Megaoperação no Complexo de Israel paralisa o Rio e deixa 4 trabalhadores feridos em tiroteio

Mais de 600 policiais foram mobilizados para integrar a operação-espetáculo que deflagrou intensos tiroteios em Vigário Geral, Parada de Lucas e na Cidade Alta. A ação provocou o fechamento de vias e interrupção do transporte público em horário de pico de deslocamentos na cidade

11 de Junho de 2025 às 0h00

Avenida Brasil bloqueada pela Polícia Civil. Reprodução/Foto: Voz das Comunidades.

Por Gustavo Pedro

As principais vias da cidade do Rio de Janeiro amanheceram paralisadas, nesta terça-feira (10), em decorrência de uma megaoperação policial, realizada no Complexo de Israel, zona norte da capital, pela Polícia Civil. Mais de 600 policiais foram mobilizados pelo Estado para integrar uma operação-espetáculo que deflagrou intensos tiroteios em Vigário Geral, Parada de Lucas e na Cidade Alta. A ação policial provocou o fechamento de vias e interrupção do transporte público em horário de pico de deslocamento de trabalhadores na cidade

A operação impactou serviços públicos essenciais nas comunidades de Vigário Geral, Parada de Lucas, na Cidade Alta, Cinco Bocas e Pica-Pau, que compõem o chamado Complexo de Israel. Vigário Geral e Parada de Lucas foram as principais afetadas pelos fechamentos em decorrência dos confrontos entre a Polícia Civil e integrantes do Terceiro Comando Puro (TCP). Os transtornos causados pela paralisação do trânsito e de diversos serviços públicos puderam ser sentidos pelos moradores das comunidades do complexo, passageiros e motoristas que circulavam entre a Baixada Fluminense e a capital.

Apuração da jornalista Camille Couto aponta que 7 unidades de saúde e mais de 20 escolas públicas nessas comunidades do Complexo de Israel tiveram seu funcionamento afetado ou interrompido. A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) suspendeu atividades presenciais - nos campi do Fundão, Duque de Caxias, Centro e Praia Vermelha - e a Unigranrio cancelou atividades na parte da manhã em Duque de Caxias.

A partir das 6h da manhã, vias expressas como a Linha Vermelha e a Avenida Brasil - que conectam as zonas oeste e norte ao centro do Rio e à Baixada Fluminense - foram bloqueadas. A circulação dos ramais Saracuruna e Belford Roxo da Supervia também foi comprometida por conta dos tiroteios e de danos à rede elétrica dos trens.

O motorista de ônibus Marcelo Silva Marques, de 54 anos, foi ferido na Linha Vermelha e um passageiro da linha Central-Cabuçu, Manoel Américo da Silva (60 anos), foi atingido na Avenida Brasil, segundo informações do Voz das Comunidades. Mais dois trabalhadores foram feridos por tiros em Duque de Caxias: João André dos Santos (63), que era passageiro da linha 603 e foi alvejado no Parque Lafaiete; e Jerry Henrique, de 47 anos, que foi atingido no calcanhar enquanto prestava socorro a uma senhora no centro de Caxias. Não há mais informação de feridos até o momento.

Mais de 50 linhas de ônibus foram afetadas e o BRT foi interditado com o fechamento da Avenida Brasil entre a Cidade Alta e Vigário Geral até às 7h30 da manhã. O cenário de paralisia e de atraso nos diferentes modais foi generalizado.

A utilização do espetáculo como plataforma política

A Polícia Civil justificou em coletiva de imprensa que o “saldo” da operação era de 14 presos, dentre os mais de 44 mandados à cumprir, com boa parte deles sem “anotações criminais” anteriores. A importância específica dessa operação seria a de “tirar do anonimato” pessoas que “passavam despercebidos da sociedade e da atuação da polícia”, como afirmou o Secretário da Polícia Civil do Governo de Cláudio Castro (PL-RJ), o delegado Felipe Curi.

Segundo informado pela Polícia Civil, o número 1 da facção que atua na região não estava entre os “alvos” da operação, que vinha sendo planejada há 7 meses. Circula entre diversos sites e em programas de TV, ainda de forma imprecisa, a apreensão de 4 fuzis, drogas e rádios comunicadores, além da destruição de estruturas de proteção dos faccionados em meio a confrontos.

A coletiva, enquanto parte imprescindível da construção da operação-espetáculo, buscou reforçar a agenda de combate ao “narcoterrorismo”, como vem sendo pautada por políticos de extrema-direita como Cláudio Castro (Governador do Rio de Janeiro), Tarcísio de Freitas (Governador de São Paulo) e Flávio Bolsonaro (Senador pelo Rio de Janeiro), e justificar o fortalecimento da máquina de guerra aos pobres no Estado.

Somem da discussão do “saldo” da operação as imagens de trabalhadores espalhados pelo chão das vias públicas se escondendo atrás de carros, de moradores proibidos de saírem de suas casas para trabalhar, de passageiros traumatizados (para além dos baleados) e do impacto sobre as crianças e pessoas com problemas de saúde que tem negados o acesso a equipamentos públicos em decorrência direta da existência da operação. O discurso oficial da Polícia Civil, quando citados elementos próximos a isso em entrevistas concedidas, é responsabilizar os traficantes por qualquer problema decorrente das táticas escolhidas pelas corporações policiais e sua cadeia de comando.

A máquina de guerra aos pobres, que busca no confronto espetaculoso fortalecer a plataforma política de militarização e de controle social sobre as favelas e periferias, conta também com o apoio midiático de grandes conglomerados de comunicação que fomentam pânico moral na sociedade. Afinal, é a partir da estrutura dos programas “pinga-sangue” e do jornalismo burguês tradicional, agentes impulsionadores do populismo penal no país, que os consensos para a manutenção dessa guerra são conformados.

Essa tática utilizada na fabricação de elementos novos no vocabulário policial e político, como os termos “narcoterrismo”, “narcocultura” e “narcomilícias”, serve, desse modo, não aos interesses dos trabalhadores, que são vitimados nas favelas, como no caso de Herus Guimarães, morto pelo BOPE durante operação policial que invadiu uma festa junina no Morro do Santo Amaro, ou perdem seus empregos e acesso a direitos por serem afetados por operações policiais; mas sim ao fortalecimento de uma máquina de guerra do Estado que espalha mortes nas periferias, com um indiscutível direcionamento contra jovens negros, enquanto rende expansão de taxa de lucros à indústria das armas e da segurança, dividendos eleitorais a políticos da direita e extrema-direita e busca, principalmente, garantir, através do medo, controle social sobre os trabalhadores para manutenção dos interesses gerais da burguesia, enquanto classe dominante, no país.