Discussão sobre privatização do SAAE volta ao debate em São Carlos
Na última semana, começou a circular pelas redes sociais um áudio do prefeito Netto Donato (PP) onde ele afirma estar disposto a ouvir a possibilidade de investimento privado dentro do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) em São Carlos (SP).

Foto: Jornal O Futuro.
Na última semana, começou a circular pelas redes sociais um áudio do prefeito Netto Donato (PP) onde ele afirma estar disposto a ouvir a possibilidade de investimento privado dentro do Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) em São Carlos (SP). O áudio foi gravado em uma reunião sindical com trabalhadores do serviço público em São Carlos.
Em São Carlos, o serviço é atualmente operado pelo SAAE, uma autarquia municipal. Segundo o Artigo 5º do Decreto-Lei nº 200/1967, autarquia é uma entidade administrativa com autonomia jurídica, patrimonial e financeira, criada para executar serviços de interesse público. Atualmente, os trabalhadores do SAAE são servidores públicos de carreira, e que vem sentindo, dia após dia, o desmonte do serviço na cidade.
Reprodução: Redes sociais / São Carlos Sem Medo
O tema voltou ao centro das discussões após declarações recentes envolvendo a administração municipal. Em áudio divulgado, o prefeito Netto Donato (PP), apesar de negar que haja intenção de Parceria Público-Privada (PPP) durante seu mandato, afirmou estar aberto a ouvir propostas. Nessa mesma reunião, um funcionário questionou a falta de transparência da prefeitura sobre a situação e sobre a possível privatização da autarquia, inclusive requisitando a divulgação de estudos para os servidores e para a população. O mesmo funcionário questionou firmemente a falta de participação popular nas discussões sobre o futuro SAAE, dado que os maiores interessados são os trabalhadores e trabalhadoras da cidade que vivenciam diariamente a precariedade do serviço.
Ao longo dos últimos anos, podemos observar milhares de relatos de falta de água nos bairros, principalmente os mais periféricos, e quando o fornecimento é feito, muitas vezes a água da torneira sai com uma cor escurecida e com a presença de sujeira, terra e outros detritos.
Já o presidente do SAAE, em entrevista ao portal ACidade ON São Carlos, mencionou problemas como furtos de cabos, perdas na rede e um déficit de R$7 milhões, negando, contudo, qualquer projeto de privatização. Militantes do PCBR ouviram da boca de representantes do SAAE em audiência pública realizada em dezembro de 2024, ainda quando o governo estava em transição, sobre os interesses de privatização, que haviam problemas, que a prefeitura deveria tomar providências para sanar os problemas de fornecimento, falta de equipamentos e investimento, além da poluição e contaminação dos rios e do lençol freático da região. Naquele momento, havia uma promessa do prefeito, que havia acabado de ser eleito, como a perspectiva de manutenção do SAAE enquanto órgão 100% público.
Vale lembrar que o atual prefeito foi o líder de governo do ex-prefeito, durante os últimos anos do mandato do agora falecido Airton Garcia, que já demonstrava muitos sinais de saúde debilitados para lidar com o dia a dia do cargo. Ou seja, a política que vinha sendo aplicada no município, de falta de transparência e desmonte de serviços públicos, já era uma política impulsionada pelo atual prefeito.
A água enquanto direito e responsabilidade do poder público
A importância da água para a vida humana é reconhecida desde a Antiguidade. O recurso natural é essencial para a sobrevivência, higiene e alimentação, sendo considerado um direito básico da população. No entanto, na prática, o abastecimento de água e o saneamento têm sido, cada vez mais, alvo de modelos de gestão que envolvem cobrança e participação de empresas privadas.
Em São Carlos, por exemplo, o saneamento básico é um problema desde as décadas iniciais da cidade. Fundada formalmente no dia 4 de novembro de 1857, apenas em 1889 foi feita a primeira canalização das águas da “biquinha do padre”, local onde hoje é um posto de gasolina, de frente ao Teatro Municipal. Só em 1899, durante a epidemia de febre amarela, que a rede geral de água canalizada foi inaugurada. Para se ter ideia, bairros periféricos como a Vila Isabel só passaram a ter água canalizada em 1926. A rede de esgotos também sempre foi muito precária, sendo instalada apenas em 1903, e a água não era tratada, coisa que aconteceu apenas em 2008. Até essa data, a cidade contribuiu e muito poluindo a bacia do Rio Jacaré-Guaçu.
Enquanto isso, o cenário nacional continua preocupante, com mais de 32 milhões de brasileiros continuam sem acesso à água potável, e onde mais de 90 milhões de pessoas não têm um esgotamento sanitário adequado, visando a melhora da qualidade de vida e a prevenção de doenças e epidemias.
Em artigo divulgado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo (Sintaema), há a indicação que o Brasil só conseguirá atingir a meta de garantir água potável para 99% da população e coleta e tratamento de esgoto para 90% dos brasileiros em 2070; a previsão do Marco Legal de Saneamento era para 2033. Lembrando que isso só acontecerá, caso não haja ainda mais desmontes e desinvestimentos no serviço público.
O avanço neoliberal e as privatizações no estado de SP
A discussão tende a ganhar novos impulsos, pois há perspectiva de uma audiência pública para tratar da possível adesão de São Carlos ao programa estadual UniversalizaSP, política proposta pelo bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos), governador de São Paulo, e que pode levar à concessão dos serviços de saneamento à iniciativa privada por todo estado.
Críticos apontam que casos como o da Sabesp mostram que privatizações podem resultar em aumento de tarifas e piora no serviço. Segundo o Observatório Nacional dos Direitos à Água e Saneamento (ONDAS), o foco do UniversalizaSP é a captação de investimentos privados de longo prazo. A manutenção dos lucros das empresas privadas precisa ser mantida na mesma taxa, ou até superior, e para isso, a burguesia tem avançado na mercantilização de tudo aquilo que é público e deveria ser um direito de cada trabalhador e trabalhadora.
Cidades do interior do estado também estão travando a mesma luta, como é o caso da cidade vizinha de São Carlos, Araraquara. Lá a situação é quase a mesma: o Departamento Autônomo de Água e Esgotos (DAAE), criado há 56 anos, foi colocado dentro do programa estadual pelo prefeito Dr. Lapena (Patriota), outro bolsonarista assumido. O mesmo está ocorrendo em Campinas, por conta da adesão por parte do prefeito Dário Saadi (Republicanos), enquanto trabalhadores apontam que esse é o início da privatização da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa) na cidade.
Além do avanço da privatização no estado de São Paulo, podemos observar o mesmo em outros estados. Ainda no sudeste, a burguesia vem tentando privatizar a Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa), onde foi aprovada a Proposta de Emenda Complementar (PEC) 24/2024, conhecida popularmente como PEC do “Cala a Boca”, em 1º turno na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG).
Entre os partidos e movimentos que têm defendido o serviço público, o PCBR coloca em seu programa a necessidade de combate a toda forma de privatização, incluindo as Parcerias Público Privadas (PPPs). Aliado a isso, é necessário mais investimentos públicos e o fortalecimento da autarquia, e portanto, o fim das políticas de austeridade fiscal, como o Teto de Gastos e o Arcabouço Fiscal, que aprofundou a política adotada no governo Temer durante o governo atual, de Lula e Alckmin.
Em São Carlos, o PCBR soltou um chamado público sobre a possibilidade de privatização do SAAE e convidando a população a se somar na luta. A discussão segue aberta e deve ganhar novos capítulos nos próximos meses.