O triste destino dos Mura e a inevitável exploração de potássio em Autazes (AM)
Frente Amazônica alerta para acordo de universidade e instituto federal com mineradora para projeto de exploração de potássio em Autazes (AM), que afeta diretamente o território dos Mura.

Povo Mura em manifestação contra a mineração em Terras Indígenas, em Autazes (AM). Reprodução/Foto: J. Rosha /Cimi Norte.
No último dia 10 de novembro, a Frente Amazônica de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (Famddi), divulgou uma nota de repúdio contra a Universidade do Estado do Amazonas (UEA), o Instituto Federal do Amazonas (IFAM) e outras instituições estaduais, devido a um acordo de cooperação com a empresa de fertilizantes Potássio do Brasil para garantir a mineração de potássio no município de Autazes, região metropolitana de Manaus. O projeto Potássio Autazes incide sobre área tradicional e as minas afetam diretamente territórios protegidos da comunidade indígena Mura, que não foi consultada pelas autoridades.
Na nota, a Famddi diz que essa atitude fere o propósito de existência das duas instituições, pois o empreendimento está alinhado política e institucionalmente a um projeto repleto de ilegalidades e riscos ambientais severos para a região. A nota também diz que “os documentos técnicos e jurídicos apontam fracionamento indevido do licenciamento ambiental, falhas graves no estudo de impacto ambiental e ausência de consulta prévia, livre e informada, conforme determina a Convenção 169 da OIT”. O Projeto Potássio Autazes foi idealizado pela empresa Potássio do Brasil Ltda., subsidiária da Brazil Potash Corp., que, por sua vez, pertence ao banco de investimentos canadense Forbes & Manhattan (F&M), um importante banco privado com foco global nos setores de mineração, tecnologia, telecomunicações e jogos online.
O interesse no potássio brasileiro não é recente. Desde 2009, a empresa vinha tentando fazer o projeto avançar, até que em setembro de 2012 anunciaram o início do empreendimento. Foi apenas em 2015, no entanto, que a Agência Nacional de Mineração (ANM) concedeu a licença ambiental prévia dada pelo IPAAM. Em 2016, o Ministério Público Federal do Amazonas (MPF-AM) propôs uma Ação Civil Pública contra a Potássio do Brasil, o IPAAM e a FUNAI. Segundo o MPF, a licença que a empresa obteve era irregular, pois o IPAAM não poderia autorizar a realização de estudos, dar licenças ambientais e tampouco autorizar a instalação de estruturas rodoviárias e portuárias, por se tratar de área em território protegido.
A Potássio do Brasil questiona sobre a existência ou não de ocupação indígena na área, uma vez que o território ainda não está demarcado. Mas o MPF-AM relatou que existem provas da presença das comunidades Mura na região há pelo menos 200 anos. Contudo, o IBAMA manteve sua posição de que o órgão estadual, no caso o IPAAM, deveria realizar os processos de análise e licenciamento. Na mesma toada, o Tribunal Regional Federal da Sexta Região (TRF1) entendeu que o IPAAM poderia ficar responsável pelo licenciamento. No entanto, a instituição emitiu uma série de laudos questionáveis, e foi fracionando as licenças para que o processo andasse mais rápido. Ao mesmo tempo, os relatórios do próprio IPAAM classificaram os potenciais impactos ambientais da atividade como significativos. A Famddi também destaca que é o órgão federal de licenciamento ambiental que deve ficar responsável pelas licenças.
Em abril deste ano o TRF1 autorizou que a Potássio do Brasil começasse as atividades de mineração. Em maio, analisou apenas um recurso dos 19 apresentados pelo MPF-AM e depois de idas e vindas, manteve a decisão de autorizar a continuação do projeto em Autazes, já em outubro. As lideranças ressaltam que as instituições envolvidas negam “os direitos indígenas, apropria-se inadequadamente da causa indígena e afasta-se do esforço de formar alianças a partir dos interesses e dos valores dos povos indígenas.” A Famddi pede que as duas instituições de ensino anulem os compromissos firmados com a mineradora e publiquem retratação oficial. Pedem, também, que o MPF e demais órgãos de controle investiguem a conduta das instituições e de gestores públicos que apoiam o empreendimento, como é o caso de Lúcio Rabelo, que já presidiu o IPAAM e também foi professor e dirigente do IFAM, hoje atuando como Assessor de Gestão de Meio Ambiente e Comunidade na Potássio do Brasil.
É importante ressaltar que o estado do Amazonas tem minas de potássio que somam 169 milhões de toneladas de minério – estima-se que esse volume possibilitaria o abastecimento do agronegócio brasileiro por 23 anos, reduzindo com isso a dependência do Brasil de fertilizantes estrangeiros. O projeto Potássio Autazes prevê a construção de um porto, uma planta industrial e uma estrada, que ligaria o porto à planta, bem como uma adutora e uma linha de transmissão. No município de Autazes, como citado anteriormente, estão situadas diversas terras ocupadas por indígenas da etnia Mura. As terras mais próximas das futuras instalações da mina são Jauary, Paracuhuba e Soares, esta última ainda não demarcada. De acordo com o MPF, o município de Autazes possui mais de 20 terras indígenas regularizadas ou em processo de demarcação.
Um estudo de caso realizado pela Unisinos demonstra que dentre os impactos desse tipo de atividade, o principal é o de a escavação atingir fontes de água subterrâneas e acabar inundando a mina, resultando em uma cratera irrecuperável na terra. A mineração em grande escala requer grandes quantidades de água, o que sempre resulta no esgotamento, desvio ou envenenamento do suprimento de águas das regiões exploradas. Além disso, a água pode ser contaminada de diversas formas, com altas quantidades de sal e outros contaminantes ou no empilhamento dos rejeitos em solo aberto. O estudo ambiental menciona que “70 a 80% dos rejeitos da extração serão acumulados em pilhas de sal tóxico de até 25 metros de altura, cinco vezes mais perigosos que os rejeitos de Brumadinho (MG).” Mesmo com o manuseio adequado dos rejeitos, os sais podem ser dissolvidos pela chuva e pela umidade do local. Essa água salobra vai parar nos rios de água doce da região, o que pode gerar uma mudança considerável no ecossistema.
A construção deste empreendimento afetará diretamente a aldeia Lago do Soares, e a Potássio do Brasil prometeu abertamente que construirá escolas, postos de saúde, e além disso, irá distribuir royalties e recursos ao povo Mura. Paralelamente a isso, lideranças do Conselho Indígena Mura (CIM) juntamente com o MPF têm recebido denúncias de coação, ameaças e assédio. Infelizmente, muitos indígenas acabaram sendo cooptados para aceitar o empreendimento, e para muitos, não há mais o que ser feito. A empresa iniciará suas atividades sem qualquer impedimento.
Mesmo assim os ataques vêm de todos os lados. Em retrospectiva, foi incluído no artigo 21 na lei 14.701/2023, conhecida como Marco Temporal o item que permite a “exploração de recursos minerais estratégicos”. Tal inclusão foi baseada na sugestão de Luís Inácio Lucena Adams, que é membro da Câmara de Conciliação do Marco Temporal, mas também é integrante da equipe de advogados da Potássio do Brasil. Por fim, não podemos deixar de apontar que todo esse processo está de acordo com as políticas do governo do ex-presidente Bolsonaro, mas também com o governo atual, especialmente através do Ministério da Agricultura de Carlos Fávaro (PSD), e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços do Vice-Presidente Geraldo Alckmin. Assim, temos governo, instituições de ensino superior e órgãos públicos alinhados com a exploração predatória de recursos e o massacre de comunidades tradicionais.