Novo consignado é lucro certo para bancos e endividamento ainda maior para trabalhadores

Lançado em março deste ano, o ‘Crédito do Trabalhador’ repete a rentável receita do Consignado INSS, com promessa de lucro para o setor financeiro.

20 de Maio de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Presidência de República.

O Crédito do Trabalhador, lançado pelo governo Lula em março de 2025, introduziu uma nova modalidade de empréstimo consignado para trabalhadores com carteira assinada (CLT). Essa iniciativa permite que os trabalhadores comprometam até 35% de sua renda mensal com parcelas do empréstimo. A novidade desse programa é a possibilidade de utilizar até 10% do saldo do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e 100% da multa rescisória como garantia para o empréstimo, que é oferecido com taxas de juros mais baixas do que as praticadas sem essas garantias. Uma segunda etapa do projeto, lançada em 16 de maio de 2025, permite a portabilidade de dívidas antigas (com juros mais altos) para contratos com melhores condições, respeitando as mesmas condições.

Sob justificativa de garantir crédito com melhores taxas de juros, o governo não só coloca em risco a segurança de famílias em caso de desemprego, como transforma um direito trabalhista em instrumento financeiro. A multa rescisória é paga pelo empregador ao trabalhador demitido sem justa causa, correspondendo a 40% do total depositado na conta do FGTS durante o período do contrato de trabalho. Em um cenário em que quase 70% dos trabalhadores não têm qualquer reserva para lidar com imprevistos, a transferência da multa rescisória aos setores privados coloca em risco a segurança alimentar e habitacional de quem se compromete com os termos do programa, em caso de demissão.

Essa troca de direitos trabalhistas por garantia de créditos não é novidade: o mesmo já foi realizado, só que usando a Previdência Social (INSS) como garantia, no governo Lula de 2004. O resultado – que deveria ser usado como alerta – foi um crescente endividamento de idosos, que viram sua aposentadoria comprometida pelos bancos.

A festa dos bancos

Se numa primeira análise, a presença de juros mais baixos pode parecer ser algo negativo para os bancos, na prática o que acontece é o contrário: grandes parcelas da população, que antes não tinham acesso a crédito, com essas garantias passam a ter. Os bancos abocanham mais um enorme grupo de endividados (os celetistas de renda mais baixa), sem diminuir os juros abusivos em outros públicos (como os detentores de cartões de créditos).

Para além dos novos empréstimos, a portabilidade de dívidas também é mais um prato cheio para os bancos: dívidas sobre as quais não tinham antes qualquer segurança, agora serão assumidas por outras instituições financeiras, que terão o FGTS como garantia. Lucram os bancos que detinham a dívida inicial, bem como os que assumem a dívida com segurança.

Com a medida, Lula mantém a tradição de seus governos garantirem lucros recordes para os bancos, como ocorreu em 2023 e 2024. Nas declarações das instituições, o que colocaria em riscos os lucros a partir de 2025 seria a diminuição de acesso ao crédito frente aos juros altos do cenário atual, problema este resolvido com o Crédito do Trabalhador.

A declaração do presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) mostra a expectativa do setor: “Temos uma perspectiva positiva de que esse crédito para o trabalhador privado vai ser mais barato, vai ser mais ampliado. Nós vamos democratizar o acesso e nós estamos estimando que esses 40 bilhões de reais possam triplicar, o que significa dizer que essa carteira de crédito pode chegar a uns R$ 120 bilhões, R$ 130 bilhões”, declarou Isaac Sidney.

O endividamento em massa

Em março de 2025, segundo o Serasa, o país contava com 75,7 milhões de endividados. Os dados da Confederação Nacional do Comércio (CNC) apontam que em abril de 2025, 77,6% das famílias possuíam dívidas. A média é de 30% da renda familiar comprometida.

A perspectiva, com o Crédito do Trabalhador, é que esse número aumente. Inicialmente, pelo fato da primeira fase do programa ter oferecido novos contratos de crédito antes do oferecimento da portabilidade. Esse cronograma priorizou a criação de novas dívidas, em detrimento da renegociação das dívidas antigas com condições mais favoráveis.

A experiência com o consignado do INSS também traz aprendizados sobre as táticas do setor financeiro para ampliar seus lucros com base no endividamento massivo. Em dezembro de 2021, foi publicado pelo IDEC (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) um estudo intitulado "Os impactos do crédito consignado no endividamento de aposentados do INSS”. Alguns pontos de atenção são os mecanismos de agravamento do endividamento, as ofertas agressivas de crédito e as lacunas regulatórias da legislação.

Desde a instituição do crédito consignado ao INSS, em 2003, o poder do lobby dos banqueiros em Brasília flexibilizou as regras iniciais. Foram os casos do aumento da margem consignável de 30% para 40% e a ampliação do prazo para pagamento, que serviram como incentivo ao aumento das dívidas. Tornou-se também comum o assédio na oferta de crédito, com denúncias crescentes desde 2003. Desde propaganda em horário nobre da TV, múltiplas ligações com ofertas, até vazamento de informações sigilosas do INSS. O resultado foi a necessidade da criação de uma plataforma para evitar essa abordagem agressiva: a Não me perturbe.

O mesmo estudo, do IDEC, conclui que a legislação brasileira não protege suficientemente o consumidor: falta regulação sobre consentimento claro, programas de educação financeira e prevenção de assédio comercial. Ao mesmo tempo, a fiscalização dos correspondentes bancários que realizam a negociação do crédito é mínima. A Lei do Superendividamento (14.181/21), que deveria significar um avanço no tema, não cobre situações específicas de crédito consignado.

O Crédito anti-Trabalhador

Se por um lado a ofensiva contra os trabalhadores passa por leis e contrarreformas que minimizam os direitos, por outro as frágeis garantias ainda restantes tornam-se ativos para o crescimento do setor financeiro – especialmente em um cenário de enfraquecimento sindical e precarização das relações de trabalho.

O acesso ao crédito, apresentado como benefício, oculta a ausência de políticas reais de valorização do trabalho e de recomposição salarial. No lugar de aumento de segurança e direitos, oferece-se um adiantamento da própria demissão, financiado a juros e garantido com a renúncia de sua própria segurança. E, como sempre, com lucro certo para os bancos.