Após 14 dias, povo Munduruku encerra bloqueio de rodovia contra o Marco Temporal
O Bloqueio da Transamazônica no Pará exigia diálogo com o Ministro do STF Gilmar Mendes, marcado para 15 de abril. Ministro Flávio Dino quer regulação da mineração e hidrelétricas.

Reprodução/Foto: @frankakaymunduruku / Coletivo indígena Kirimbawa Itá.
Por Kauana Niz e Lucas Barros
Desde o dia 25 de março, os Munduruku ocuparam estrategicamente o entroncamento entre as rodovias BR-163 e BR-230, na Transamazônica, município de Itaituba (PA), região do Tapajós. A ação durou até segunda-feira (07) e, ao longo dos quatorze dias de protesto, o movimento Munduruku Ipereğ Ayũ manteve três demandas centrais: o fim imediato da Lei 14.701/2023 (Marco Temporal), a extinção da mesa de conciliação no STF que discute o tema e uma audiência urgente com o ministro Gilmar Mendes. Uma das pautas foi atendida na segunda-feira (07) com a confirmação da audiência com Gilmar Mendes, marcada para o dia 15 de Abril, em Brasília.
Durante a ocupação, nem o Ministério dos Povos Indígenas, nem a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (FUNAI) ou qualquer outro representante do Governo Federal se dispuseram a estabelecer diálogo com os manifestantes.
A localização da ocupação não foi por acaso: o ponto onde as duas rodovias federais se encontram é crucial para o escoamento da produção do agronegócio do Centro-Oeste, servindo como via de acesso ao porto de Miritituba, no rio Tapajós. Por esta rota, milhões de toneladas de soja e milho são transportadas diariamente para Santarém, de onde seguem para exportação.
O Ministro do STF Gilmar Mendes protagoniza projetos anti-indígenas, enquanto o Ministro Flávio Dino adota uma lógica de compensação econômica que reforça os grandes empreendimentos em territórios, alinhando-se, assim como Mendes, aos interesses das mineradoras e da burguesia do agronegócio.
Enquanto o povo Munduruku caminha agora até Brasília, povos indígenas de todo Brasil já deram início ao Acampamento Terra Livre (ATL) no local.
As mobilizações acontecem frente aos desdobramentos da mesa de conciliação da Câmara dos deputados. Em 2 de abril, Gilmar Mendes discutiu um novo anteprojeto da Lei 14.701/2023, conhecida como “Marco Temporal”. A proposta mantém os principais retrocessos do texto original e pode ampliar ainda mais a possibilidade de exploração econômica em terras indígenas, especialmente para atividades de mineração – tudo isso sem que os pedidos formais de anulação da lei pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) tenham sido sequer considerados.
Flávio Dino propõe ao Congresso que regule a mineração em Terras Indígenas
Enquanto o ministro Gilmar Mendes segue promovendo retrocessos em relação aos direitos dos povos indígenas, o ministro Flávio Dino – uma das principais figuras do governo Lula no Supremo Tribunal Federal – também sinaliza alinhamento com os interesses das mineradoras.
No último dia 11 de março, Dino proferiu uma decisão determinando que os povos afetados pela Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, tenham direito à participação nos lucros da usina. Embora a medida possa parecer positiva à primeira vista, ela revela uma lógica de compensação econômica que favorece a continuidade dos grandes empreendimentos, em vez de enfrentar suas causas e impactos estruturais sobre os territórios indígenas e tradicionais.
Essa decisão, determina que os lucros cheguem na comunidade atrás do “incremento especial do Bolsa-Família no território afetado; projetos de produção sustentáveis que gerem benefícios diretos para a coletividade; melhoria da infraestrutura educacional e sanitária nos territórios indígenas; segurança dos territórios, e projetos de reflorestamento em terras indígenas. E uma parte dos recursos, de valor não definido, será destinada a um Fundo Nacional para demarcações”.
A decisão do ministro também determinou que o Congresso Nacional regulamente, no prazo de 24 meses, os artigos da Constituição Federal referentes à realização de empreendimentos hidrelétricos e de mineração em terras indígenas.
Embora apresentada como uma medida de avanço institucional, a decisão aprofunda o debate sobre a exploração de territórios indígenas e transfere ao Congresso – dominado por interesses empresariais e pela bancada ruralista – o poder de definir os rumos dessa regulamentação, o que tende a favorecer os setores interessados na exploração econômica dessas áreas.
Além de limitar o direito à consulta livre, prévia e informada, garantido aos povos indígenas, a medida pode transformar o processo de debate em uma mera formalidade, esvaziando o protagonismo das comunidades e ampliando a presença do Estado burguês como facilitador dos interesses mineradores. Isso abre caminho para uma maior concentração de empreendimentos extrativistas nas terras indígenas, agravando os impactos socioambientais.
Apesar de aparentar ser uma iniciativa boa a destinação de royalties as comunidades afetadas por empreendimentos hidrelétricos e extrativistas, essa decisão veio acompanhada dos interesses burgueses nas TIs, isso tende a intensificar os conflitos nas comunidades indígenas, aumentando a fragilidade do direito à terra. Em um cenário de crise climática cada vez mais evidente, essa postura caminha na contramão das urgências ambientais e sociais do país, aprofundando vulnerabilidades e ameaças históricas.
Entenda a mesa de conciliação que ameaça os direitos indígenas
A Lei 14.701/2023 restringe o direito à terra apenas aos povos indígenas que consigam comprovar a ocupação de seus territórios antes de 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Embora já tenha sido considerada inconstitucional pelo próprio Supremo Tribunal Federal, a lei foi aprovada pelo Congresso Nacional sob forte influência do agronegócio e das mineradoras, que buscam facilitar o acesso a terras indígenas para exploração econômica, especialmente de recursos minerais.
A Constituição Federal de 1988 garante aos povos indígenas o “direito originário sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”, embora esses direitos estejam assegurados, a exploração capitalista cada vez mais intensa aprofunda a cobiça do capital à exploração dos territórios indígenas e permite que não se avance na homologação e demarcação das terras.
Semelhante a Lei 14.701/2023 também passou pelo Senado como PEC 48/2023, porém não foi aprovada e o ministro do STF formou em 2024 uma mesa de conciliação na Câmara dos Deputados, impulsionada por intensa pressão de setores do agronegócio e da mineração, interessados na exploração econômica de áreas indígenas.
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), retirou-se das negociações da mesa em agosto de 2024, classificando-a como uma negociação forçada e ilegítima, e denunciou a completa ausência de condições para um diálogo democrático. Mesmo assim, o Ministério dos Povos Indígenas indicou um representante à mesa sem qualquer consulta prévia ao movimento indígena. A Apib denunciou veementemente a Câmara de Conciliação do ministro Gilmar Mendes por violar direitos indígenas ao manter a Lei 14.701/2023 (Marco Temporal) – já declarada inconstitucional – e desrespeitar a autonomia dos povos ao continuar o processo mesmo após a retirada das lideranças indígenas.
O movimento criticou duramente o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), por se submeter às decisões do STF sem contestação, traindo a base indígena que lutou pela criação deste ministério e indicou sua atual titular.
Após mobilização dos movimentos indígenas e da sociedade civil organizada, o ministro Gilmar Mendes instituiu na comissão de conciliação na Câmara o debate, primeiramente de um Projeto de Lei Complementar que depois se transformou em um anteprojeto que substituiria a Lei do Marco temporal, mas que, na verdade, é um ardil que visa liberar a mineração em terras indígenas.
Assim, o projeto de lei em discussão mantém as limitações aos direitos territoriais indígenas e, de forma alarmante, viabiliza a exploração mineral em áreas tradicionais – justamente uma das demandas do lobby empresarial. A última discussão sobre esse anteprojeto ocorreu no último 2 de abril e não se tem informações sobre a data da próxima reunião.
A vitória da ocupação dos Munduruku e a continuação da luta podem mudar esse cenário e forçar o ministro a negociar.