No mês do orgulho, a bandeira LGBT também é a bandeira da Palestina
Isso é indissociável porque o internacionalismo proletário une todos os trabalhadores oprimidos no mundo em uma luta unificada contra o capitalismo – o imperialismo – e suas expressões opressoras de classe, gênero, cor, sexualidade, etc.

Reprodução/Foto: Victoria Ivie / Long Beach Press/Telegram/SCNG.
Por Mateus Filgueira
"A burguesia do mundo inteiro, que contempla com complacência o massacre em massa após a batalha, entra em convulsão de horror ante a profanação da alvenaria!" - Marx em A Guerra Civil na França (1871)
Mesmo com as constantes políticas de pinkwashing de Israel – que consiste em uma defesa oportunista de pessoas LGBTI+ para mascarar outras formas de opressões, no caso, o genocídio contra o povo palestino –, que se apresenta como o “paraíso LGBT no Oriente”, é notório a presença massiva de pessoas LGBTs em atos, manifestações e mesas de debates pró-Palestina, não só no Brasil, mas no mundo.
O movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), é um dos maiores exemplos de como cada vez mais a luta anti-sionista vem dialogando com setores LGBTs que buscam boicotar marcas, empresas e figuras que, supostamente apoiam o público (consumidores) LGBTs, ao passo que financiam, direta ou indiretamente o genocidio do povo palestino, como a Starbucks, a Disney, a produtora da festa Boiler Room e ‘artistas’ sionistas como Gal Gadot.
A luta pela emancipação das pessoas LGBTI+ também é a luta pela emancipação dos palestinos e isso é indissociável porque o internacionalismo proletário une todos os trabalhadores oprimidos no mundo em uma luta unificada contra o capitalismo – o imperialismo – e suas expressões opressoras de classe, gênero, cor, sexualidade, etc.
A questão LGBTI+ na Palestina, sobretudo em Gaza, sob o controle do Hamas, surge como um espantalho para os sionistas. Como um fetiche doentio, provocam apoiadores pró-Palestinas, principalmente LGBTs e mulheres, afirmando que em Gaza seriam mortos, apedrejados e violentados sexualmente. O padrão reacionário também se repete em debates sobre Cuba e Coreia Popular (Norte) e, na verdade, expressam as fantasias perversas desses grupos em ‘paredões para matar gays’ e ‘estupros corretivos’.
Na Palestina não ha qualquer criminalização à homossexualidade e, embora policiais da Autoridade Palestina (não confundir com o Hamas, que administra Gaza) terem proibido grupos em defesa de direitos de gays e trans, a decisão foi revogada devido a reação negativa dos próprios palestinos. O Brasil por outro lado, com a mesma potencialidade que leva quase 2 milhões de pessoas em uma praia no Rio de Janeiro para um show voltado ao público LGBTI+ e leva 3 milhões de pessoas para Avenida Paulista na Parada do Orgulho de São Paulo, lidera, por quase duas décadas, o ranking de morte de pessoas trans e travestis – que possuem uma expectativa de vida média de 35 anos. Nos EUA, principal Estado financiador do holocausto na Palestina, e o ‘país da liberdade’, Trump segue em uma ‘cruzada’ contra a identidade de genêro de pessoas não-cis.

Reprodução/Foto: Code Pink SELA/Los Angeles Daily News.
Kawsar Zant é uma drag queen palestina de 20 anos que se apresenta em Jaffa, Haifa, Jerusalém, Ramallah e na Cisjordânia. Cherie Mota é outra drag queen, de 21 anos, de Nablus (norte da Cisjordânia) e seu nome é um ‘jogo’ com a palavra árabe “sharmuta” que significa prostituta. Segundo Mota, que já foi impedida de apresentar em Gaza por proibição do exército israelense, “Se as drag queens palestinas podem ser trazidas para a cultura central e sob os holofotes, nós podemos mostrar ao mundo a nossa luta na Palestina de diferentes formas, porque eles irão ver o nosso sofrimento como pessoas LGBT sob a ocupação israelense”. A matéria de Jaclyn Ashly, originalmente postada no The Citizen e traduzida em português pelo blog “Asiáticos pela Diversidade” explora a “florescente cena drag da Palestina”. Elias Wakeem, uma drag palestina sob o nome de Madam Tayoush, debate, há mais de 10 anos, os papeis da arte e do gênero dentro da vivência enquanto drag queen palestina.
Em 2023, Yoav Atzmoni, um soldado gay do exército de israel publicou uma foto com a bandeira LGBT, em meio a um bairro destruído pelas forças sionistas e diz querer enviar uma “mensagem de esperança à população de Gaza que vive sob o jugo do Hamas" e disse que aquela era a “primeira bandeira do orgulho LGBTQIA+ içada em Gaza”.

Reprodução/Foto: Carta Capital.
Como falar de içar a bandeira LGBT em Gaza se não há mãos palestinas para segurarem e nem casas para a erguerem? Afirmar que é a primeira bandeira LGBTI+ em Gaza é afirmar que pessoas LGBTs em Gaza não existem; é usar de uma reinvidicação justa (a luta LGBTI+), e incompatível com o capitalismo, para tentar justificar genocídio, apartheid, limpeza étnica e o próprio capitalismo. Quantos, dentre os mais de 53.500 mártires palestinos, não eram LGBTs e sequer puderam explorar e vivenciar suas sexualidades, suas identidades e seus corpos por causa do massacre diário na Palestina?
O movimento liberal “Queers pela Palestina” foi chamado por grupos sionistas dos EUA de “Galinhas pelo KFC”, aludindo que o islamismo e a homossexualidade são algo impossível; para estes grupos reacionários, os ativistas estariam apoiando seu próprio assassinato. Ao ignorarem a existência de LGBTs em Gaza – que não são mortos em ‘paredões do Hamas’, mas sim por bombas israelenses – e usarem isso como um pressuposto de que palestinos são incapazes de superar suas próprias contradições sobre a temática LGBTI+ – como se no ocidente também não estivessem latente tais contradições – é também uma visão xenofóbica sobre os árabes como um povo ‘bárbaro’ que não poderia não ser violento e que somente a supremacia colonizadora sionista poderia salvá-los.

Bandeira da Palestina na Parada LGBT de Tel Aviv, em 2020. Reprodução/Foto: Oren Ziv/Activestills.
Ativistas LGBTs judeus, como a Be'er Sheva da Associação LGBT Israelense, apesar de não defenderem um estado unico palestino, denunciam como o governo israelense utiliza de sua islamofobia para impedir eventos locais para a população LGBTI+ na Palestina ocupada supondo que os muçulmanos protestariam contra a realização de algum evento no mes do orgulho. O pesquisador Shai Gortler escreveu para a revista israleense Haokets um artigo de por que levou uma bandeira palestina para a parada do orgulho de Tel Aviv; na matéria, ele expõe diversas contradições LGBTfóbicas em israel e afirmou:
Agitei a bandeira palestina como um lembrete de que alguns de nós rejeitamos a exploração da luta LGBTQ+ pelo governo para atropelar os outros. No lugar da coalizão que atualmente se forma entre os segmentos privilegiados da nossa comunidade e o regime supremacista, pedimos que imaginemos outras possibilidades [...] O que poderia acontecer se, em vez de permitir que um regime supremacista branco e colonialista explore pessoas LGBTQ+ antes de usar seu poder contra nós, continuássemos a formar coalizões com outros que o combatem? Já consigo ouvir os homonacionalistas pegando em armas, mas sei que estão errados. Não fui eu quem trouxe as relações de poder entre Israel e Palestina para o protesto — elas estavam debaixo do nosso nariz o tempo todo. (Tradução, do hebraico para o inglês, no site +972 Magazine).
O Oriente Médio e o Norte da África só começaram a proibir – enquanto repressão estatal – a existência de pessoas LGBTs no final da segunda guerra. Com a queda do Império Otamo e a colonização britânica e francesa na região, os europeus impuseram em suas colônias leis homofóbicas embasadas principalmente pela moral e costumes cristãos dessas nações; esse processo colonizador ocidental foi crucial para o desenvolvimento da LGBTfobia no norte global. A Al-Qaeda – que apesar de não atuar na Palestina – se coloca contra políticas de libertação LGBTI+, é fruto da MAK, financiada pelos Estados Unidos para frear o crescimento da União Soviética no Afeganistão.
A luta pela Palestina não é sobre promessas divinas milenares em livros sagrados, é um sintoma do imperialismo. Não é possível haver libertação da população LGBTI+ da Palestina, do Brasil e do mundo enquanto houver apartheid, colonização e capitalismo. A nossa luta deve fazer conexões necessárias entre toda a classe trabalhadora oprimida, de Gaza as favelas, porque as opressões se reforçam mutuamente.
Ghaith Hilal, da AlQaws, em artigo para a Campanha Americana pelos Direitos Palestinos, afirmou que “A opressão se agrava porque a violência estatal – incluindo militarismo, ocupação, proliferação de prisões e neocolonialismo econômico – é tanto de gênero quanto racializada. Em casos de colonialismo de povoamento, como Palestina e Turtle Island (atual América do Norte), mulheres indígenas e pessoas queer, trans e de gênero não-conforme – e especialmente aquelas nas interseções dessas identidades – sofrem o impacto da conexão desses sistemas de opressão”.
Na mesma matéria, o ativista também coloca outros artigos e documentários sobre a questão LGBT na Palestina, todavia, a intersecção dessas pautas bebem muito de uma perspectiva liberal, portanto, é papel dos comunistas construir acúmulos e trabalhar para ser a vanguarda da luta comunista LGBTI+ em favor da libertação da Palestina.
A exemplo, destaca-se o grupo ‘Lésbicas e gays em apoio aos mineiros’ (sigla LGSM, em inglês) que foi fundado pelo militante do Partido Comunista da Grã-Bretanha e da Liga dos Jovens Comunistas (sigla YCL, em inglês), Mark Ashton. Em post recente, para os 65 anos do nascimento do militante, a YCL trouxe que Ashton “convenceu a comunidade gay de que a sua luta não deveria existir fora do movimento trabalhista mais amplo e conseguiu derrotar o fanatismo e o conservadorismo social presentes na época no movimento trabalhista como resultado. Este será para sempre o legado de Mark Ashton - um homem que construiu uma verdadeira solidariedade da classe trabalhadora”.
No auge do governo de Margaret Thatcher, em 1984, após ataques em diversos setores sociais e leis trabalhistas, foi anunciado o fechamento de uma mina de carvão em um condado na Inglaterra. Em resposta, com o apoio de outros mineiros da região de Yorkshire, Escócia, Gales do Sul, Kent, Durham e Northumberland, 140 mil dos 187 mil mineiros da União Nacional dos Mineiros (National Union of Mineworers, em inglês) entraram em greve. Ao mesmo tempo, o governo ultraconservador de Thatcher avançava na perseguição de pessoas LGBT e se recusava a tratar o HIV/AIDS como responsabilidade do Estado e de saúde pública. Mark, que já fazia parte da YCL, propôs que mineiros e homossexuais deveriam se apoiar contra uma “inimiga em comum”, a Margareth Thatcher.