visão sobre a cultura hip hop e combatendo o olhar marginalizado que a cultura hip hop tem dentro da universidade.
É bastante coisa, mas temos a ideia de trabalhar com o Museu de Hip Hop do Rio Grande do Sul, do curso de extensão deles, do nosso curso de extensão, do Núcleo que é o primeiro protagonizado por estudantes dentro de uma universidade pública, então temos essa abertura grande para em dois ou três anos estar articulando muitas coisas para o movimento.