Juros altos frustram promessas do Governo Federal para o novo crédito consignado

Até agora, o resultado foi exatamente o oposto do prometido: a taxa média de juros aumentou, passando de 44% anual para 59,1% na modalidade privada; no consignado total saltou de 26% para 27,2%. A inadimplência das famílias subiu de 29,1%, em abril, para 29,5%, em maio.

19 de Junho de 2025 às 15h00

Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert.

No lançamento do programa Crédito do Trabalhador, que foi oficialmente implementado com a publicação da Medida Provisória nº 1.292 de 12 de março de 2025, as promessas do Governo eram de que a classe trabalhadora seria beneficiada, podendo renegociar suas dívidas, com liberdade para escolher as melhores condições, “entre bancos privados, bancos públicos. Aquele que cobrar menos”, nas palavras do presidente Lula, e com a redução de até 50% das taxas de juros, como afirmou o Ministro da Fazenda Fernando Haddad.

Pelas regras do programa, trabalhadores com carteira assinada poderiam contratar linhas de crédito consignado usando 10% do saldo da conta do FGTS e a multa de 100% contra demissão sem justa causa como garantia. Ou seja, na situação em que o empregado é demitido sem justa causa, o banco pode ficar com uma parte do FGTS e toda a multa rescisória paga pela empresa.

Quando divulgados os primeiros dados consolidados após o final de abril, percebeu-se que, pelo menos nesse primeiro momento, o resultado foi exatamente o oposto do prometido: a taxa média de juros aumentou, passando de 44% anual para 59,1% na modalidade privada, no consignado total pulou de 26% para 27,2%. Mas não só isso, o saldo de crédito às famílias, ou seja, o total de dinheiro emprestado, cresceu 0,9% em abril e 12,5% nos doze meses anteriores, aumento impulsionado pela alta de 7,4% no crédito consignado ao trabalhador. Em entrevista dada no final de maio, juntamente com a divulgação dos novos dados, o chefe do setor de estatísticas do Banco Central, Fernando Rocha, reconheceu explicitamente que os juros realmente aumentaram.

Ao final de abril, haviam sido concedidos R$ 12,9 bilhões para 2,3 milhões de trabalhadores, com valor médio por contrato de R$ 5.471,23, e prazo de 17 meses. Procurando dar uma justificativa para os resultados desfavoráveis, o mesmo representante do alto escalão do Banco Central, Fernando Rocha, afirmou que poderiam ser devido à análise do risco que os novos clientes representam, chegando a mencionar o perfil de endividamento e de piores condições de pagamento. Contudo, o que não é possível afirmar é que essas condições sejam particularmente novas para o governo ou mesmo para os bancos, posto que os números de famílias endividadas, e mesmo inadimplentes, já vinha aumentando.

Nesse sentido, verificou-se o aumento de pessoas que não conseguem pagar suas dívidas e tornam-se inadimplentes. A inadimplência das famílias subiu de 29,1% em abril, para 29,5% em maio. E as projeções são de que continuará crescendo o número de famílias endividadas, com especial destaque para setores da classe média, onde famílias com renda entre três e cinco salários mínimos, a proporção subiu de 79% para 80,3%. Além disso, os dados divulgados pelo Banco Central mostram de maneira clara que nos últimos doze meses o endividamento geral das famílias subiu 0,8%, reforçando que não se trata de uma surpresa para ninguém.

Desdobrando os dados sobre endividamento, o cartão de crédito é a principal modalidade responsável por comprometer os orçamentos das famílias, representando 84% dos casos. Além do cartão de crédito, temos os carnês e o crédito pessoal, com 17% e 10% respectivamente, do total de pessoas endividadas.

Nesse contexto de endividamento das famílias, o governo propõe a medida para oferecer novas modalidades de crédito aos trabalhadores, sem nenhuma garantia por parte das instituições financeiras quanto ao limite nos juros a serem praticados. Soma-se a isso, que as pessoas têm sido confrontadas com inflação de alimentos, epidemia de jogos de azar (as chamadas Bets) e precarização das relações de trabalho com mais pessoas na informalidade ou trabalhando como MEI. E ainda é aplicada uma clara, evidente e gritante política econômica de austeridade, com altas seguidas na taxa de juros base, a SELIC, que hoje está em 14,25% ao ano, ampliando os gastos com a dívida pública, e pressionando por cortes no orçamento primário, que são as despesas com, por exemplo, as pastas de educação, saúde e assistência social.

Nenhuma dessas situações é novidade para o governo. No caso da epidemia de bets, por exemplo, verifica-se que o número de pessoas endividadas que apostaram em 2024 aumentou. A quantidade de pessoas inadimplentes chegou a 75,7 milhões em março, um aumento de 10% em relação a fevereiro, e a quantidade de pessoas que estão endividadas e apostaram subiu de 4% para 10,6% no período analisado.

Ao mesmo tempo que o governo petista tenta oferecer linhas de crédito novas e incentivar a renegociação de dívidas e estimular o consumo, sendo que o cenário demanda maior proteção ao trabalhador contra agentes econômicos que só visam explorá-lo o máximo possível, a política monetária segue no sentido oposto, o que configura a situação como uma verdadeira armadilha para a população.

Soma-se a esse cenário que a forma de implementação do crédito do trabalhador é pela via de autorização aos bancos para acesso às informações e dados pessoais, via aplicativo da carteira de trabalho digital e eSocial, o que, na prática, significa que o governo vai usar a base de dados pública para municiar as instituições financeiras com todos os dados de que precisam para perseguir e assediar os trabalhadores, isso sem nenhuma contrapartida fixada do lado dos bancos.

Hoje, esse tipo de banco de dados contendo informações pessoais de milhões de potenciais clientes tem um valor incalculável. Representantes da Febraban chegaram a falar em um potencial de R$ 120 bilhões em contratos, podendo chegar até R$ 300 bilhões. Contudo, não foram exigidas como contrapartida nenhuma limitação dos juros, e a liberdade de ação pelas instituições financeiras demonstrou, num primeiro momento, que o resultado foi o oposto. E apesar da obrigatoriedade de observância aos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP), sabe-se que existem dificuldades para fiscalizar e garantir a efetiva proteção desses dados sensíveis.

Recentemente, investigações no caso envolvendo descontos ilegais de aposentados e pensionistas do INSS, que apontaram estimativas de R$ 6 bilhões em descontos indevidos, também apontaram que a fraude se deveu, em parte, ao vazamento de dados sigilosos, mas também graças ao compartilhamento de dados do INSS com os bancos por meio de acordo de cooperação. E mesmo com previsão para fiscalização e punição, na prática, ela não acontece, porque a entidade não dispõe de estrutura própria para isso.

A segurança de dados é um dos principais temas de atenção para os Estados contemporâneos. Informações do Senado dão notícia de que, em 2024, pelo menos 24% dos brasileiros com mais de 16 anos havia sido vítima de golpes digitais, aumentando a responsabilidade que se deve ter ao tratar do compartilhamento de bancos de dados pessoais e sensíveis, em particular no caso do Crédito do Trabalhador, em que vão ser compartilhadas informações relativas à renda e dados bancários.

Uma combinação de elementos com potencial de lançar os trabalhadores brasileiros em um endividamento cada vez mais aprofundado, com condições mais precárias para se livrar das dívidas contraídas. Pelo contrário, as medidas adotadas sinalizam que o governo petista pensa que o endividamento é natural e fará parte estrutural da vida das famílias e da classe trabalhadora de forma permanente.