O inferno diário da Comunidade Marielle Franco
Na linha de fogo entre jagunços, grileiros e o abandono do Estado, a comunidade Marielle Franco na Amacro vive um cerco de terror. Sob drones que espreitam banhos no rio, tiros e castanheiras envenenadas, moradores lançam um grito de socorro.

"Tomamos banho no igarapé com medo! O drone filma nossa nudez, nossas crianças. Atiram quando colhemos castanhas. A água está contaminada, nossas árvores morrem. A fazenda está embargada, mas os pistoleiros gritam: ‘Voltou, morre!’"
"Minha vizinha foi filmada nua. Vivemos com o coração na mão. Os jagunços estão ‘armados até o dente’. Cadê o INCRA? Cadê o Ministério Público Federal?" (áudio enviado pelos moradores a Redação do Jornal O futuro)
Com drones, armas e violação sistemática da intimidade, seguranças privados intensificam a pressão sobre famílias assentadas em terra de reforma agrária no sul do Amazonas, divisa com o Acre. Em 05 de Agosto de 2025, moradores da Comunidade Marielle Franco, em Boca do Acre, denunciaram novos ataques com vigilância ilegal e assédio promovidos a partir da antiga Fazenda Palotina – arrecadada pelo Incra em fevereiro, mas que segue ocupada por grupos de milícia privada e grileiros.
A empresa "Bastos Vigilância" mantém uma base fixa dentro da área e utiliza drones para espionar banhos no rio, necessidades fisiológicas e o cotidiano das famílias, em uma estratégia de humilhação e coerção. A comunidade cobra intervenção urgente contra a invasão de um território já destinado à reforma agrária.
"Minha vizinha foi filmada nua. Vivemos com crianças tremendo", relata uma moradora. À noite, disparos de fuzil rasgam o silêncio para aterrorizar famílias, enquanto castanheiras centenárias, sustento da comunidade, são envenenadas ou derrubadas.
Terror psicológico e disparos noturnos próximos às casas, ameaças de morte em alto-falantes. Ecocídio planejado, as castanheiras centenárias - fonte de sustento - são envenenadas ou derrubadas. Transformadores de energia são roubados para isolar a comunidade.
Histórico de violência na comunidade
Em janeiro de 2024, José Jacó Cosotle, coletor de castanhas, foi executado com um tiro no queixo enquanto aguardava amigos na mata. Seu corpo jaz sem perícia digna, a região não tem Instituto Médico Legal (IML). Não foi um caso isolado. Torturas com sacos plásticos foram relatadas por quatro moradores asfixiados por horas por homens que se passavam por BOPE (fevereiro de 2024).
Incêndios criminosos em casas e nos roçados queimados enquanto PF e Exército assistiam passivamente (agosto de 2024). Líder comunitário Paulo Sérgio é criminalizado, sendo a principal voz da comunidade, preso por 51 dias após denunciar torturas. Enquanto estava na cadeia, os donos da Fazenda davam churrascos para policiais.
Apesar de arrecadar 28 mil hectares para o assentamento, o INCRA abandonou as 200 famílias à própria sorte. Na região da AMACRO, que concentra 26% dos assassinatos rurais do Brasil, a lei é a do fuzil. Um dos donos da fazenda teve prisão preventiva revogada por habeas corpus em 2024, mesmo acusado de comandar organização criminosa.
No ano passado, durante o pico das queimadas, Policia Federal e Exército ignoraram pedidos de ajuda durante os incêndios. Veículos oficiais foram vistos em festas dos grileiros. Justiça sem justiça com processos de grilagem emperram enquanto pistoleiros agem livremente.
"Não queremos guerra! Queremos que o INCRA cumpra sua palavra!" – gritam mulheres que plantam roçados sob ameaça de drones.
Apesar do terror, a comunidade se ergue, junto com a Defensoria Pública do Amazonas estão em luta, garantindo a liberdade de Paulo Sérgio e evitando despejos. A Comissão Pastoral da Terra (CPT) documenta cada violação e pressiona o Ministério Público Federal diariamente.
A inércia do estado
A violência na comunidade Marielle Franco não é um conflito isolado, mas a expressão aguda da luta de classes no cerne do capitalismo dependente brasileiro. O terror dos jagunços, a omissão do estado e a resistência dos camponeses revelam três pontos.
A grilagem reproduz a expropriação, com drones, incêndios e assassinatos como instrumentos para despojar comunidades e seus meios de subsistência, convertê-los em capital. Os donos da fazenda e a "Bastos Vigilância" personificam o capital parasita que avança sobre bens comuns, usando táticas coloniais de controle territorial. A espoliação é a base material do ecocídio e da humilhação sistemática, como os drones que filmam banhos no rio, tática de dominação de classe e gênero.
A inércia do INCRA, a cumplicidade do Exército e a soltura de um dos donos da fazenda expõe o Estado burguês como garantidor da propriedade privada. Já líderes comunitários como Paulo Sérgio são criminalizados e grileiros fazem churrascos para policiais, síntese da aliança entre latifúndios e forças repressivas. A AMACRO, com 26% dos assassinatos rurais, é um laboratório onde o Estado opera como mediador a serviço do capital.
Uma luta não é pela "inclusão", mas pela transformação das relações de propriedade, da terra arrecadada pelo INCRA às castanheiras como bem coletivo. A Defensoria Pública e a CPT, ao documentar torturas, atuam como trincheiras contra-hegemônicas, mas é a auto-organização comunitária que gera o salto. As mulheres que exigem "não a guerra, mas o assentamento" praticam a práxis revolucionária ao unir sobrevivência imediata e projeto político.
A comunidade Marielle Franco não precisa de esmolas legislativas. Exige um programa de emergência anticapitalista. Expropriação sem indenização da Fazenda Palotina e prisão de seus donos. Assentamento imediato sob autogestão camponesa, sem mediação de ONGs neoliberais. Desmilitarização radical, com a dissolução da "Bastos Vigilância" e desvinculação de PMs/Militares de operações agrárias.
"Aos que pensam que nos paralisarão com balas, drones e fogo: nossa luta é filha da terra, e a terra há de ser nossa outra vez." (Coletivo de Mulheres da Comunidade Marielle Franco, agosto de 2025).