Aniversário de 113 anos de Jorge Amado é marcado por abandono de seu patrimônio e esquecimento de sua história no sul da Bahia

O recente roubo de objetos da Casa de Cultura Jorge Amado, em Ilhéus, é sintoma do descaso generalizado das prefeituras da região com a cultura e a história e o do escritor, poeta, deputado federal e militante comunista.

10 de Agosto de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Natasha Mazzacaro / O Globo.

Por Daimar Stein e Thaty Milly Alexandrino

No começo de abril, um caso reacendeu a discussão sobre o patrimônio de Jorge Amado: a casa de cultura que leva o nome do poeta e que funciona como museu dedicado à sua vida e obra, ponto turístico da cidade de Ilhéus, foi arrombado e vários objetos foram furtados do local. Os objetos foram rapidamente recuperados poucos dias depois, mas o acontecimento despertou uma discussão sobre a falta de segurança e cuidado das prefeituras da região com a vida e a obra do autor e sobre o estado próximo ao abandono da cultura local.

A Casa de Cultura Jorge Amado é um museu localizado bem no coração da cidade de Ilhéus, no sul da Bahia, na região turística que também contém a Catedral, o Teatro Municipal e o Vesúvio, além de diversos outros pontos turísticos. O escritor baiano nasceu no dia 10 de agosto de 1912, no distrito de Ferradas, em Itabuna, mas mudou para Ilhéus com apenas 1 ano de idade e passou toda sua infância no local onde hoje se encontra o museu, que é dedicado à exposição de sua vida e obra como autor, poeta e militante político, que chegou a ser eleito deputado federal durante a Assembléia Nacional Constituinte pelo PCB em 1946, naquele momento ainda chamado Partido Comunista do Brasil.

O local, construído originalmente por volta de 1820, foi transformado em Casa de Cultura em 1997, com presença do próprio Jorge Amado. Passou as últimas décadas acumulando diversos problemas estruturais, como buracos no assoalho, infiltrações no teto, afundamento de solo e de infestação de animais. Para além disso, os responsáveis pelo local sofriam com uma falta de cuidados generalizada pela gestão de Mário Alexandre (PSD) na prefeitura, “se virando com o que dava” para manter o espaço aberto e funcionando, apesar da clara necessidade de reforma do local. Mesmo com a cidade sendo palco de parte das gravações do remake da novela Renascer no final de 2023, que fez com que o interesse turístico em Ilhéus disparasse, o descaso com o museu continuou.

Somente em janeiro deste ano a Casa foi interditada para reformas, que ainda não foram concluídas e não dão sinais de andamento, e as obras de Jorge Amado foram transferidas para o Teatro Municipal, local que não só não é ideal para o armazenamento das mesmas como também sobrecarrega os trabalhadores que cuidam do museu, que precisam levar e trazer as mesmas sempre que o Teatro é utilizado para algum evento. Nesses momentos, as obras estão sendo expostas de forma gratuita, o que está sendo divulgado de forma cínica pela Secretaria de Cultura do prefeito Valderico Júnior (UNIÃO) como “o resgate de uma de nossas maiores riquezas: a cultura”.

Mesmo depois do arrombamento da casa, que se tornou notícia a nível nacional devido à relevância da obra do autor, nenhuma medida de segurança foi tomada pela Prefeitura de Ilhéus.

Nas palavras de um dos funcionários, que preferiu não ser identificado, em entrevista para o jornal O Futuro:

“Parece que as gestões, e eu vou incluir essa também, não tem noção da importância da Casa de Cultura Jorge Amado, porque é um descaso absurdo. O mundo todo vem ver, vem visitar essa casa, e parece que as gestões não entendem isso. Parece que eles estão lá no gabinete e não ouvem a gente. [...] O remake de Renascer para a gente [da Casa de Cultura] parece que foi nada, eles deram todo o suporte para a equipe técnica fazer as gravações, mas… passou isso e nada, continuou a mesma coisa”.

Infelizmente a prefeitura de Ilhéus não é o único exemplo desse abandono. Em Itabuna, como já mencionado em outra matéria, a casa onde o escritor nasceu, no distrito de Ferradas, atualmente gerenciada pela Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania (FICC), já demonstra sinais claros de abandono, fechada há quase um ano e não tendo recebido mais reformas após sua última restauração em 2014, essa que também só aconteceu após décadas de descaso da FICC e da Prefeitura de Itabuna.

Jorge Amado escreveu sobre a potência que era Ilhéus e a região grapiúna, de modo que seu legado ajuda a manter viva essa história da cidade. Com forte militância comunista, escreveu sempre da perspectiva do povo, conseguindo, com precisão, retratar a realidade regional, principalmente a partir do contraponto entre a miséria e a riqueza, e sempre a partir do olhar sobre a vida do povo. Suas obras são marcadamente ligadas à militância comunista, e os temas sociais são sempre abordados da perspectiva do povo, da perspectiva dos explorados. Os temas sociais que Amado trata partem de uma realidade concreta. No entanto, apesar de inegável a importância de Jorge Amado, de seu legado e de seu patrimônio, essa relevância não é percebida pelo poder público.

Por mais que Amado tenha se afastado do PCB em 1956, após a crise causada pelo 20º Congresso do Partido Comunista da União Soviética, o apagamento de sua história se dá principalmente por um viés anticomunista. Jorge Amado, para além de suas obras mais famosas, como Capitães da Areia (1937), Gabriela, Cravo e Canela (1958) e Tieta do Agreste (1977), que chegaram a ser adaptadas para as telas pela Rede Globo, também teve obras abertamente ligadas à sua militância comunista que recebem pouca atenção ao se falar sobre seu trabalho, os principais exemplos sendo O Cavaleiro da Esperança (1944), biografia de Luiz Carlos Prestes, e Os Subterrâneos da Liberdade (1954), onde narra a resistência do PCB, ambos durante a ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas.

Esse viés anti-comunista, velado ou explícito, leva a situações como a recente tentativa de censura de Capitães da Areia, uma de suas obras mais famosas, em escolas do município de Itapoá (SC) por uma vereadora do PL, com uma das justificativas para a censura foi Amado ser “um escritor comunista” e que o livro seria “uma ferramenta para que a esquerda se infiltrasse na educação por meio dos estudos literários”.

Nesse aniversário de 113 anos de Jorge Amado, 24 anos após sua morte, devemos considerar o peso de seu nome, que é utilizado em toda e qualquer oportunidade pelo governo ao nomear obras como a nova ponte Ilhéus-Pontal, entregue em 2020. Se suas estátuas são pontos turísticos de Ilhéus e de Ferradas, é necessário um trabalho de consciência histórica em torno do caráter político de sua vida, obra e luta, e é necessário investimento público na literatura grapiúna para além da Feira Literária de Ilhéus, buscando garantir que as obras de Jorge Amado e de vários outros autores locais consigam ter seus trabalhos lidos e valorizados pela população da própria região.

É necessário mais do que nunca construir uma discussão crítica sobre o uso oportunista de seu nome e de sua imagem enquanto suas obras são apagadas do consciente coletivo pelo reacionarismo conservador, sua militância política é “jogada para debaixo do tapete” pelos “progressistas”, e sua importância para a cultura da região é valorizada apenas de forma abstrata, ignorando a manutenção dos locais históricos enquanto finge valorizar os escritores e poetas da região.