Inicia hoje o Acampamento Terra Livre (ATL) em Brasília
A maior mobilização indígena da América Latina segue pautando a derrubada do marco temporal e a demarcação de terras.

Chegada de algumas delegações em Brasília em 06/04. Reprodução/Foto: @owapichana/Apib.
Por Kauana Niz
A 21ª edição do Acampamento Terra Livre (ATL) acontece entre os dias 7 e 11 de abril, reunindo milhares de indígenas de todo o país em Brasília. Organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e suas organizações de base, o evento deste ano tem como tema central a “APIB somos todos nós: em defesa da Constituição e da Vida”. A mobilização reforça a luta pela garantia e efetivação do artigo 231 da Constituição Federal, que reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras tradicionais — uma pauta que ganha ainda mais urgência diante dos recentes ataques legislativos e institucionais a esses direitos.
A mobilização ocorre em meio às articulações conduzidas pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, que, no dia 2 de abril, discutiu um novo anteprojeto da Lei 14.701/2023, conhecida como “Marco Temporal”. A proposta mantém os principais retrocessos do texto original e pode ampliar ainda mais a possibilidade de exploração econômica em terras indígenas, especialmente para atividades de mineração — tudo isso sem que os pedidos formais de anulação da lei pela APIB tenham sido sequer considerados.
Apesar da intensa mobilização do movimento indígena e da sociedade civil, a mesa de conciliação liderada por Mendes segue influenciada por interesses do agronegócio e de grandes grupos mineradores. A APIB abandonou a mesa ainda no ano passado, classificando-o como uma negociação forçada e ilegítima. Mesmo assim, o Ministério dos Povos Indígenas indicou um representante à mesa sem qualquer consulta prévia ao movimento indígena.
Em entrevista ao Jornal O Futuro, Eulálio Apurinã, presidente do Conselho Deliberativo e Fiscal da Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamamadi de Boca do Acre/sul do Amazonas (OPIAJBAM), e pesquisador do MESPT-UNB, falou sobre a importância de cada povo levar suas próprias pautas e reivindicações ao espaço e das discussões que serão realizadas sobre a inviabilização indígena nos fóruns deliberativos nacionais e internacionais sobre a questão climática, e ressaltou que cada território tem suas demandas específicas, debatidas em espaços próprios durante o evento.
Sobre as dificuldades de participação, Eulálio mencionou o desafio do deslocamento até Brasília, especialmente para povos que vivem em regiões distantes, como os Apurinã e Jamamadi no sul do Amazonas, que demoram quase 04 dias de ônibus até Brasília. Muitas vezes, não há recursos suficientes para custear passagens ou alugar ônibus, e atualmente, apenas duas passagens são disponibilizadas por território. "A gente sonha com um dia em que poderemos trazer três, quatro ônibus só do sul do Amazonas". Também elogiou a organização do ATL, fruto do esforço coletivo do movimento indígena, que assegura água, alimentação e barracas para todos os participantes.

ATL em 07/04. Reprodução/Foto: Arquivo Pessoal/Eulálio Apurinã
A preparação do Acampamento Terra Livre (ATL) é coordenada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) em parceria com suas organizações de base em todo o país. Participam desse processo a Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME), a Diretoria do Povo Terena, a Articulação dos Povos Indígenas do Sudeste (ARPINSUDESTE), a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), o Grande Conselho do Povo Guarani (ATY GUASU), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Comissão Yvyrupa Guarani.
Em meio ao ano de realização da COP 30 em solo brasileiro, a COIAB esse ano prepara uma programação com o lema: “Pelo Clima e Pela Amazônia: a resposta somos nós” e traz discussões sobre a importância dos povos indígenas para o debate sobre emergência climática no Brasil e no Mundo, a necessidade da demarcação das Terras indígenas para o debate de Justiça Climática, salvaguardas indígenas e financiamento climático e autodeterminação e transição energética justa.
Para Eulálio Apurinã, a COP sempre foi um lugar “que realmente não tem a participação indígena, popular, dos povos tradicionais, quem vai participar é boicotado, tem todo esse histórico de não participação”, porém, Eulálio se sente esperançoso para a COP 30, e luta para que os povos indígenas possam ser ouvidos. "Nós, povos indígenas, lutamos para barrar a crise climática", afirma, destacando o papel fundamental dos povos originários no combate às mudanças climáticas.

Liderança da OPIAJBAM, Eulálio Apurinã. Reprodução/Foto: Arquivo pessoal/ Eulálio Apurinã.
A COP 30, marcada para novembro em Belém, ocorre em meio a questionamentos sobre o compromisso do governo estadual com a participação democrática nos debates, especialmente após o governador do Pará, Helder Barbalho, adotar uma postura autoritária diante das reivindicações dos povos indígenas por melhorias na educação e pela manutenção da educação presencial que tanto Helder quanto seu ministro da educação, Rossieli Soares, queriam retirar.
Como já apontado em matéria recente publicada n’O Futuro, Helder Barbalho agiu com repressão aos protestos indígenas. O governo ainda divulgou informações falsas sobre os manifestantes, o que motivou ação da Defensoria Pública da União (DPU). Além disso, criou um grupo de trabalho excluindo lideranças críticas, privilegiando etnias alinhadas à gestão, numa tentativa de isolar opositores e deslegitimar o movimento. Assim, Helder tenta vender o Pará como capital da Amazônia e líder climático enquanto destrói os direitos dos povos indígenas e faz do Pará liderança em degradação ambiental.