Acordo de livre comércio defendido por Temer e Bolsonaro é resgatado e concretizado por Lula
Reforçando traços liberalizantes da política econômica de governos anteriores, o governo Lula dá passos finais para consolidar acordo que reforça dependência econômica da América Latina.

Reprodução/Foto: Ricardo Stuckert/PR.
O acordo entre os países do Mercosul (Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai) e a União Europeia está com sua assinatura prevista para o dia 20 de dezembro. Trata-se de um acordo comercial com objetivo de facilitar a circulação de bens entre ambos os blocos por meio de flexibilização de regras de importação e exportação, bem como redução e eliminação de tarifas em alguns casos.
Os blocos chegaram ao acordo sobre uma série de pontos, e anunciaram em dezembro de 2024, na cidade de Montevidéu a respeito da conclusão das negociações. Com isso, deu-se início a preparação dos textos que serão assinados.
É uma operação que envolve interesses de ambos os lados, e que abrange em torno de 718 milhões de pessoas considerando as populações de todos os países integrantes, e o Produto Interno Bruto (PIB) somado de US$2 trilhões.
Em 2023, as exportações brasileiras para a Europa totalizaram US$ 46,3 bilhões, e foram sobretudo de ração para animais (11,6%), minérios e sucata (9,8%), café, chá, cacau e especiarias (7,8%), sementes e oleaginosas (6,4%), ferro e aço (4,6%), verduras e frutas (4,5%), Celulose e resíduos de papel (3,4%), carne e preparações de carne (2,5%), tabaco e suas manufaturas (2,2%).
Já as importações no mesmo ano, totalizaram US$ 45,4 bilhões, e foram principalmente de produtos farmacêuticos (14,7%), máquinas e produtos industriais (9,9%), veículos rodoviários (8,2%), petróleo e derivados (6,8%), máquinas e equipamentos de geração de energia (6,1%), produtos químicos orgânicos (5,5%), dentre outros.
Os principais produtos a serem exportados envolvem setores historicamente com alta concentração como soja e proteína animal: grupos gigantescos como JBS, BUNGE, Amaggi, Marfrig funcionam como oligopólios concentrando a produção e, portanto, os lucros.
Pois, com as negociações iniciadas no ano de 1994, o acordo Mercosul-UE nunca chegou a ser concluído em mais de duas décadas por conta de impasses quanto aos termos da negociação. O interesse dos países europeus sempre foi o de garantir um amplo mercado para seus produtos industrializados, com forte presença da indústria automobilística e farmacêutica, ao mesmo tempo em que garantiam proteção de seus pequenos produtores agrícolas contra o setor agroexportador dos países do Mercosul.
No decorrer dos anos as negociações pouco avançaram de forma significativa. Principalmente no início dos anos 2000 quando países como Brasil e Argentina foram governados por presidentes com tendências mais à esquerda, com Lula em seus primeiros mandatos e Cristina Kirchner, o foco era com países no sul global, bem como nessa época crescia a importância do papel econômico da China e dos BRICS. Vale lembrar que a China assumiu posto de principal destino das exportações brasileiras em 2009.
Foi justamente nos anos de 2015 e 2016, quando Maurício Macri, um presidente de ideologia liberal, assume a Argentina, e quando Dilma Roussef sofre o golpe com o poder sendo assumido por Michel Temer, que novas negociações voltam a ser levadas adiante. Seguindo a linha de Michel Temer, Jair Bolsonaro é eleito com um discurso liberalizante e, em 2019 anunciou a conclusão do acordo em encontro do G20 no Japão.
As negociações, contudo, foram barradas por França, Polônia e Áustria, principalmente utilizando o argumento de questões ambientais, já que sob o governo Bolsonaro o desmatamento no Brasil havia chegado a níveis recordes. Ainda hoje esses países são resistentes ao acordo em razão dos efeitos que os produtos agrícolas brasileiros e do Mercosul podem ter em seu mercado interno, em particular para seus pequenos produtores, que teriam dificuldades de competir com setores bilionários do agronegócio.
Quando o Lula assumiu seu terceiro mandato em 2023, ele se compromete em rever os termos do acordo de dar sequência as negociações.
Exigências ambientais por parte da UE acabavam sendo espécie de obstáculo, mas as negociações realmente passaram a se desenvolver principalmente em decorrência da vitória de Donald Trump nos EUA e suas ameaças tarifárias contra todos os países do mundo. Além disso, países como a França que historicamente haviam sido resistentes ao acordo, experimentavam crises políticas, tornando-os mais vulneráveis às pressões externas.
Assim, de volta ao presente, o acordo parece se encaminhar para um desfecho, e a UE chegou a discutir nos últimos dias medidas de proteção como uma resposta aos setores mais resistentes. No dia 08 de dezembro o Parlamento europeu avançou com um mecanismo de salvaguarda para reduzir potenciais ameaças dos produtos agrícolas do Mercosul aos produtores europeus.
Dentre as medidas aprovadas está a possibilidade de se abrir investigações caso as vendas de produtos como carne bovina ou aves aumentem mais de 5% ao longo de três anos, ou caso os preços desses produtos caiam também mais de 5% no mesmo período.
A aprovação das medidas de proteção precisa de 55% dos países membros, ou seja, 15 dos 27, somando 65% da população total.
Há quem veja com preocupação a viabilidade econômica do acordo diante de tais proteções, porque as cotas de produtos agrícolas do Mercosul para a Europa já teriam sido bastante limitadas.
De todo modo, a natureza imperialista do acordo fica bastante evidente quando se tem em conta que o que interessa do lado do Mercosul é exportar produtos agrícolas e de baixo valor agregado, enquanto se abre o mercado interno para produtos industrializados europeus. Ganham os capitais industriais europeus, ganha o agronegócio daqui, numa política econômica que retoma a linha neoliberal dos governos golpistas anteriores sem qualquer atitude crítica.
Uma matéria do site Outras Palavras levantou que movimentos sociais e sindicatos ligados principalmente a trabalhadores e trabalhadoras do campo têm se manifestado contrários ao acordo comercial. Em julho, entidades rurais europeias enviaram uma carta aos formuladores de políticas da UE pedindo a rejeição do acordo, preocupados com os riscos aos setores agrícolas vulneráveis da Europa. Seus signatários são o Conselho Europeu de Jovens Agricultores (CEJA), o Comitê de Organizações Profissionais Agrícolas, a Confederação Geral de Cooperativas Agrícolas da União Europeia (COPA-COGECA), a Coordenadora Europeia Via Campesina (ECVC) e a Federação Europeia dos Sindicatos de Alimentação, Agricultura e Turismo (EFFAT), organizações que representam uma ampla diversidade de comunidades rurais e trabalhadores do setor agroalimentar no continente.
Do lado latino-americano, mulheres da Via Campesina expressaram sua preocupação com violações de direitos das mulheres do campo, enquanto a Central Única dos Trabalhadores do Brasil (CUT) e a Coordenação Sindical do Cone Sul (CCSCS), na presença do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entregaram carta à delegação do Comitê de Comércio Internacional (INTA) do Parlamento Europeu, manifestando oposição. A concretização do acordo provocará desindustrialização, redução da produção nacional, e maior dependência de importação de produtos manufaturados europeus, traduzindo-se em um reforço da dominação exercida pelo capitalismo monopolista.
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