A quem serve a cautela? Uma resposta à análise do boicote à Boiler Room
Manter a Boiler Room funcionando sob essas condições é que é o verdadeiro presente para a KKR: um ativo cultural "progressista" que gera lucro e legitima o portfólio de seus donos, neutralizando a crítica radical com uma performance de solidariedade.

Reprodução/Foto: Boiler Room.
Por Jemys Henrik
O debate sobre o boicote à Boiler Room, impulsionado por uma análise do jornal O Futuro, levanta uma questão central: é possível travar uma luta política eficaz dentro de uma plataforma controlada por um capital como o da Kohlberg Kravis Roberts & Co (KKR)?
Em recente e repercutido artigo de opinião, “A quem serve o boicote à Boiler Room?”, o camarada Mateus Filgueira conclama à cautela no que tange ao boicote à Boiler Room, defendendo a plataforma como uma "vítima" e apostando em uma "luta por dentro". A análise, embora bem-intencionada, se apoia em uma base frágil: a crença de que é possível haver autonomia política sob o controle do capital imperialista. Ironicamente, a prova mais cabal de que essa tese não se sustenta vem da própria Boiler Room, em um comunicado que, ao tentar se defender, acaba por validar todos os argumentos a favor do boicote.
O cerne da argumentação de Filgueira, e de outros que se opõem ao boicote, é a ideia de que os trabalhadores e a equipe criativa são distintos da KKR, a proprietária. A própria Boiler Room reforça isso ao confessar sua total impotência na venda da empresa: "Nenhum funcionário... não teve nenhum controle sobre a venda. Também não podemos nos desinvestir porque não temos voz em nossa propriedade". É exatamente aqui que a análise de Filgueira se desfaz. Essa impotência declarada não é um atenuante; é a própria definição da dominação do capital. Ela prova que, independentemente das boas intenções da equipe, a máquina que eles operam serve a um único mestre, e os lucros de seu trabalho fortalecem a estrutura de poder que financia o sionismo.
A crença na "independência editorial", um pilar do argumento contra o boicote, também é refutada pela realidade material. Enquanto o comunicado da Boiler Room insiste que "Nenhum investidor... jamais influenciou nossa produção", a remoção silenciosa da camisa em colaboração com o FC Palestina de suas lojas prova o contrário. A influência não precisa de uma ordem direta; ela é a atmosfera, a condição estrutural imposta pelo dono do capital. A análise que ignora essa relação de poder e se apega à palavra da equipe cai em uma visão liberal e ingênua da luta de classes.
Portanto, quando Filgueira sugere que o fim da Boiler Room seria "entregar o pretexto perfeito" para a KKR, ele inverte a lógica. Manter a Boiler Room funcionando sob essas condições é que é o verdadeiro presente para a KKR: um ativo cultural "progressista" que gera lucro e legitima o portfólio de seus donos, neutralizando a crítica radical com uma performance de solidariedade. O pronunciamento da Boiler Room nos mostra que a "luta por dentro" já foi perdida no momento da venda.
A única resposta politicamente consequente não é a que busca preservar a casca de um projeto que já foi esvaziado de seu potencial. A resposta correta é a que vem de fora, das massas, de forma autônoma: o boicote. Ele é o reconhecimento de que a solidariedade à Palestina e a luta anti-imperialista são incompatíveis com a lógica do capital que a KKR representa, e nenhuma declaração de boas intenções pode apagar essa contradição fundamental.